Ricardo Sontag é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é muito determinada pelos meus encargos na faculdade, o que a torna muito variável. De qualquer forma, ultimamente eu trabalho melhor quando posso acordar naturalmente e quando consigo começar a escrever ainda pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho horários certos preferidos. O meu ponto, na verdade, é ter tempo. Não gosto de interromper o processo de escrita, por isso prefiro reservar dias inteiros exclusivamente para essa tarefa e, às vezes, sigo noite adentro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu gostaria de conseguir estabelecer metas semanais, que é o máximo possível tendo em vista meus outros encargos na faculdade. Prazos para publicação acabam determinando períodos de menor ou maior concentração na escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O que eu tento fazer, durante o processo, é diminuir a distância entre a fase-pesquisa e a fase-escrita. Minhas fichas de leituras dificilmente são puras: elas quase sempre trazem anotações com ideias minhas também. Na hora da redação propriamente, geralmente eu já tenho duas ou três ideias sobre como começar, portanto, o meu esforço é o de escolher uma das alternativas. Com o resultado, às vezes eu fico satisfeito, às vezes não…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O que mais trava a minha escrita é falta de concentração. Infelizmente, ainda não tenho uma fórmula para lidar com esse problema.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando um texto está quase pronto, eu gosto muito de relê-lo muitas vezes. Também gosto de deixar textos guardados e retomá-los depois de um tempo: com isso, consigo perceber coisas que, antes, eu não tinha conseguido perceber. Isso tudo, porém, em um mundo ideal… Nunca consigo corresponder a essa minha obsessão por revisar. Eu também fico muito satisfeito quando algum amigo se dispõe a ler meu texto antes da publicação: o texto sempre melhora e a insegurança pré-publicação se esvai. Como eu disse, esse é o mundo ideal: não consigo lembrar de nenhum texto meu que eu tenha conseguido revisar o suficiente para me deixar satisfeito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Por vezes, gosto de rabiscar um pouco no papel, mas o cerne do trabalho faço diretamente no computador. Minha relação com a tecnologia eu diria que é boa, eu só demoro para me habituar com novas ferramentas (meu uso dos programas de redação, por exemplo, é bastante básico).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu sou historiador do direito, então, as minhas pesquisas sempre acabam envolvendo o esforço por “escutar” as fontes de época. Mas a “escuta” das fontes de época pode ser o gatilho ou o segundo passo. Às vezes, o gatilho é algo que me soa merecedor de aprofundamento ou correção na historiografia sobre o tema que está me interessando; às vezes é algo que me soa estranho nas fontes do passado em função do meu “ouvido” de sujeito do presente. O próprio esforço em “escutar” as fontes estimula a criatividade, basta não se deixar engessar por modelos teóricos demasiado rígidos e/ou por regrinhas de escrita acadêmica que nada tem de necessárias para o rigor da pesquisa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que os meus dilemas de escrita – ainda não completamente resolvidos – são os mesmos de sempre. O meu orientador no curso de graduação em direito e no mestrado, professor Arno Dal Ri Júnior, sempre me chamava a atenção, muito sabiamente, para evitar uma escrita inutilmente complicada. Ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado para que a narrativa – eu só escrevo história do direito – não se torne banal. Sobre as regras acadêmicas de escrita, é preciso distinguir o que é exigência metodológica fundamental e o que é engessamento inútil do estilo da narração. Na minha tese, vários desses dilemas não estão bem resolvidos e acho que ainda não consegui resolvê-los plenamente. Por isso, no lugar de falar sobre o que mudou na minha escrita, talvez eu devesse falar sobre o meu horizonte de escrita acadêmica, sobre onde eu gostaria de chegar. Além de resolver todos esses dilemas, eu acrescentaria: desenvolver um estilo próprio (compatível, é claro, com as regras da arte de um texto historiográfico) e evitar os maus e antiquados modelos literários que ainda estão muito presentes em uma parte da pesquisa jurídica (e muito comuns na literatura de tribunal). Por que não, em alguma circunstância, esconder a principal hipótese interpretativa? Por que entregá-la sempre nas primeiras páginas da introdução? Por que não trazer algum elemento novo na parte final do texto (a título de provocação ou de estímulo para outras pesquisas)? Por que escrever sempre na voz passiva ou na terceira pessoa? Os textos acadêmicos são muito diversos entre si e devem continuar sendo. Muitas regrinhas de escrita acadêmica engessam inutilmente a escrita historiográfica. Esse é o horizonte que eu tento ter em mente no processo – ainda em construção – de elaboração do meu estilo de escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um livro cujo título seria mais ou menos assim: “Direito penal e civilização: uma história da cultura jurídico-penal brasileira no século XIX”. Na verdade, a pesquisa em si para esse projeto já está iniciada, o livro é que não. Sobre o que eu gostaria de ler, tendo em vista que as exigências profissionais acabam determinando muito meus hábitos de leituras, o simples fato de ter um instante para escolher um livro livremente já é uma grande alegria para mim, ou seja, a realidade, de certa forma, acaba me satisfazendo.