Ricardo Silvestrin é escritor e músico.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Minha semana de trabalho sempre tem vários projetos ao mesmo tempo. Isso porque, ao lado da minha produção literária, tem outras atividades. No campo específico da criação, se não estou escrevendo, estou pensando em algum projeto de escrita, de edição, de reedição. Enfim, o trabalho de criação não se resume a criar.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Trabalho das duas formas. Tem a produção, quase sempre de poemas, que parte do desejo de escrever. Essa acontece quando li algum poeta que me despertou esse desejo, ou mesmo sem ler nada, da própria vontade de voltar a escrever e, aí sim, pegar algum livro de algum poeta de que gosto para aquecer. E tem a produção que nasce de um caminho criativo que, ao por a mão na massa, vou vendo como se desenvolve. Não acho difícil nem a primeira nem a última frase. Quando estou com vontade de escrever, pego o i-pad e começo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Escrevo sentado no sofá da sala, com o i-pad no colo, como estou fazendo agora. Não tem uma rotina. E os meu livros se constroem no tempo. Não sento e escrevo um livro de poesia inteiro. Levo no mínimo uns três anos entre um livro que publiquei e outro. Vou escrevendo os poemas, arquivando, depois reúno um conjunto, ordeno. Depois aparecem novos, comparo, seleciono, ordeno. Depois penso num título, o que pode reordenar tudo. Na prosa, com os contos, seja para o livro que lancei, Play, ou para um conjunto que tenho arquivado, acontece o mesmo. Já o romance que lancei, O videogame do rei, partiu de um plano de vôo, como chamo. Pensei nas linhas gerais da história, em alguns eixos “verticais” (poder, democracia, vocação, relação homem e mulher) e “horizontais” (dilemas do nosso tempo, tecnologia, videogames). No plano de vôo, planejei de onde saía e onde chegava. Daí em diante, descobriria o resto escrevendo. Levei um ano. Quanto a ter silêncio, tanto faz. Muitas vezes, escrevo ouvindo música instrumental.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Não tenho problema de procrastinação. Quando faço algo de que gosto, estou sempre pronto pra fazer. Também não tenho experiência de me sentir travado.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
São trabalhos diferentes. Trabalho com vários projetos formais e criativos. Por exemplo, a série de poemas cada um de um único verso que escrevi e publiquei no meu livro ex,Peri,mental deu bastante trabalho. Paradoxalmente, cada poema era mínimo. Mas aí estava a dificuldade que me coloquei: é possível fazer poemas que se sustentem com um único verso? Normalmente se pensaria que escrever um texto longo daria mais trabalho. Outro exemplo, os poemas que escrevi para o meu livro para crianças É tudo invenção. Parti de um poema, A invenção da dança, que criei como os avulsos, os que não partem de um caminho criativo específico (como os de um verso a que me referi ou outros da minha produção). Mas, ao ver o poema criado, percebi que poderia abrir uma série que falava de coisas que a gente não sabe como foram inventadas. A partir disso, escrevi, durante uns seis meses, os outros dezenove poemas. Foram poemas mais longos dos que os que eu costumava escrever, pois havia em cada um coisas a dar conta, histórias, relatos das versões que inventei para como as coisas teriam sido inventadas. Foi uma criação com vários pontos de dificuldade. É um dos livros meus de que me orgulho de ter feito. Mas me orgulho de cada um dos outros, cada um por um motivo.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Os poemas avulsos não partem normalmente de temas. Começo, normalmente, a escrever sem ter ideia prévia. Começo e vou descobrindo algo a dizer e também uma maneira de criar o poema. Também parto de pesquisas formais, escrever um poema longo de uma determinada maneira, escrever a partir de um procedimento criativo que admirei num poeta, escrever a partir de métricas de uma banda de rap como US 3, escrever poemas a partir de pinturas, montar poemas com palavras recortadas de jornais e revistas, escrever com fontes de letras criadas por mim num programa de design incluindo também símbolos e desenhos…. O leitor sou eu. Depois que escrevo, leio. Passa o tempo e releio. Depois de meses, leio de novo. Sou um leitor exigente. Conheço muita poesia. Se conseguir agradar a esse leitor, já é um bom começo para o poema seguir adiante e ser apresentado a outros leitores.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Primeiro, como disse acima, eu tenho que gostar. Se eu gostar, passo adiante. A primeira leitora, atualmente, tem sido a minha esposa. Às vezes também a minha filha e o meu filho. Quando eu tinha entre vinte e trinta anos, tínhamos um grupo de poetas amigos que funcionava como os primeiros leitores e avaliadores dos textos uns dos outros. Hoje, cada um faz esse trabalho sozinho.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Comecei a escrever porque desejava fazer uma banda de rock, aos quinze anos. Uma banda como Deep Purple, Kiss, Queen, Black Sabath. Tocava um pouco de violão e comecei a escrever letras de música, pois, caso aparecessem uns cabeludos pra gente fazer uma banda, eu diria que faria as letras. Fui ler os poetas numa biblioteca pública para ver como faziam seus versos para escrever bem minhas letras. Ao ler a Antologia Poética do Manuel Bandeira, descobri o barato do poema no papel. Era heavy metal a poesia do Bandeira. Segui lendo outros poetas como Drummond, Cabral, Cecília, Quintana, Mário de Andrade, Oswald, Armindo Trevisan, Nei Duclós, Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, e escrevendo meus poemas. Faço isso até hoje.
Com o tempo, fui fazendo, além dos livros, bandas e tenho também o meu trabalho solo musical. Não tem nada que gostaria de ter ouvido. Gosto do caminho e das descobertas que fiz e sigo fazendo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não sou muito adepto da ideia de que se trabalhe para ter um estilo próprio. Tanto por pensar que a criação nasce mesmo do diálogo criativo com as coisas que a gente lê, quanto por criar e experimentar formas novas. Assim, não penso que se ganhe muito chegando e parando num determinado modo de criar. Bandeira é o meu poeta que me abriu as portas da poesia.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Tankas, de Takuboku Ishikawa.