Ricardo Ramos Filho é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Sou do tipo mais esperto pela manhã. Procuro, portanto, fazer mais coisas no início do dia. Acordo, vou a um parque aqui perto e caminho uma hora. Durante o exercício aproveito para escrever previamente os textos no pensamento. Deixo tudo engatilhado para mais tarde. Depois, caso seja necessário, vou ao supermercado comprar alguma coisa que esteja faltando em casa. Gosto de cozinhar e geralmente fico responsável pelo almoço. Costumo programar o cardápio no dia anterior, eventualmente torna-se necessário buscar algum ingrediente. Durmo pouco, cedinho já estou em pé, tudo isso faço antes das nove horas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre estou trabalhando, pela manhã rendo mais, mas geralmente vou fazendo tudo o que preciso fazer até anoitecer. Eventualmente participo de alguma live à noite. Com a pandemia elas ficaram comuns. Só consigo escrever logo que volto para casa, antes do almoço. Não há ritual, apenas disciplina. Deixo a tarde para tarefas menos criativas, mais fáceis e rotineiras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Embora não tenha uma meta de escrita diária, meu planejamento deixa um pouco a desejar, sei que preciso escrever diariamente e o faço. Neste sentido sou bastante disciplinado. Trabalhar com o texto é uma briga constante, rapidamente perde-se o foco, apenas estando em contato com ele no cotidiano consegue-se produção significativa. Caso abandonemos o trabalho por um intervalo mais prolongado costumamos sair do contexto, perder o fio da meada, depois fica mais difícil retomar o caminho perdido. Escrever para mim é um trabalho como os outros. Preciso bater o ponto, sentar e chamar as palavras. Elas poderão vir ou não. Mas precisam ser invocadas para aparecer. Esse negócio de inspiração é balela.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costumo anotar nada e nem pesquisar. Fica tudo guardado em compartimentos da memória. Acostumei-me a considerar importante apenas o que fica. Aquilo que vai embora, foge, é esquecido, provavelmente não era suficientemente digno de ser registrado. Confio muito em minha intuição, no observado, naquilo que me comove a ponto de ficar incomodando e precisar ser contado. Quando o texto e as palavras começam a desejar ir para o papel, o melhor é dar espaço para eles. O processo não é assim tão consciente, mas já dura a ponto de não mais me surpreender. Sei apenas que ficar sem obedecer ao impulso criativo me faz mal, perturba, sufoca. A gente aprende na prática, não existe uma escola, cada um acaba criando seus próprios procedimentos. Diariamente procuro libertar-me da agonia de escrever. É uma condenação, preferiria não ser escritor. Mas como sou, minoro o sofrimento escrevendo e me livrando da obrigação o mais rápido possível.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Esse negócio de trava me parece desculpa, preguiça, não levo muito a sério. Procrastinar é prolongar o trabalho. Se precisa ser feito, melhor fazer de uma vez, pegar o touro a unha. Os medos todos existem, afinal estamos mostrando um lado muito íntimo nosso, o texto vem de dentro. Mas precisa encontrar o seu caminho. Impedir o fluxo normal por receio é quase uma armadilha criada por nós mesmos. Quem escreve aprende a superar as ansiedades.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Trabalho o texto obsessivamente. Mudo palavras, frases inteiras, corto parágrafos. Depois refaço, para cortar novamente e mais uma vez repetir sentenças. Fico nesse apaga e recria indefinidamente. Nunca estou satisfeito. Mesmo depois da publicação me incomodo com não poder mais alterar. Para mim o texto, o trabalho, nunca estão prontos. Quando entrego o livro ao editor é por desistência. Mexi tanto que já não estou mais apto a continuar mexendo. Encheu! É mais por desistência. Minha mulher sempre, e meu irmão algumas vezes, leem antes da publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Embora deteste tecnologia, escrevo direto no computador. Não sei mais escrever à mão. Até enviar para publicação o texto inteiro é rascunho. Apenas meu primeiro livro, Computador sentimental, publicado em 1992, foi manuscrito. Ia escrevendo e pedia para a secretária datilografar. Era horrível. Pensava duas vezes antes de mexer em alguma coisa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm do cotidiano e da observação. Preciso da rua para poder escrever. É circulando pelos mais variados locais, e conversando com as pessoas, que encontro material para minhas histórias. Costumo dizer que se vivesse preso não teria de onde tirar as ideias. A pandemia, e o consequente isolamento social, penalizaram muito o meu trabalho. Achava que iria escrever mais, acabei diminuindo meu ritmo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje estou mais confiante, sei que as dificuldades serão superadas e que no final o texto irá se impor. Se pudesse voltar ao início acalmaria o escritor iniciante. Já foi maior a angústia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meus projetos estão em dia. Estou escrevendo com grande morosidade um romance. A responsabilidade na hora de escrevê-los aumenta. Até porque muita gente apenas considera literatura aquilo encontrado nos textos ficcionais de mais longo fôlego. Apesar de ter publicado mais de vinte livros, ainda não publiquei uma narrativa mais volumosa. Um tio certa vez perguntou-me quando eu teria coragem de me assumir como escritor e iria encarar um romance. Para ele apenas o gênero em questão elevava o vivente à categoria de escriba. Aquilo me incomodou muito. Pouco depois comecei a trabalhar uma história mais longa, estou nela há já alguns anos. Com relação às leituras desejo mais reler do que ler alguma coisa nova ainda não escrita. Machado, Rosa, Proust e Tolstói serão revisitados em breve.