Ricardo Gamba é dramaturgo, roteirista e diretor artístico.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente reservo as manhãs para as ações burocráticas, realizar reuniões, revisar cronogramas, montar projetos, ler editais. Para a escrita reservo sempre o período da tarde para noite, isto é claro, de acordo com o projeto que estiver desenvolvendo no momento. Tem projetos que você consegue um maior tempo para amadurecer ideias, outros, você tem que se debruçar em período integral por conta de cronograma de entrega.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse, prefiro escrever no período da tarde e da noite. Não por ser um período em que eu me sinta mais disposto não, eu atuo também em outras funções artísticas, como Direção e Produção Artística, por este motivo, utilizo o período da manhã para resolver os assuntos burocráticos e tarde e noite priorizo, sempre que possível, para o processo de criação e pesquisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do trabalho em que eu estiver envolvido, pra escrever um texto de teatro por exemplo, a escrita é morosa, pesquiso bastante o assunto que eu quero desenvolver, crio a estrutura das cenas e depois vou lapidando, relendo, reescrevendo, geralmente um processo que dura em média de três a seis meses, já para roteiro, um campo novo no qual tenho feito muito mais revisão do que escrita, o processo é mais acelerado, acompanhando o trabalho de amigos roteiristas, o processo é diário, em conjunto, discutido e revisto diariamente.
Escrevi a Biografia de Silvetty Montilla, esse processo de escrita foi um dos mais desafiadores, pois realizava pesquisas, realizava entrevistas e depois me debruçava na criação dos textos, este processo se fez diário e sem horário determinado, até hoje quando releio alguns trechos do livro penso que ainda dava pra ter feito diferente, você entrega a obra sempre na sensação que ainda poderia ter rendido mais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antigamente eu acreditava que era necessário o momento certo para que a “inspiração” guiasse um trabalho, hoje, percebo que a inspiração é algo importante, genial, mas ela somente faz parte de um processo. O processo todo é feito de técnica, pesquisa, digo que muito mais do que “inspiração”, um texto é feito de “transpiração”, ralar diariamente, estar antenado com o mundo contemporâneo, ler bastante, assistir teatro, cinema, faz com que você crie o seu próprio repertório pessoal e te possibilita na hora da escrita a imprimir numa lauda diferentes visões de mundo a partir do seu olhar, um bom texto é formado por diferentes olhares, ser escritor requer que sejamos excelentes observadores.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que a insegurança estará presente sempre na vida de um autor, mas de forma positiva, o frio na barriga de um artista ao entrar em um palco, é o mesmo de um autor ao ver sua obra encenada ou publicada. As vezes um texto requer silêncio, pausas, respiros, afastamento. Quando sinto que não estou caminhando para o desenvolvimento adequado me dou o direito de me afastar da escrita. Não que deixe de trabalhar nele, vou buscar novas fontes para me alimentar do assunto e assim trazer para a obra em questão um repertório que a contemple. Não dá para encarar os processos de escrita como algo que você não tem domínio, se não está no seu domínio, você pesquisou pouco. É trabalho, trabalho árduo, a poesia fica apenas nas palavras, o processo é tenso e responsável. Então se a ação da escrita não estiver acontecendo, volto algumas casas, volto a pesquisa, ali sempre encontro algo novo que fará nascer o que estava faltando.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso sempre, leio e releio, envio para amigos, ouço opiniões.
Uma professora da Universidade um dia verbalizou que entre uma revisão e outra, temos que priorizar uma boa noite de sono… rsrs… É verdade. Você cria, lê, refaz alguns apontamentos, se distancia do que escreveu e somente no dia seguinte, você revisa. É comum estarmos tão envolvidos num processo criativo, na empolgação de determinada cena, que naquele momento exato, envolto na adrenalina, você não consegue enxergar alguns caminhos que poderiam deixar aquele processo mais interessante. É importante revisar, mais importante ainda, revisar com distanciamento.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou super adepto a tecnologia, os rascunhos sempre no computador, às vezes, algumas ideias surgem em ocasiões em que você não está com um computador em mãos, aí sim, eu faço anotações e assim que possível, me debruço no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Conheço pessoas incríveis que de cada conversa nascem ideias geniais. Esses são gênios. Eu sou um ser humano comum… rsrs… como disse anteriormente, a poesia da criação está muito mais ligada à forma como se apresenta do que nos processos. A história de que a obra de arte já nasce pronta é balela. É preciso estudar bastante, pesquisar, ler muito, assistir teatro, tv, cinema, estar conectado com o mundo moderno. Escrever é observar, se conectar com o mundo contemporâneo, entender o que ele quer ouvir no momento presente. Estamos sempre nessa tentativa, as vezes dá certo, e quando dá, o que escrevemos deixa de ser da gente e dialoga com a história de quem a está lendo ou assistindo, quando isso acontece é muito bom. A Arte é capaz de transformar seres humanos, nossa função é sermos os operários dessa construção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não somente eu, acho que todo aquele que um dia resolveu escrever, ao revisitar seus textos, pensaria: “vou refazer este texto” … rsrs… amadurecimento é um aglomerado de experiências, o que te faz ter um maior repertório, te faz ter mais entendimento sobre expressar sentimento através das palavras. Contar uma história é algo muito instigante, porém, repleto de detalhes, quanto maior conhecimento do que se está escrevendo, mais potente ficará seu texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho um projeto, que trabalho nele há alguns anos, já criei toda a estrutura, a princípio seria cinema, depois virou um projeto para série, iniciei pesquisa e o processo de escrita em 2008, e ainda hoje, em 2022, quando releio e reviso, meus olhos brilham na vontade de concretizá-lo. Acho que este é outro ponto importante na escrita de um texto, seus olhos devem brilhar, você tem que gostar dele, senão não rola.
Um livro que ainda não existe, que gostaria de ler, um livro escrito por uma Mulher, Trans, Negra, que narrasse o fim do racismo e preconceito no Brasil, a partir de políticas públicas e educacionais. Será que conseguirei ler esse livro um dia?