Renato Janine Ribeiro é ex-ministro da Educação, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não. Sempre tenho muitas coisas a fazer, por isso não tenho rotina em nenhum momento do dia, exceto à noite, quando estou em casa (não sou muito original nisso…)
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se for para escrever, é de dia, preferencialmente de manhã. Sento-me ao computador e escrevo. Geralmente tenho ideia do que vou escrever mas, sempre, sempre mesmo, escrevendo (ou dando aula ou ministrando palestras) vêm ideias novas. As coisas mudam enquanto acontecem. Dar aula ou uma conferência, para mim, é especialmente rico por causa disso. E, no livro que acabo de terminar, um romance histórico que imagina o que seria o Brasil se não tivesse vindo a família real, as ideias jorravam com a escrita. Para deixar claro: nunca, jamais, tenho algo pronto antes de começar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Varia. Como tenho outros afazeres – por exemplo, encerrei agora dois anos criando o Instituto de Estudos Avançados e Convergentes da UNIFESP e quatro anos como presidente da Aliança Francesa de São Paulo – é difícil assegurar uma rotina diária de escrita, ou de exercícios físicos, ou do que seja. Faz tempo, tenho a meta de dedicar um tempo fixo por dia para a escrita, outro para exercícios e um terceiro para a espiritualidade. Infelizmente, ainda não consegui.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é assim. Por exemplo, nunca preparei aulas, no sentido de dizer: tenho uma aula a dar sobre um assunto que não conheço, vou estudar e depois tomar notas. Sempre dei aulas sobre assuntos que eu tinha, com enorme prazer e sem muita obrigação, lido, pensado, inventado. Por isso mesmo, não gosto da palavra “estudar”, como quando se diz estudar para a prova. Acho que nunca estudei para provas! Era bom aluno porque gostava do que estava no programa, só isso. Quando me deparei com assuntos de que não gostava, foi difícil (sorte que foram raros os casos). Da mesma forma, quando vou escrever, são ideias que já estavam dentro de mim, foram amadurecendo e aí escrevo. Mas, como disse, a escrita enriquece muito. Muda muito o que eu tinha pensado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Faz quase quinze anos me programei para escrever cinco livros: a Boa Política, que publiquei em 2018, um livro infantil, com as histórias que inventei para meu filho Rafael entre 2002 e 2005, o romance histórico, um livro com meus artigos sobre arte, cinema e literatura e, ainda, um livro sobre Maquiavel e a política atual. Mas ser diretor da CAPES, ministro da Educação e lecionar na UNIFESP me atrasaram. Além disso, entrou um livro a mais, minhas memórias de ministro (A Pátria Educadora em Colapso, 2017). E isso porque refaço tudo. Por exemplo, a Boa Política, o livro de cultura, o infantil e mesmo o romance histórico tinham partes prontas havia muito tempo. Mas jamais me limito a justapô-las. Reescrevo, revejo, introduzo o que me parece estar faltando. Ajo assim pelo menos desde A sociedade contra o social (2000), que me custou uns dois ou três anos para concluir – isso, depois de vários artigos já estarem prontos numa primeira versão.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras. Às vezes mostro, sim. Mas como refaço constantemente, não há número fixo. Só paro quando as mudanças começam a ser muito secundárias e é hora de soltar o livro, como um filho, para ele viver sua vida no mundo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Infelizmente, praticamente perdi a ortografia. Escrevo tudo no computador. À mão, saem garranchos. Ficou muito feia a minha letra.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A maior parte do que escrevi é de filosofia política, mas a partir dos anos 1980 me interessou em aplica-la à compreensão da ação política. E depois a outros assuntos, como o romance histórico, a literatura infantil. As artes e a cultura, embora eu não seja da área de estética, me fazem pensar sobre a vida. Estou numa fase de muita mudança, como se pode ver dos livros que tenho no horizonte e de que falei acima. É tudo muito diversificado. E como eu gosto de ler e de pensar, as ideias vêm inesperadas, mas vêm.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No começo eu gostava de palavras difíceis. Depois, fui substituindo por termos de mais fácil compreensão. Na academia, há um certo gosto pela dificuldade do texto, que significaria que ele é mais profundo. Não concordo. Aliás, em meu livrinho Ética na política fiz um artigo com uma paródia dessas dificuldades desnecessárias. Mesmo assim, tendo a escrever frases compridas. No romance histórico, há muitas. Nas outras obras, bem menos. E se me fosse dado reescrever o que escrevi no passado, eu nunca pararia de mudar o estilo, por isso é melhor tratar o livro publicado como um filho que saiu de casa e sobre o qual você não tem mais autoridade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Já mencionei os livros que tenho em andamento. São esses. Agora, qual livro eu gostaria de ler que não existe… Difícil responder. Gosto muito de ler história e penso que falta muitíssima coisa nessa área. Quando fui ministro da Educação, mandei a CAPES abrir um edital sobre revoluções e outro sobre biografias no Brasil. Penso, por exemplo, que deveríamos ter boas biografias de todos os líderes brasileiros, na política, na economia, na cultura. Não falo de governantes, falo de pessoas que se destacaram. Há muito pouco disso. As biografias foram selecionadas, mas ao que lembro nenhuma trata de líderes. Há hoje na história a tendência a biografar gente do povo, os esquecidos de outrora. É muito bom, mas o problema é que mal temos biografias decentes dos grandes líderes brasileiros e isso perturba nosso conhecimento histórico. Na verdade, fui inspirado nesse edital pela biografia de Luís Carlos Prestes, por Daniel Aarão Reis, que tem o dom de não apenas contar sua vida, mas discutir suas ideias e ações políticas. Isso seria o ideal: você biografar um ministro do Império ao mesmo tempo que discute o que ele fez, ou não fez, contra a escravatura, a monocultura do café, o atraso brasileiro… Seria muito bom. Mas não sei se seriam minha prioridade de leitura. Só sei que fazem falta.