Renata Miranda é jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não sou uma pessoa que funciona muito bem de manhã. Por isso preciso de um bom banho para começar o dia. Parece que só depois disso acordo de verdade. Em seguida me preparo para ir para o trabalho e saio sem tomar café-da-manhã, deixo pra comer algo quando chego na empresa. No trajeto da minha casa até o escritório costumo dividir os cerca de 40 minutos que tenho entre ler um livro e responder mensagens de amigos e familiares que chegaram enquanto eu dormia –por conta do fuso horário entre São Paulo e Londres é normal eu acordar e ver uma infinidade de mensagens e notificações que chegaram no meio da madrugada daqui.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente eu trabalho melhor de tarde, mas frequentemente tenho picos de produtividade de noite, normalmente depois do jantar. Não tenho nenhum ritual específico, principalmente se tiver de cumprir algum deadline. Aí é sentar, escrever e só levantar depois de ter a tarefa cumprida. Acho que isso vem muito da experiência que tive trabalhando em redações de jornal no Brasil, onde a gente é obrigado a correr contra o tempo pra entregar um texto.
Meu primeiro livro, “a spectacularly sad ending”, eu escrevi praticamente inteiro de noite, entrando pela madrugada porque era o único horário que eu tinha disponível para trabalhar nos meus projetos pessoais –além do livro eu também gerencio uma página no Facebook chamada “Read a Girl”, onde promovo o trabalho de escritoras mulheres, uma newsletter mensal também com dicas de leitura, além de produzir zines que misturam textos e colagens originais feitos por mim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias porque faz parte do meu trabalho. Hoje sou gerente de contas em uma agência que foca em startups e empresas de tecnologia aqui em Londres e grande parte das minhas tarefas está ligada à produção de conteúdo, desde press releases, passando por artigos de opinião, até posts para redes sociais.
No meu dia a dia eu não tenho uma meta estabelecida, mas todos os dias, no final do expediente, separo 15 minutos para definir minhas prioridades para o dia seguinte e as escrevo em um caderno que uso como minha lista de afazeres. Também faço isso com meus projetos pessoais. Sinto que funciono muito melhor quando escrevo no papel e consigo visualizar tudo o que tenho na minha lista de pendências. Organização, pra mim, é fundamental.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, o primeiro parágrafo é sempre o mais difícil de escrever. Enquanto faço a pesquisa, eu já tenho mais ou menos uma noção de como vou estruturar o texto, mas aquelas primeiras linhas são sempre um desafio porque é ali que você prende a atenção dos leitores e instiga a curiosidade deles para continuar ou não lendo o que você escreveu. Costumo demorar horas, e quando posso me dar ao luxo, dias, até encontrar uma construção que me agrade. O engraçado é que uma vez que eu consigo escrever o primeiro parágrafo, o resto do texto flui naturalmente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que tenho muita sorte porque nunca fiquei “travada” para escrever por muito tempo, talvez mais uma herança da minha carreira como jornalista. Em jornal não dá pra travar, a gente tem prazo pra cumprir e não tem choro, tem de entregar o texto.
O lance da procrastinação, no entanto, é realmente um problema, principalmente quando o trabalho é um projeto longo, meio sem data estabelecida para terminar. O Noisli, um aplicativo que mistura diferentes sons para criar um ambiente mais produtivo, me ajuda bastante a contornar isso e conseguir me focar melhor na hora de escrever textos com prazo para entregar.
Já o medo e a ansiedade, bem, esses são um pouco mais complicados de lidar. Pessoalmente, eu não sinto medo em não corresponder às expectativas porque sempre vai ter uma parte do público que você não vai conseguir agradar. A ansiedade, pra mim, é o principal problema e isso eu tento lidar com exercícios de respiração. E chá de menta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No mínimo duas vezes. Os meus textos em português eu sempre envio para o meu pai, que também é jornalista, revisar e opinar. Com o meu livro, que é em inglês, enviei para cinco amigas quando terminei o primeiro rascunho para ter feedback antes de voltar a trabalhar na versão final –“truque” que aprendi lendo “On Writing”, de Stephen King, um livro obrigatório para quem quer aprender mais sobre a escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. No trabalho eu faço anotações em um caderno porque consigo tomar nota mais rápido assim. Depois, quando vou escrever no computador uso os rabiscos no caderno como guia para o texto final. Com meu livro, no entanto, foi diferente. Diria que 70% dele eu escrevi usando o bloco de notas do meu celular; toda hora que tinha uma ideia, fazia uma anotação ali por ser mais prático.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Difícil dizer. Acho que as ideias vêm da vivência de cada pessoa, das coisas que viu e leu. Pra mim, a leitura é extremamente importante. Além de melhorar a minha escrita, é a atividade que mais me dá prazer, então eu sempre carrego um livro comigo. Também gosto muito de fazer atividades manuais como colagens, caligrafia, tapeçaria, bordado… São atividades que me servem não apenas como um escape, mas também uma oportunidade de desenvolver a minha criatividade de outras maneiras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu acho que fui ficando cada vez mais exigente comigo mesma, principalmente em se tratando na hora de escrever aquele primeiro parágrafo, aquele primeiro conjunto de frases que vai fazer o leitor ter vontade de continuar lendo o que eu escrevi.
Por mais clichê que isso possa parecer, não diria nada a mim mesma se pudesse voltar no tempo. Todos os erros que cometi e os textos ruins que escrevi serviram de lição pra eu chegar onde estou hoje. E todos os erros que eu ainda vou cometer vão me ajudar a ser uma escritora melhor no futuro. Ainda tenho um longo caminho para percorrer e é caindo que a gente aprende a se levantar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero ter mais tempo para poder produzir meus zines. Como é um trabalho que vai além da escrita e é bem manual por conta das colagens que eu faço para acompanhar os textos, acaba sendo um processo bem demorado. Para o ano que vem eu gostaria de começar algum projeto mais ligado a isso, mas ainda não sei direito o que. Eu gostaria de escrever um roteiro também, mais pela prática porque é um formato que nunca trabalhei direito, então seria legal tentar algo nessa linha.