Rayane ZaLi é poeta e historiadora da arte formada pela Unifesp.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre acordo e vou observar o céu, se está nublado, ensolarado, chuvoso e, com isto, já fico pensando em quais versos ou músicas combinam com aquele dia em especifico. Não sou do tipo que acorda e já vai fazer exercícios físicos, mas gosto de ficar fazendo movimentos de desenrolar os braços e as mãos, bem focados na dança do ventre, sinto que assim eu desperto melhor.
Logo em seguida, e após a higiene matinal, vou à cozinha e tomo um bom café da manhã. Converso com meu papagaio e escuto música, meu dia não começa sem música.
Muitas vezes eu também me sento na cama, logo depois do despertar, e fico pensando no que quero e farei durante o dia que me dará algum tipo de prazer: seja escrever (principalmente escrever), dançar, tomar um cappuccino, criar uma performance, ter uma conversa com alguém que goste muito, tocar ou tirar fotos.
Durante a semana eu sigo até o serviço e, nos dias de folga, eu procuro acordar um pouco mais tarde e ocupar meu dia com coisas que eu goste e me sinta bem. Em praticamente todos os dias a escrita se faz presente na minha rotina, não fico um dia sem escrever um poema ou pensar um monologo, já faz parte do meu viver e do meu viver bem comigo mesma.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem nenhuma dúvida eu trabalho melhor à noite, consigo e produzo durante a manhã ou tarde, mas, à noite eu consigo criar muito mais e também me sinto mais à vontade para isto.
Meu principal ritual para a escrita é preparar uma boa xícara de cappuccino e colocar para tocar músicas que eu realmente goste muito, que de alguma maneira são uma inspiração para os meus trabalhos e vida.
A partir disto, eu vou organizando mentalmente as ideias que vão surgindo e assim, começo a dar início as minhas produções; passo a escrever e após um tempo dou uma pausa para caminhar um pouco, brincar com as minhas gatinhas e depois volto para a escrita e assim vou seguindo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não possuo uma meta de escrita diária, às vezes preciso compor alguns poemas para um projeto em determinados dias, mas não se encaixam em metas diárias.
Escrevo um pouco todos os dias e me sinto meio perdida se o dia termina e eu não escrevi nada, é como se estivesse faltando uma parte para aquele dia fazer sentido, para o ciclo de 24 horas ser completo (ou incompleto, mas em forma de versos).
Acredito que eu não coloque essa questão de meta de escrita pois, desde pequena, eu não gostava de me obrigar a escrever ou a substituir o que eu gostaria de escrever e esconder isto atrás de temas que as pessoas gostariam que eu escrevesse.
Sempre gostei que a escrita fosse, além de uma prática, algo fluído, de mim para mim mesma, e assim eu conseguiria me atingir e afetar o outro também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu penso que transito entre dois tipos de processos de escrita, o primeiro é algo que vem de maneira mais imediata, baseado em vivências, influências, inspirações e que saem na hora e vou escrevendo conforme as palavras e sentimentos vão se envolvendo e tomando conta daquele momento.
O meu outro processo envolve uma pesquisa, seja de estilos, referências e de campo também (é importante se colocar no lugar sobre o qual você pretende escrever) para poder iniciar um texto.
Gosto muito de mesclar os dois e, na maioria das vezes, discorrer da maneira mais poética possível. Procuro transitar sobre diferentes gêneros de escrita, mas o que mais me define e fica visível estes processos são a poesia e as prosas poéticas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Parece meio estranho, mas, eu lido com essa ansiedade e com algum tipo de trava assim mesmo: escrevendo.
Quando me encontro em um momento onde alguma ideia não está fluindo ou alguma produção acaba sendo procrastinada, eu simplesmente paro com estes trabalhos e vou escrever outra coisa, geralmente escrevo alguns poemas ou componho algumas fotopoesias.
Atualmente estou em um projeto, com outro artista independente, que acaba exigindo uma escrita mais consciente e semanal, mas isto não foi motivo de trava ou ansiedade até o momento, pelo contrário, me dedicar à elaboração destes textos me auxilia muito e me deixa mais tranquila.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso umas duas vezes, a primeira para ver a questão de erros gramaticais mesmo e a segunda para ler e analisar se consegui transmitir as ideias.
Eu tinha receio de mostrar meus trabalhos para as outras pessoas, pois, acreditava que talvez o meu eu escritora não faria sentido fora da minha própria bolha, mas quando eu me aceitei enquanto poeta e artista percebi que este meu receio e este “não gostar” não condiziam com meus trabalhos.
Agora, após uma revisão, eu envio para algumas pessoas, publico no meu perfil e compartilho o que escrevo, independente da linguagem utilizada. Mas é tudo uma questão de processo, ter este momento mais receoso foi, até certo ponto, importante para que eu pudesse reconhecer a importância de se compartilhar algo tão significativo para mim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é muito boa, eu utilizo bastante a plataforma digital como divulgação de produções, porém, os primeiros rascunhos quase sempre são à mão.
Tenho um monte de caderninhos e levo comigo um na bolsa todo dia, porque quando vem alguma ideia, inspiração ou quando tenho o tempo para sentar e escrever, é no papel que as palavras dançam.
Possuo um carinho enorme pela simplicidade da folha e da caneta e, por mais que eu trabalhe com o digital e esteja presente neste meio, eu não largo o bom caderno e lápis não. Gosto do cheiro, do barulho, da maneira como o rascunho é o presente incompleto de algo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm muito do cotidiano, das observações ao longo do dia e das trocas que tenho com os outros, sejam de diálogos ou de afetos.
Dançar é algo que me mantém mais criativa, o criar coreografias, pensar movimentos, ficar atenta a respiração, isto tudo acaba despertando meu lado mais criativo e, em muitos momentos, eu escrevo sobre movimentações ou finalizo algum texto logo após um ensaio de dança.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mais mudou no meu processo de escrita foi o estilo que eu gosto de deixar minhas produções, eu passei de algo mais linear, mais cheio de regras para algo mais fluído. Meus poemas, por exemplo, muitos assumiram um papel, de um tempo para cá, bem mais voltado para a poesia concreta do que antes, e isto tem relação também com eu me deixar mais presente na minha escrita e ir testando os estilos de pessoas que são uma referência para mim; como Arnaldo Antunes, que possui uma produção de poesias visuais que me levam mais para este caminho.
Eu não diria nada, pois não mudaria nada nas escritas dos meus primeiros textos, porque todo esse trajeto foi importante para a escritora que sou hoje, e eu acredito muito que isto deva ser respeitado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu comecei um projeto que gostaria de finalizar, que é a publicação do meu primeiro livro, um compilado de poemas curtos.
Eu gostaria de ler um livro escrito pela minha mãe, sobre vivências dela, porém, ela não escreveu e eu espero que ela escreva para que este livro possa existir e esta vontade passe.