Raul Marques é jornalista e escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo bem cedo, assim que a claridade invade o quarto pelas frestas. A primeira providência é olhar no celular o cardápio de notícias do jornal, hábito que adquiri nos tempos de repórter. Sem me alongar na crônica da cidade, preparo uma xícara grande de café, sem açúcar. Após o aroma tomar conta da casa, direciono a energia para os filhos.
Ofereço a eles a primeira refeição e preparo o lanche. Levo de carro as crianças à escola. Como é cedo, tomo outro café na rua – desta vez, com amigos que também são pais de alunos. Conversamos sobre assuntos leves e variados, contamos e ouvimos histórias da vida real, rimos e observamos o movimento de pessoas apressadas. Depois, cada um segue o seu caminho.
Estou pronto para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Produzo mais no período matinal, quando fico sozinho e avanço na escrita sem a necessidade de pausas inesperadas. Se há prazos a cumprir ou demanda não prevista, em especial nos livros encomendados por empresas ou biografados, tiro um rápido cochilo depois do almoço e escrevo à tarde, com a casa cheia de vida da criançada, e no final da noite. Se é literatura, a rotina é diferente. Talvez por ter habitado uma barulhenta redação por 12 anos seguidos, evito o silêncio.
Gosto de escrever com música ao fundo – em regra, clássica ao piano ou voz e violão, sem desviar a atenção. A playlist tem relação com que estou fazendo. Durante a produção do livro “O caminho da escola”, que conta a travessia de uma família pelo deserto em busca de uma vida mais digna e segura, ouvi várias vezes seguidas “Desert Rose”, do Sting. Como se fosse mágica, essa canção me desligava do meu mundo e me colocava no universo da Sara. Na biografia do Asa Branca, não faltaram country e folk.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, o que varia é a quantidade. Posso redigir poucas linhas, um capítulo inteiro ou fazer anotações de um fato que chamou a atenção. Não sou disciplinado a ponto de estabelecer o objetivo de 500 palavras a cada 24 horas. A meta é deixar a narrativa fluir em seu tempo, sem atropelo. Quando tropeço em dilemas ou sou invadido por travas, paro e retomo em outro momento, pode ser em minutos, dias ou semanas. No mundo perfeito, o ideal é iniciar, desenvolver e terminar o capítulo numa sentada. Mas nem sempre é assim. Já escrevi cinco minutos em uma semana ou 14 horas no mesmo dia. A cabeça tem que estar conectada à proposta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita envolve um tempo importante de maturação da ideia. Antes de me sentar na frente do computador, preciso ter o tema bem encaminhado na cabeça, o que quero dizer e como. Se tenho essas respostas com alguma clareza, o caminho se mostra promissor.
Nos livros que exigem maior fôlego, tenho o costume de elaborar um roteiro, com a proposta de cada capítulo, questões principais e secundárias, nomes dos personagens, lugar onde se passa a história, o conflito e o desfecho. Mas não sou refém do roteiro, apesar de ele ser importante na organização.
Eu me permito pegar saídas que vão surgindo. É viajar com uma programação prévia, mas se permitir mudar tudo e visitar uma capela linda que surgiu pelo caminho, observar a beleza da montanha ou visitar um café maravilhoso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas se resolvem com auxílio do tempo. É saudável trabalhar sem prazo. Se não encontro a forma de dizer algo como quero, é melhor esperar. Caso contrário, o resultado ficará aquém.
Se a energia criativa está esgotada, faço uma procrastinação proposital: ouço as bandas preferidas, assisto a filmes, vejo gente, procuro amigos para conversar e dou uma volta pela cidade. As conversas da rua são fontes inesgotáveis sobre o comportamento humano. Esse tempo estratégico de parada, muitas vezes, traz um frescor que ajuda no retorno ao projeto.
A ansiedade é uma inimiga. Ao perceber que tenho uma boa história na mão, há vontade de avançar e acabar com rapidez. Sem entrar nas questões burocráticas, como conseguir uma editora e analisar contrato, há uma pergunta que se repete a cada novo trabalho: será que o leitor vai gostar?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo escrever um pouco, como uma página, e revisar. Vou nesse ritmo do começo ao fim. Ao terminar, deixo o texto guardado por semanas ou meses. Depois, retomo e faço uma leitura de tudo: reescrevo e apago o que está sobrando. Encaminho o material para a Mariana, a minha esposa e primeira leitora. Ela faz ótimas observações no sentido de melhorar o conteúdo. Após essa etapa, providencio outra revisão. Não significa que está na hora de procurar a editora. Por fim, envio o texto a um revisor profissional.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anoto as ideias no bloco de notas do celular e ligo o computador no momento de escrever a história. A tecnologia não representa problema. O que atrapalha, na verdade, são distrações como as redes sociais. Mantenho só o programa de texto e de música abertos enquanto me concentro. Confio mais na revisão feita no papel. Assim, imprimo o texto e faço a leitura final normalmente em lugar diferente do qual trabalho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Surgem em situações variadas do dia a dia, como histórias que escuto na rua, cena de cinema, determinado acontecimento com meus filhos, uma notícia de jornal, construção curiosa de uma frase ou acontecimento que um amigo conta. Também existem os temas que me são caros e que estão inseridos no meu trabalho, como desigualdade social, refúgio e deslocamento forçado. As leituras são fundamentais.
Muitas vezes, uma palavra que surge na página em branco se torna uma centelha e me leva a lugar inesperado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Continuo com a mesma paixão pelo que faço, que é contar histórias. As publicações anteriores trouxeram um pouco mais de confiança e de certeza sobre o que quero dizer e a quem. Se voltasse ao passado, diria: “Vá com calma, rapaz. Trabalhe sem se cobrar tanto. As coisas acontecem no tempo certo.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Iniciei o projeto que sempre quis fazer: um romance. Pesquiso novas possibilidades e formatos para construir a história. A literatura brasileira tem excelente qualidade e variedade, em todos os cantos do país. O que não falta é oportunidade de conhecer bons autores e se surpreender.