Raul Marques é jornalista e escritor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não tenho problema em trabalhar em dois ou três projetos de forma simultânea. Aliás, é comum dividir o meu tempo entre o material autoral e os trabalhos em que eu sou contratado para escrever ou editar. Para cumprir os prazos, organizo a rotina da semana no domingo, com os afazeres programados por dia ou período. À medida que um projeto avança para o final, ele pode receber mais atenção do que outro. Nem sempre as coisas saem como planejado. Ainda bem!
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Antes de iniciar a escrita, há pesquisa, busca por informações, estudo, reflexão, leituras, conversas e devaneio também. Só começo a escrever quando as coisas ficam resolvidas na minha cabeça. Com o roteiro, coloco o projeto em perspectiva, com começo, desenvolvimento e fim. Mas não deixo que mande em mim. Ele serve para definir o que não posso esquecer. Muita coisa acontece no percurso da escrita. Para mim, é mais difícil começar, porque é necessário encontrar a voz certa para dizer o que pretendo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Anoto as ideias em cadernos ou no bloco de notas do celular. Escrevo a história no computador, rodeado de livros no escritório. Quando começo um novo projeto, uma ação importante é definir a playlist que vai me acompanhar. Escrevo com trilha sonora. Sempre que retomo o texto, coloco para tocar as mesmas músicas, geralmente ligadas ao tema em que estou trabalhando. Isso me ajuda a manter a voz da personagem e reencontrar o tom, sem me deixar influenciar pelo que estou sentindo no dia.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Quando me vejo improdutivo ou travado, sem avançar com o que preciso, tiro um período para descansar, ler, passear com a família, ver filmes, conversar com amigos ou estranhos na rua, fazer coisas que gosto. Depois da pausa, volto ao texto com a energia renovada, novas ideias e soluções que, até então, não existiam. Cada história tem um tipo de exigência. Respeitar o próprio tempo é fundamental.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O livro infantojuvenil O caminho da escola, publicado pela Aletria em 2021. É a história da menina refugiada Sara, que foi obrigada a fugir pelo deserto, deixando tudo para trás. Eu terminei a primeira versão, guardei na gaveta e não fiquei satisfeito ao resgatar o texto. Refiz tudo. A segunda versão também tinha pontos que não me agradaram. Novamente, promovi grandes mudanças. E, então, gostei do resultado. O livro trata de temas difíceis, como refúgio, deslocamento, morte e luta. Começou a próxima etapa: encontrar uma editora para publicá-lo. O manuscrito foi finalista do Prêmio Barco a Vapor, um dos mais importantes do País na área infantojuvenil. Não ganhei, e adivinha o que aconteceu? Mudei o título. O Diário da escritora de paisagens passou a ser O caminho da escola. Deu certo! A obra foi editada e, desde então, tem sido acolhida pelos leitores, com manifestações que me deixam emocionado, e, de certo modo, pela crítica, já que chegou à final de um prêmio estadual, um nacional e um internacional. O processo todo, da escrita inicial à publicação, consumiu quase cinco anos de trabalho. Quer saber? Valeu muito a pena.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não sei se escolho os temas ou se sou escolhido por eles. Claro, há assuntos que eu preciso escrever e se repetem, como refúgio, deslocamento forçado, mudança. Talvez por influência do que aconteceu com a minha família em São Paulo. Nossa mercearia foi assaltada 37 vezes e fugimos para o Interior, em busca de uma vida segura e digna. Talvez pela viagem ao Haiti para produzir uma reportagem. Tenho outro lado que aparece, sobretudo nas obras para crianças: textos com humor, leves e divertidos. Eu mantenho a antena ligada para captar ideias que circulam ao meu redor. Uma frase, um acontecimento, um fato banal podem gerar grandes histórias. Não penso em um leitor ideal.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Prefiro mostrar o texto quando está pronto. Antes disso, apenas converso sobre determinados pontos soltos, às vezes como laboratório para aprofundar o conhecimento em certo tema. A primeira pessoa que lê as histórias é minha esposa, Mariana, jornalista, uma pessoa sensível, que não alivia na avaliação quando o material não está bom. Não mesmo. Faz críticas, observações pertinentes e contribui muito com seu olhar feminino. Depois, o manuscrito passa por outras pessoas ou profissionais do mercado editorial, como leitores, revisores e preparadores.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Na juventude, suspeitava que iria trabalhar com histórias. Até por esse motivo, peguei o caminho do jornalismo. Durante 12 anos, trabalhei como repórter e escrevi 500 reportagens especiais para o jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP). Em 2016, passei a me dedicar exclusivamente aos livros. Do mercado editorial, gostaria de ouvir: não avalie o seu trabalho somente pelos nãos que recebe. A opinião do leitor é mais importante.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Desde os tempos de repórter, tenho as minhas preferências, manias e formas para escrever uma história. Apesar disso, não considero ser dono de um estilo pronto. Tenho aprimorado e buscado novas referências para avançar com as ideias que gosto e, acredito, funcionam no texto.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Sempre que posso indico romances de autores nacionais contemporâneos. A literatura nacional, dentro e fora dos grandes eixos, é muita rica, com vozes diversificadas e representativas. Estão sendo publicadas ótimas histórias, que apresentam ao leitor as mais variadas faces do Brasil. Na área infantojuvenil, há excelente conteúdo à disposição das crianças e dos jovens, com obras lindas e potentes. Muitas vezes, o trabalho deles não aparece na grande mídia, o que não é termômetro de qualidade. A minha sugestão: conheça os escritores brasileiros.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.