Raquel Zepka é atriz e escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo levantar cedo e bem antes da minha filha. Preparo um mate ou café bem forte.
Em seguida passeio com meu cachorro. Nessas caminhadas me sinto meio sonâmbula e meus pensamentos começam a acordar… lembro do que sonhei durante a noite ou de algum filme que assisti e assim já vou povoando minha cabeça de ideias pra por no papel. Chego em casa e anoto o que pensei no passeio em meio ao caos. Filha e cachorro correndo pela casa, desenho animado na tevê, dever de casa…e minha cabeça fervilhando, o caderno de anotações todo rabiscado (vez ou outra escrevo alguma frase/palavra que já estava flertando com minha imaginação) e, assim vou compondo um acervo de palavras-memórias que serão utilizadas depois em textos mais elaborados.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acordo cedo por necessidade, pra dar conta de todas as demandas do dia. No entanto, funciono melhor na noite e na madrugada quando já estou tomada de informações, descobertas e incômodos que surgiram ao longo do dia. À noite gosto de beber algo após o jantar, uma cerveja muito gelada e encorpada ou taça de vinho, coloco uma música e ficamos frente a frente, o caderno e eu. Gosto de montar playlists para cada assunto que estou pesquisando.
Tenho o ímpeto de, após achar algo interessante no caderno e bloco de notas, ir direto pro computador e pirar em cima do que encontrei, ou então, me permito mais um tempo para rabiscar livremente no papel e deixar as palavras saírem da ponta da caneta me provocando mais um pouco antes de serem organizadas no computador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias e me esforço para que pré-julgamentos e inseguranças não travem meu processo de escrita. É preciso sentar e começar! Então ir lapidando, cortando, mudando de rumo ao longo da viagem. Não tenho uma meta diária. Tenho períodos com muitos prazos de entregas então não tenho escolha, me coloco diante do texto com toda minha atenção. Mas o que não tem prazo ou assunto estabelecido para que eu escreva, acabo levando como uma brincadeira onde as palavras se revelam e puxam outras e mais outras que querem ser escritas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho processos distintos na dramaturgia e na poesia. Na escrita para o Teatro, durante a pesquisa sobre determinado tema, vou aprendendo, descobrindo coisas e acabo me empolgando e já soltando a mão com propostas para cenas, ou diálogos curtos, esboços de personagens…e todo esse universo vai se enriquecendo até que as partes do texto sejam organizadas e posteriormente finalizadas em caráter de unidade. Gosto de compilar materiais, escrever livremente a partir deles e então, quando vejo que já tenho muita coisa, paro de buscar mais informações e referências e inicio a leitura atenta do que juntei e ensaiei até o momento, descartando o que não serve. Vou dando forma ao material criando cenas e traçando uma sequencia de ações que se relacionam entre si e que estão ligadas ao assunto principal da peça, assim vou lapidando e progredindo na escrita.
Na poesia não parto de uma organização, vou experimentando e não deixo que nenhuma ideia ou imagem se perca, por isso tenho sempre caderninho e caneta junto comigo, mas já escrevi em muito guardanapo de bar, ali no ápice da inspiração que surgiu com alguma cena, conversa ou personas da noite. Deixo a imaginação dar forma a escrita, depois vou abandonando o que não está bacana e reescrevendo, reescrevendo…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não deixando as paranoias e o medo tomarem conta de mim. É preciso alimentar a criação e não a ansiedade. Projetos longos funcionam bem com cronogramas onde as etapas estão bem planejadas, assim sei quanto tempo tenho para cada momento da escrita e vou criando estratégias de melhor aproveitamento de tempo sem perder a paixão que me move a escrever.
Outra forma de lidar com os monstros é tomando vinho e lembrando que eu sou uma mulher escrevendo e que esse é um gesto de libertação pra gritar muita coisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nunca acho que os textos estão prontos, preciso revisar mil vezes. Gosto de ler as peças com os atores enquanto estão compondo, isso faz toda diferença. Preciso dessas vozes para perceber o que está faltando ou que é excesso no texto, sem falar que eu já vou imaginando, a partir da escuta das falas dos atores, como essas personagens são. Acho que dramaturgia tem que ter gente junto sempre. A poesia não, eu sinto como se fizesse um Streap Tease de palavras que me escapam do corpo, há ai a coragem de oferecer algo bem íntimo, reviso menos, quando sinto que é isso, que se mexer mais pode ser que erre a mão, eu envio ou posto o poema.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma ótima relação com a tecnologia, principalmente porque na internet pude tecer uma rede de contatos com outros leitores e escritores e divulgar meu trabalho. Escrevo primeiro à mão, faço mil rasuras, desenhos, a maior bagunça e quando encontro o caminho do texto passo para o computador de maneira mais organizada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu roubo muito daqueles que amo. Leio e releio autores que me já acompanham a mesmo tempo em que leio novidades, novos autores que os amigos indicaram ou descobri nas redes. Preciso de música, pintura e cinema pra desestabilizar meus sentidos, me por inquieta e me jogar na escrita.
Faço jogos comigo mesma, me desafio a escrever sob o efeito de sensações inomináveis, ou a desenvolver textos partindo de imagens ou cenas de filmes. Minto muito e me divirto muito fantasiando sobre quem está dizendo as palavras que estão nascendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antes a escrita era um lugar seguro, onde eu compilava segredos, relatava acontecimentos em diários. Como o amadurecimento fui jogando no mundo o que escrevia e isso é uma grande aventura. Percebi que compartilhar é maravilhoso. No desenvolvimento da escrita de uma peça me deixo contaminar pelo olhar do outro, acho que enriquece o trabalho. A poesia só mostro depois de pronta e enquanto for possível, me sinto no direito de alterar qualquer coisinha nela a todo momento. Acho que fui descobrindo formas de ativar minha sensibilidade e ouvir tudo ao redor, fui me abrindo ao que grandes mestres e amigos me ensinaram. Se eu pudesse voltar à escrita dos primeiros textos diria a mim mesma: “vai erra, pode errar! Lembra do Beckett e melhora essas falhas”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda não comecei a organizar e revisar peças que desejo publicar. Mas quero e vou! Os livros que eu gostaria de ler e ainda não existem…nossa tem tanta que existe e eu não li ainda. Quero ter uns bons anos de vida pela frente pra ler muito mais e acho, que tem muita coisa que já tá escrita que vai me impressionar!
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.