Rafael Zoehler é engenheiro, publicitário, gamer, pai e escritor, não necessariamente nessa ordem.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é deixar meu filho na escola. Acordo por volta das 6, faço café enquanto ele se arruma e saímos. Volto para casa e tento tirar uma soneca de uma hora, nem sempre consigo. Depois disso o dia acontece em função do trabalho de publicitário. Nada romântico.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto de escrever à noite. Não tem mais escola, não tem mais agência, não tem mais almoço para fazer. Eu sento na sala e trabalho no texto. Acho que o silêncio tem um papel importante nesse processo. Porém 2021 tem sido bem difícil. Tenho produzido pouco e lido menos ainda. Terminei um romance ano passado e estou demorando tempo demais para finalizar a releitura e corrigir o que precisa de ajuste. Eu olho pro rascunho impresso, ele olha pra mim, seguimos sem nos falar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estava mais motivado, eu me forçava a trabalhar todo dia no projeto do romance. Tentava escrever um ou dois capítulos, que são curtos, por dia. Como disse, 2021 tem sido um ano nebuloso, de muitas mudanças. Surpresas no emprego, mudança de endereço, pandemia que continua. Acredito que todo mundo esperava que tudo fosse mudar na virada de 2020 pra 2021, mas nada mudou e isso acabou deixando a vida mais pesada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu começo por algo que me prende. Uma frase, uma ideia, uma imagem, um gato assassino. Alguma coisinha, não precisa ser muito grande. Essa ideiazinha fica na minha cabeça até surgir um primeiro parágrafo. Ao escrever esse parágrafo, normalmente eu não sei direito aonde vai o texto, deixo ele decidir. Vou anotando ideias em post its e colando na parede, tentando achar uma ordem que comporte tudo aquilo. Alguns post its pedem pesquisa. Porém, acredito que a maior parte da pesquisa é feita enquanto escrevo. No meio de um capítulo, o texto me leva pra algum lugar e esse lugar me leva até uma pesquisa. Não costumo ter um esquema muito detalhado do que vai acontecer, de todos os personagens, da trama por inteiro. Acredito que sigo mais uma direção do que um mapa. Claro que isso pode mudar em futuros projetos. Mas acho muito engraçado isso acontecer agora porque o romance que estou trabalhando aborda justamente mapas, viagens e países que mudam de lugar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Descobri que quanto mais falo de um projeto, menos tenho vontade de trabalhar nele. Então tento manter a boca fechada, dividindo com poucas pessoas os pontos principais da história ou alguma cena específica. Tenho procrastinado muito e tido muito medo, não faço a menor ideia de como me livrar disso. Quando estou completamente travado, longe dos livros, procuro alguma oficina para me colocar em movimento.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei dizer quantas vezes eu reviso, mas não consigo dividir um texto sem ler em voz alta algumas vezes. Peguei essa dica na oficina do Marcelino Freire e realmente funciona. Tenho um grupo de amigos escritores que leem em primeira mão, também compartilho bastante nas oficinas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador. Sou muito indeciso para escrever no papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Que pergunta difícil, hein? Acho que as ideias vêm da vontade de ter ideias. Eu trabalho com publicidade e sou obrigado, por contrato, a pensar ideias para os outros todos os dias. Acontece que as ideias para os outros não são necessariamente as ideias que eu mais gosto. Quando escrevo, escrevo pra mim as ideias que ninguém mais quer.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrever é um processo demorado. O fim do texto não é o texto final. É só ir fazendo, melhorando, cortando, mudando. Nada vai ficar bom se não ficar ruim primeiro. Começa logo e faz a versão ruim de uma vez. Eu diria para mim mesmo algo como “faz e foda-se”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho duas ideias, um livro triste sobre o meu pai e um livro engraçado sobre a minha avó. Esse segundo seria a história de uma velhinha que decide, a qualquer custo, roubar uma muda de planta da vizinha. Remédios para dormir, crise familiar, pandemia, cidade de praia e intrigas na paróquia local estarão inclusas. Penso mais nos livros que existem e que ainda não li do que nesses outros.