Rafael da Silva Noleto é professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Tocantins.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é pautada pelos compromissos que tenho na universidade. A vida de um professor universitário é repleta de atividades como, por exemplo, reuniões (acadêmicas e administrativas) em diversos âmbitos da universidade, orientações de discentes em seus projetos de pesquisas, aulas, preparação de aulas, atividades de extensão, encontros com o grupo de pesquisa etc. É com base nessa agenda que consigo visualizar meu tempo disponível para realizar uma determinada pesquisa, produzir dados, organizá-los e, finalmente, sistematizar a escrita. Então, o que posso dizer é que não há uma rotina com horários fixos para me dedicar à escrita, mas sim um planejamento para que eu consiga escrever nos horários em que não estou desenvolvendo atividades docentes ou administrativas na universidade. Particularmente, para quem possui uma rotina de trabalho considerável, acredito que é fundamental canalizar esforços para que se consiga escrever durante os espaços vagos na agenda. Dessa forma, tento evitar a ideia de que existe um momento ideal para escrever. Por exemplo, quando alguém se condiciona a escrever apenas no período matutino, provavelmente terá complicações se for trabalhar numa universidade onde há grande concentração de atividades, aulas e reuniões nesse horário. Então, sou adepto do hábito de testar a escrita em diversos horários, encaixando períodos de escrita entre os horários de trabalho. Mas é preciso também estabelecer um fluxo de escrita, uma frequência que seja inteligível para você mesmo e que permita sentir o progresso de seu próprio trabalho. Exemplo: em uma determinada semana, você pode planejar sua atividade de escrita para horários diferentes, com durações diferentes (nem sempre conseguimos ficar a mesma quantidade de horas dedicando-se à escrita), mas com uma frequência diária. Assim, em uma semana, você terá um bom fluxo de escrita e vai sentir que o trabalho possui um andamento próprio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro as manhãs e as noites, mas não me esquivo de escrever às tardes. Pela manhã as ideias fluem mais facilmente para mim, pois o corpo e a mente estão mais descansados e aptos a responder melhor aos estímulos que a escrita nos exige. Não possuo nenhum “ritual” para o momento da escrita em si. Apenas ligo o computador e escrevo. No entanto, acredito que algumas atividades realizadas em outros momentos da vida podem influenciar positivamente o momento da escrita. Então, atualmente eu tenho uma rotina pesada de exercícios físicos. Faço musculação e corrida diariamente. Durmo e acordo muito cedo para que eu faça os exercícios físicos em um horário que não comprometa a minha agenda do dia. Fazer exercícios físicos, para mim, é uma metáfora de superação porque eu me sinto um vencedor a cada vez que concluo uma sessão desafiadora. Certamente, isso me influencia positivamente no processo de escrita e, na verdade, influencia o modo de encarar qualquer desafio profissional (ou pessoal). Outra coisa que me ajuda muito é a música. Ouço muita música sempre que posso. Ela me inspira, me relaxa e isso facilita a organização do meu pensamento. Porém, é muito importante dizer que a música não pode, em hipótese alguma, estar presente no momento em que vou escrever. Antes de fazer mestrado e doutorado em Antropologia, fiz graduação em Música, estudei piano, trabalhei como cantor durante muitos anos e me dediquei à composição musical. Hoje, ao ouvir qualquer composição, fico extremamente concentrado no arranjo, na voz de quem canta (se for música vocal), na harmonia, no ritmo, na melodia, na letra (se houver), na desenvoltura dos instrumentistas etc. Por isso, a música é algo que me desconcentra na hora da escrita. Evito qualquer contato com a música quando vou escrever. Prefiro ouvi-la nos instantes em que posso direcionar minha atenção de modo exclusivo a ela. Uma coisa que gosto de dizer aos meus orientandos é para que eles façam atividades que os deixem relaxados: fazer exercícios, fazer meditação, dançar, cozinhar, fazer artesanato, ouvir música, ver filmes, ler ficção, poesia, passear com o cachorro ou qualquer outra atividade que funcione para eles como uma válvula de escape. Essas atividades precisam ter um tempo estipulado e, claro, não devem tomar o tempo da escrita. São atividades complementares. Considero que fazer coisas que gostamos é fundamental para que possamos ter força e tranquilidade para encarar o desafio da escrita. Porém, na hora da escrita em si, no “antes”, no “durante” e no “depois” imediatamente vinculados à hora de escrever, não faço nada de especial. Apenas escrevo, pois já estou relaxado devido aos cuidados que procuro ter com o corpo e a mente para que funcionem bem na hora em que preciso deles.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para quem está escrevendo um TCC, dissertação ou tese, considero que é necessário ter um planejamento mais rigoroso para a escrita. É necessário ter uma rotina bem mais definida para cumprir os prazos. E cada pessoa sabe como funciona melhor. Eu, particularmente, gosto de escrever em períodos concentrados, após um longo período de leituras, de realização de trabalho de campo, e depois de possuir um conjunto de dados suficientes para produzir uma reflexão interessante. Depois que eu me sinto seguro com a pesquisa de campo, com todas as informações que preciso e com a leitura da bibliografia adequada, começo a escrever. A escrita flui de modo mais espontâneo, sem que o processo seja tão doloroso. Nesse caso, o processo de preparação anterior à escrita é bem mais extenso, contribuindo para que a escrita seja mais acelerada. Chega uma hora em que eu quero dizer tudo aquilo que já está entranhado no meu pensamento, aquilo que já foi refletido, compilado e analisado internamente. É como se a escrita fosse apenas o desaguar de um grande fluxo de água que estava antes represado. Por isso, consigo escrever em períodos concentrados, pois já passei muito tempo amadurecendo ideias. Com relação às metas, não possuo metas diárias porque considero que elas podem ser frustrantes. Há dias em que conseguimos escrever com bastante fluência e outros em que nossa escrita é mais penosa. Então, para evitar a decepção de um dia em que não consegui escrever tanto quanto gostaria, não estabeleço metas diárias. Quando estou em um período concentrado de escrita, minha única meta é escrever com regularidade. Pouco ou muito, escrevo. Mas isso não significa que eu não estabeleça metas mais específicas. Minhas metas são por projetos. Estabeleço metas do tipo “quero terminar aquele capítulo até o próximo mês”; “pretendo submeter aquele artigo ainda neste semestre”. Foi dessa maneira que, quando era estudante, consegui defender todos os meus trabalhos de conclusão de curso (TCC, dissertação e tese) muito antes do prazo final. Estabelecia metas mais gerais, amplas, e mirava nesse alvo. Mas devo dizer que (no meu caso) para escrever de forma bem fluente, é preciso passar por um período muito longo de não-escrita, ou seja, de apenas ler, fazer trabalho de campo e organizar dados. Com tudo isso devidamente articulado, a escrita é apenas uma consequência e as metas diárias passam a ser desnecessárias. Entretanto, reconheço que nem todos os pesquisadores funcionam dessa maneira, especialmente os estudantes que estão iniciando suas primeiras pesquisas. Quando percebo essa característica, durante o processo de orientação, procuro estimular os alunos para que escrevam todos os dias e não em períodos concentrados. Essa é uma forma de pegar um ritmo de escrita e de encará-la como um trabalho rotineiro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É visceral. Eu gosto de escrever e preciso estar, frequentemente, registrando minhas ideias. Quando começo a escrever um texto, não consigo parar de pensar nele e de imaginá-lo quando for concluído. Gosto de dizer o texto em voz alta para verificar a sonoridade das palavras, a inteligibilidade dos argumentos e até mesmo a estética da escrita. Eu só começo a escrever quando sinto que não dá mais para não escrever. Esse é um momento em que as palavras do texto saem pela boca e eu percebo que preciso escrevê-las rapidamente. Nos meus períodos concentrados de escrita, é difícil até mesmo fazer outras atividades porque os argumentos e as palavras estão muito vivos em mim, querem ser escritos. Mas não quero, de forma alguma, passar uma imagem de que escrever é fácil. Pelo contrário, a vocalidade da escrita só aparece depois de um longo período de silêncio. Eu leio muito, penso muito, observo muito e organizo muito antes de escrever a primeira letra do texto. E não me preocupo se estou demorando muito a começar a escrever porque sei que, quando o processo de escrita se iniciar, o trabalho será rápido e intenso. Tenho o costume de “conversar” com os autores e autoras. Esse diálogo acontece quando eu faço minhas anotações nos livros e artigos que leio. Escrevo parágrafos inteiros nas margens dos textos, escrevo bastante, anoto meus insights, interpelo os autores e autoras, duvido do que eles e elas dizem, festejo quando sinto que concordamos em algo e faço questão de deixar tudo isso registrado nas margens das páginas desses textos. Por isso, tenho certo receio de emprestar meus livros porque há anotações muito longas e íntimas que registram meus processos criativos em diversas fases da minha vida acadêmica. Posteriormente, quando estou, de fato, escrevendo o texto, são essas anotações que me ajudam a acelerar a escrita, pois me permitem redesenhar todo o caminho por onde passei para chegar a uma determinada ideia. Em geral, vejo as pessoas reclamarem que demoram a escrever. No meu caso, minha demora é para ler e organizar os dados. Minha leitura é lentíssima. Nas disciplinas de teoria antropológica, sempre digo aos meus alunos e alunas que nunca leiam os textos de antropologia. Ao invés disso, aconselho que estudem os textos. Procuro estabelecer uma diferença (se é que há) entre “ler” e “estudar”. Desse modo, entendo que uma leitura pode, muitas vezes, ser desatenta e superficial ao passo que o ato de estudar transmite a ideia de um envolvimento mais comprometido com o arcabouço teórico. Esse envolvimento precisa ser lento, digerido devagar, para que possamos construir interpretações daquilo que os textos dizem explicitamente e daquilo que podem estar dizendo implicitamente. Esse mesmo mecanismo funciona para nossos interlocutores no trabalho de campo. É necessário “estudar” (e não apenas “ler”) aquilo que as pessoas nos dizem (explícita ou implicitamente) em campo. É esse processo lento e muito pessoal de reflexão que me ajuda a escrever de modo mais rápido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando sinto que não estou conseguindo escrever, é porque sei que ainda não tenho nada a dizer. Preciso amadurecer mais as ideias, ler mais, refletir mais, pesquisar mais, consultar mais as pessoas, mergulhar mais na pesquisa. Isso faz com que eu simplesmente pare de escrever e vá me dedicar a alguma dessas atividades para que eu me sinta mais seguro. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, ele sempre está á espreita, rondando os pensamentos de quem escreve. É inevitável sentir medo porque nós escrevemos para as pessoas e não temos controle da leitura que as pessoas farão do nosso trabalho. Para lidar com isso, penso que a escrita de um texto nunca é definitiva. Um texto é sempre passível de reconstrução, reconsideração, correção. E é preciso buscar humildade e equilíbrio para reescrever a si mesmo. Talvez a reescrita seja mais dolorosa do que a própria escrita porque o ato de reescrever nos coloca diante do desafio de reconhecer nossas limitações para tentar superá-las. Mas também é necessário ter coragem para escrever e divulgar uma primeira versão de suas próprias ideias. Ao divulgar os textos, eles passam pelo rigoroso teste da leitura de terceiros. Essas leituras são um grande crivo por onde passam os argumentos mais refinados e onde são retidos (e recusados) os argumentos mais grosseiros. Por isso, sempre temos que ter em mente que esses argumentos mais grosseiros podem ser retrabalhados em textos futuros, a fim de que sejam refinados e passem, novamente, pelo crivo de exigências de um público altamente qualificado. Mas não é fácil lidar com isso. Procuro pensar que, se um determinado texto não for bem recebido, sempre terei novas oportunidades de escrever algo interessante. Quanto à ansiedade de trabalhar em projetos longos, procuro estabelecer metas de conclusão parcial do trabalho em prazos determinados. Quando percebo que estou cumprindo os prazos, a ansiedade diminui consideravelmente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Leio, pelo menos, umas dez vezes em momentos diferentes. Leio, preferencialmente, em voz alta para ouvir o som do texto. É nesse momento que busco enxugar o conteúdo, evitando trechos desnecessários, trocando palavras, revisando a pontuação das frases, reconsiderando a divisão dos parágrafos, modificando os títulos de cada subitem etc. Em geral, não costumo mostrar meus textos a ninguém antes de publicá-los. Como escrevo para o meio acadêmico, sei que meus textos serão submetidos a pareceristas especializados cuja função é criticar o texto, apontar falhas e reconhecer potencialidades. Então, prefiro receber esse retorno vindo dessa forma. Porém, sei que muitos pesquisadores e pesquisadoras cultivam o hábito de mostrar seus textos para colegas mais próximos ou mais próximas. Reconheço que é muito importante mostrar o trabalho para outras pessoas antes de publicá-lo, mas isso precisa ser feito com cuidado. Para mostrar um texto nessas condições é necessário que nosso interlocutor ou interlocutora possuam uma combinação de fatores: precisa ser uma pessoa de nossa inteira confiança; um profissional a quem admiramos intelectualmente; e, preferencialmente, ser alguém com quem tenhamos uma relação de afeto mútuo. Reunir essas características em uma só pessoa é, às vezes, bem difícil. Quando isso ocorre, o trabalho cresce porque as ideias são compartilhadas de modo honesto para que o texto atinja sua potencialidade máxima. Já tive experiências em que mostrei meus textos antes de publicá-los e foi algo muito enriquecedor. Mas nem sempre isso é possível e nem sempre as pessoas estão disponíveis. Então, prefiro enviar os textos para publicação e aguardar o retorno dos pareceristas. Às vezes os pareceres são muito duros, mas nos fazem amadurecer rapidamente através do aprendizado a partir da crítica. Se soubermos aproveitar, essas opiniões são muito boas para destruir nossos melindres, erradicar nossos egos e fortalecer uma postura de humildade diante do processo de escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ótima. Só escrevo no computador e não consigo imaginar outra forma. Isso ajuda a visualizar o texto todo no formato em vai ficar quando for publicado. Também facilita localizar trechos da escrita, palavras específicas. Outro fator importante é que a escrita no computador facilita a correção instantânea do texto, a edição das informações, copiar e colar trechos, mudar parágrafos de lugar, apagar páginas inteiras etc. No entanto, como já disse, durante o período de preparação para a escrita, escrevo longas reflexões nas margens dos textos que leio. Essas reflexões são escritas à mão em cada canto de página que consigo encontrar. Escrevo com uma letra minúscula para aproveitar ao máximo a folha de papel. Muitas vezes, essas reflexões são apenas transcritas para o computador, pois são trechos que consigo imaginar como sendo o texto definitivo. Então, eu diria que uns 20% de minha escrita vem dessas anotações manuscritas que faço nas bordas das páginas dos meus livros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de minhas inquietações. Não consigo escrever sobre algo que não me mobilize internamente. Preciso estar completamente envolvido com a temática, cultivar uma curiosidade perene sobre o assunto e ter um vínculo emocional e intelectual com a pesquisa. Os hábitos que cultivo para me manter criativo são: fazer exercícios físicos, ouvir muita música, ver filmes de diversos gêneros, viajar (quando possível) e assistir espetáculos de teatro e dança. Também procuro me cercar de pessoas que considero interessantes. Uma conversa inteligente e agradável é um grande estímulo para novas ideias. É incrível a energia que temos capacidade de trocar quando compartilhamos ideias com outras pessoas. Isso se traduz em ânimo para produzir novos projetos. Outra coisa muito importante para me manter criativo é abandonar um projeto já concluído. Admiro muito aqueles pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam exclusivamente a uma temática de pesquisa durante toda sua carreira acadêmica. Quando o trabalho é bem feito, essa dedicação longeva possibilita um aprofundamento gigantesco numa determinada temática. No entanto, não consigo ser assim. Gosto de iniciar e terminar projetos para que eu tenha sempre estímulos novos de pesquisa. Sou um antropólogo que atua nos estudos de gênero e sexualidade. Então, pretendo explorar essas questões nos mais diversos contextos de pesquisa, abordando (se possível) temáticas completamente diferentes entre si. Minha busca é por um aprofundamento nas questões de gênero e sexualidade de modo mais amplo e não um aprofundamento em uma única temática de pesquisa. Por isso, penso que posso pesquisar sobre gênero e sexualidade na cultura popular (como fiz no doutorado), na música (como fiz no mestrado), na etnologia indígena (como tenho começado a fazer na condição de docente), na política institucional, na religião, na teoria antropológica e no âmbito da própria construção do conhecimento científico. Apesar de estar filiado a uma área específica dentro da vastidão que é a Antropologia, não me imagino pesquisando (e escrevendo sobre) uma mesma temática ao longo de muitos anos. E é essa possibilidade de diversificação que me alimenta e me faz querer ser criativo. Outro bom hábito é ler autores e autoras de outras áreas completamente diferentes da sua. Sempre me surpreendo com o potencial de novas ideias que esses autores e autoras e suas teorias nos trazem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Com o passar dos anos, a escrita fica cada vez mais lenta. Isso acontece porque você ganha uma consciência maior sobre sua área de atuação e sobre as expectativas dos leitores em relação ao que você escreve. No mundo acadêmico, cada palavra está enredada num conceito e cada conceito tem uma história. É preciso usar as palavras com o máximo de cautela possível, responsabilizando-se por sua carga semântica. Por isso, quanto mais o tempo passa, fico mais reflexivo antes de começar a escrever um texto. Então, se houve uma mudança no meu processo de escrita ao longo dos anos, essa mudança me deixou mais cuidadoso com o conteúdo de minha escrita. Escrevo mais devagar e isso não é algo negativo, mas demonstra que estou ganhando um senso maior de responsabilidade com a escrita. Ao mesmo tempo, hoje eu tenho mais confiança ao escrever um texto. Ainda que o processo seja lento, ele é constante, é um trabalho que eu gosto de fazer aproveitando cada etapa, saboreando cada palavra e relembrando cada instante do trabalho de campo através das fotografias que registram minhas pesquisas, das entrevistas que consigo gravar, das anotações de meu diário de campo e do contato constante com meus interlocutores. Se eu pudesse voltar no tempo e dizer algo a mim mesmo quando estava escrevendo minhas pesquisas, certamente, eu diria para eu saborear ainda mais o processo de escrita, ter mais calma e, de vez em quando, tirar um pouco o foco da pesquisa e pensar em outros assuntos que me permitissem relaxar mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de continuar me dedicando à escrita, mas estou me referindo a outro tipo de escrita. Trata-se da escrita composicional em música. Estudei piano, sou compositor e gosto de escrever arranjos musicais em partitura para a formação de canto piano ou música de câmara. Gostaria de reunir minhas partituras já escritas e compor mais algumas peças para fazer um livro com minhas composições. É um projeto de longo prazo, não tenho pressa. A composição musical é uma atividade deliciosamente trabalhosa, requer muita paciência e amor à música. Tenho paciência o suficiente e o amor à música me sobra. Mas é bom lembrar que a música demanda também um processo de amadurecimento para que você consiga construir suas narrativas de modo mais pessoal, deixando sua marca composicional. Sinto que estou num bom momento para recomeçar minhas atividades de composição e escrita musical. Espero que eu consiga organizar esse projeto no meio das outras atividades que eu desenvolvo como professor e pesquisador. Com relação ao livro que eu gostaria de ler, mas ele ainda não existe… Gostaria de ler todos os livros que ainda serão escritos acerca do momento político atual do Brasil. Muita coisa já está sendo produzida, muitos pesquisadores estão organizando dossiês, publicando artigos avulsos… Mas sei que, no futuro, haverá muitos livros com reflexões bem consolidadas sobre o assunto. E eu espero lê-los apenas como uma reflexão sobre um triste momento político que foi superado.