Rafael Campos Rocha é quadrinista, roteirista, escritor e artista plástico.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Eu acordo cedo. No verão, acordo de 5: 30 a 6:30. No inverno bem mais tarde; entre 7:30 e 8 da manhã. Qualquer hora que eu acorde faço as mesmas coisas; medito por alguns minutos, faço café e tomo um copo de água com limão. Encho a minha xícara de café e sento no computador, para começar a escrever ou desenhar. Escrevo por uma hora e só depois de trabalhar um pouco abro os e-mails e vejo as mensagens.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã bem cedo, das 6 até 9 da manhã, quando a família começa a acordar e instaurar o caos na casa. Meu ritual para escrever é preparar o meu café.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu acabo escrevendo quase todo dia, por conta dos roteiros, dos quadrinhos, ou da própria escrita teórica. Quando tenho um episódio de Tainá para fazer, tento terminar em dois dias. O episódio tem 12 páginas, então no segundo dia eu fico só burilando o texto e cozinhando as ideias, para ver se alguma azeda. Quando estou fazendo roteiros maiores, como os de “Quem vai ficar com Mário”, que está nos cinemas, faço umas 20 páginas por dia. Em geral, quando termino um roteiro não escrevo nada naquele dia, mesmo que eu termine o texto sete horas da manhã. Minha meta, quando estou em um projeto, é nunca escrever menos de 5 páginas por dia, excetuando, como eu disse, os dias em que eu absolutamente não escrevo nada, porque estou descansando de algum texto. Se estou sem projetos, começo imediatamente um. De preferência que não vá terminar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ataco direto o texto, e vou fazendo a pesquisa de acordo com as dificuldades que aparecem. Os roteiros de Tainá em geral nascem de uma ideia objetiva; a vida das antas, as sucuris, algum ritual indígena. A mesma coisa para escrever “Kriança Índia” ou “Deus, essa gostosa”. Eu vou fazendo a pesquisa durante a minha escrita Alguns dias, não escrevo, somente leio e vejo programas sobre o assunto que vou tratar. Não faço notas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Olha, não tenho medo de não corresponder a nenhuma expectativa, porque acho que ninguém espera nada de especial, vindo de mim. Eu nunca tinha pensado em publicar um livro até meus 42 anos, quando lancei “Deus, essa gostosa”, pela cia das letras. De lá pra cá publiquei uma dúzia de outros livros, incluindo romances e livros infantis, então eu acho que estou no lucro. Se alguém gosta dos meus livros, julgo aquela pessoa como detentora de um gosto refinado, se a pessoa não gosta, digo para mim mesmo que ela não entendeu o livro.
Com relação às travas da escrita, só tenho em coisas muito, muito aborrecidas, como “escaletas” de filmes ou projetos para editais. Ou filmes que eu tenha perdido o interesse e já tenha recebido para escrever. O que gera mais angústia é fazer minhas graphic novels. Demoro meses para desenhar o que escrevi em duas horas e meia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Deixo um dia cozinhando, abrindo o texto de quando em quando e fazendo mudanças pontuais. Em geral mostro para o cliente que pediu o texto. Quando estou muito empolgado com o que fiz, fico perseguindo minha esposa pela casa, recitando meu texto aos gritos. Pra sorte dela, nem sempre tenho tempo de mostrar o que fiz.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador. Dificilmente escrevo à mão. Minha letra é horrível e sai com uma dificuldade tremenda. Os quadrinhos eu rabisco a diagramação à mão, e depois escrevo diretamente na arte, no computador. Os quadrinhos do “Kriança Índia” faço em arquivos de word, que envio para o Álvaro Maia desenhar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Em geral, para os desenhos animados e cinema, eu copio e adapto ideias de outros seriados e filmes. Então, quando preciso criar um episódio, ligo a televisão. Na verdade, para os livros, quadrinhos e artigos eu também acabo copiando de outros livros e gibis. Acho que tudo que eu faço é copia de alguma coisa que eu gosto, ou paródia de algum autor que eu não gosto. Paródia é uma espécie de plágio crítico, portanto consentido. Mas é plágio, do mesmo jeito. Recentemente, meu “kriança índia” foi acusado de ser plágio de um desenho animado da televisão que eu mesmo faço o roteiro. Curiosamente, o desenho da TV que eu mesmo faço o roteiro é plágio de outros desenhos, mas achei melhor não continuar nessa toada e manter meu emprego.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah! Eu era ainda mais irresponsável e arrogante, quando fazia crítica de arte, nos idos dos anos 1990. Também copiava muitas ideias de amigos e de minhas leituras. Se eu pudesse voltar aos meus primeiros anos provavelmente me cumprimentaria, entusiasmado. Sou um ardoroso defensor da minha própria causa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Cara, não sou muito de projetar não. Começo a escrever assim que tenho a ideia. Meu problema é acabar o livro. Preciso terminar o segundo romance da trilogia “Lobas”, preciso terminar um romance de vampiros, uma ficção científica pornográfica, um livro de memórias igualmente pornográfico, mas bem menos interessante e agora um livro sobre a origem dos super-heróis, para a Maria Clara, o Lielson e a Ugra. Em quadrinhos tenho mais de uma dúzia de livros começados. Filmes e seriados uma vintena. Talvez o livro que tenham me pedido para fazer e eu realmente não tenha começado é uma coletânea dos meus artigos sobre arte e futebol. Mas, realmente, não consigo saber a utilidade de um livro como esse. Ainda vou fazer minha ficção científica pornográfica. Não sei se existe algum desses.