Pedroom Lanne é comunicólogo, jornalista e escritor de fantasia.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando estou em São Paulo, geralmente inicio meu dia navegando pelas redes sociais, fazendo alguns posts, respondendo mensagens e e-mails. Mas quando estou embalado na escrita, inicio o dia fazendo leitura do que escrevi no dia anterior e, então, avançando na escrita do texto que estou trabalhando. Quando quero me concentrar só na escrita, eu viajo para a praia, geralmente para Ubatuba, onde o acesso à internet é precário, justamente, para não perder tempo nas redes sociais e dedicá-lo à escrita, restringindo o acesso à rede somente às pesquisas e ao que for estritamente necessário, como acessar o e-mail. Assim, de modo geral, posso definir minha rotina de escrita da seguinte forma: inicio revisando o que escrevi no dia anterior durante a manhã, e dedico as tardes e as noites para avançar no texto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu fico mais à vontade para escrever durante a noite. Acho que o silêncio da rua e a escuridão fora da janela ajudam a me concentrar no texto. Não obstante, durante a noite as distrações são menores ou quase nulas, minha mulher está dormindo e o telefone não toca. Quanto a possuir algum ritual para a escrita, não tenho nenhum em especial exceto pelo café. Não consigo escrever sem antes tomar um bom café e tomar várias xícaras ao longo da escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho uma meta diária estipulada por dia, mas minha ideia é escrever todos os dias, nem que seja um mísero parágrafo. Também não tenho uma linearidade muito bem definida durante a escrita, pois há algumas fases em que tenho inúmeras tarefas que se interpõem à escrita diária. Por exemplo, agora estou em uma fase de divulgação do meu novo livro que sai na Bienal de São Paulo em agosto de 2018, e estou escrevendo muito pouco ou nada em alguns dias. A fase final de preparação e revisão de um livro ou outros textos que produzo também cobram do tempo dedicado à escrita. Às vezes, eu estou sem inspiração para escrever, então dedico o tempo para revisar ou organizar as anotações que faço durante a construção do texto ou à outra tarefa correlata que não seja a escrita em si até que a inspiração volte. Exatamente por não possuir uma linearidade muito bem definida na escrita diária, eu costumo viajar de tempos em tempos para me concentrar somente na escrita, como uma forma de compensar esses períodos em que a escrita fica em segundo plano.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é um pouco caótico. Eu faço muitas anotações em cadernos, blocos de notas e gravações em áudio (geralmente quando estou no carro), com isso, parte do processo de escrita se trata de organizar essas notas e passá-las para o “papel” já no formato do texto que estou produzindo. Quando as anotações ganham certo volume, eu as organizo em arquivos até que elas sejam incorporadas ao texto. Normalmente, consulto essas notas antes de começar a escrever determinado trecho da obra, mas às vezes faço o caminho contrário, após completar determinado trecho ou capítulo, consulto as notas para ver se esqueci algo, então acrescento. Naturalmente, muitas anotações acabam ficando de fora. Não creio que seja difícil começar, talvez um pouco desanimador pensar que ainda tem muita coisa pela frente, procuro não pensar muito nisso, apenas seguindo em frente até embalar e tal sentimento se dissipar.
Quanto às pesquisas, o processo é mais ou menos o mesmo. Tem trechos que é preciso pesquisar antes de começar a escrever, de modo que há períodos em que não estou escrevendo diretamente, apenas consultando sites ou fazendo leituras necessárias para a construção do texto. Mas quando eu estou embalado na escrita, ou quando estou na praia onde o acesso à internet é precário, apenas prossigo na escrita e faço marcações no texto para depois checar informações na web. Algumas informações requerem a consulta de um especialista, nesses casos eu também faço anotações no meio texto para depois checar com o especialista antes de finalizar o texto.
O caos desse processo se dá, pois, muitas vezes, escrevo determinada parte de um texto e me vem ideias relativas a outras partes do texto ou outros capítulos. É comum eu largar a escrita de uma determinada passagem do texto para, subitamente, começar a escrever outra. Às vezes, escrevo o começo de um capítulo e já me vem a ideia de como terminá-lo, então escrevo o fim, só então escrevo o meio até emendar o começo com o fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com as travas de escrita, conforme mencionei acima, procuro executar tarefas correlatas, revisões ou pesquisas na web até que a inspiração volte. Quando não há outras tarefas para executar que possam reavivar minha inspiração, tento escrever sem inspiração, apenas buscando prosseguir do ponto A ao ponto B da história. O processo de escrita, para mim, é também o de revisão. Você escreve e revisa, portanto é normal a inspiração vir durante processos de revisão. Assim, um trecho que escrevi sem estar inspirado acaba reeditado no processo de revisão com novas ideias ou novas formas de construção. É comum eu escrever determinado trecho e depois reescrevê-lo completamente quando me vem uma ideia melhor que a de quando o escrevi originalmente.
Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, procuro não pensar nisso. O que faço é tentar colocar tudo que sei no papel, me esforçar até que eu próprio esteja plenamente satisfeito com o texto produzido, ou seja, procuro me concentrar naquilo que posso controlar, já o gosto do leitor ou a visão da crítica estão aquém do meu controle, o que posso fazer é tentar produzir algo que, ao menos na minha visão, seja de qualidade e, assim, esperar pelo melhor.
Já lidar com ansiedade, confesso, tenho certas dificuldades. Eu vivi isso em minha mais recente produção, a obra Abdução, Relatório da Terceira Órbita, cujo texto estava ficando muito longo e eu não via perspectivas de terminá-lo no prazo que eu mesmo estipulei (para publicá-lo neste ano de 2018). Inclusive, fiz uma dessas viagens para praia no intuito de me isolar do mundo exterior e terminar a obra, mas não consegui. Como o texto já estava longo quando iniciei essa fase, se eu o finalizasse de uma vez, eu teria uma obra longa com um desfecho muito rápido, então preferi fechar o livro em duas partes. Finalizei a primeira parte em determinado ponto da história em que os personagens principais atingem um primeiro limiar importante em sua trajetória e deixei para completar a obra em um novo livro. Com isso, eu consegui arrefecer minha própria ansiedade em terminar logo o livro e publicá-lo, e agora estou mais tranquilo para terminar de escrevê-lo dentro do ritmo que a história pede e sem pressa para terminá-lo, ou melhor, com um novo prazo para cumprir essa nova etapa sem a pressão que estava vivendo antes de tomar essa decisão.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Conforme disse, eu escrevo, releio e reviso constantemente o texto conforme vou produzindo-o. Também, a cada capítulo finalizado, eu faço uma releitura completa do mesmo, geralmente minha esposa me ajuda nessa parte fazendo uma leitura em voz alta e opinando sobre o texto.
Uma vez que o texto esteja pronto, eu começo um novo processo de revisão, desta feita relendo o texto por completo para encontrar possíveis furos ou erros de continuidade na história. Essa é a parte mais longa da revisão, uma vez completa, eu submeto o texto para uma revisão profissional e faço pelo menos mais uma leitura completa antes de fechar o texto com as correções do revisor e encaminhá-lo para publicação. Para publicação em ebook, após essa fase, o texto está pronto, mas no caso da publicação impressa, quando o texto passa pelo trabalho de uma editora, ainda faço mais uma última revisão completa antes de dar o aval para impressão e publicação. Em suma, são pelo menos três revisões completas do texto antes de publicá-lo, mas, conforme a necessidade, até mais. Por exemplo, para o meu primeiro livro, contando a revisora que contratei, as revisões que eu fiz, e as que fiz como parte do processo junto à editora que o publicou, foram oito revisões completas do texto ao todo – isto no primeiro livro, já no segundo foram menos, cinco se não me falha a memória, dado que o segundo livro contou com a experiência adquirida do processo de produção do primeiro, assim foi possível eliminar alguns ruídos que dificultaram o processo na primeira vez.
Agora, uma falha minha durante o processo de construção de um livro talvez seja, justamente, a falta de uma consulta com outras pessoas antes de publicá-lo, um leitor-beta ou um profissional de leitura crítica. Mas isso se dá pela dificuldade de encontrar um leitor disposto a encarar uma obra longa como a minha, já que esses dois primeiros livros que concluí possuem mais de 600 páginas cada, já que ao menos tentar, eu tentei. O tamanho do livro também encarece a contratação de um profissional de leitura crítica, não bastasse, encontrar um profissional que esteja familiarizado com a temática do livro (ficção-científica hard) é ainda mais difícil e oneroso. Todavia, para o novo livro que estou produzindo, cuja primeira parte da história já está concluída, eu já consegui um leitor-beta para me ajudar nessa fase, palpitando sobre o texto e sua experiência de leitura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A parte mais substancial de produção do texto é sempre no computador, mas não abdico de um bloco de notas e de um caderno para organizar minhas anotações e fazer alguns rascunhos, tais como alguns gráficos ou ilustrações que serão incluídas na obra. A minha relação com a tecnologia é boa, lido com computação gráfica desde os anos 1990 e vivi cada etapa de surgimento da internet e das mídias sociais, sempre estive presente nelas e soube me valer da web para fazer pesquisas. Também possuo experiência de trabalho com editoração e webdesign que me ajudam em muito a divulgar meus trabalhos. Todavia, hoje o meio digital está tão desenvolvido que é difícil acompanhar tudo ou estar presente em todas as mídias sociais, além disso, eu já não tenho mais aquele entusiasmo com as novas tecnologias como tinha no começo, mas procuro interagir pela rede conforme o possível.
Mas, respondendo à pergunta de forma objetiva, meus primeiros rascunhos são feitos no computador. Geralmente o papel é necessário para captar as ideias que surgem quando o computador não está próximo, justamente por isso, ainda fundamental no cômputo geral da escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leituras tanto de textos de ficção quanto didáticos, para mim, compõem a principal fonte de criatividade para a escrita, especialmente ao que tange o estilo de minha escrita. Quanto à fonte de ideias, creio que essa também passa pelos produtos imagéticos, tais como filmes, seriados, documentários, videogames e, também, a música. Dentre esses produtos, creio que o videogame seja fundamental, especialmente os games antigos, aqueles que hoje são “mal feitos”, justo porque, ao serem “mal feitos”, você completa o cenário com sua imaginação. Inclusive, recentemente tive uma ideia para escrever um novo livro de ficção após jogar um videogame antigo mais uma vez, depois de quase duas décadas da primeira vez que joguei. Em termos de leitura, muito se diz que para escrever ficção é preciso ler ficção. Eu concordo, mas, ao menos para mim, eu acho que os livros didáticos ou científicos te dão mais referências para escrever. Tanto que só me tornei escritor após concluir meu mestrado em Comunicação, e minha primeira obra reflete o aprendizado que tive durante o curso e as muitas leituras que fiz na ocasião. Inclusive, a ideia para meu primeiro livro surgiu após a leitura de um livro de não-ficção relacionado ao tema.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Olhando para o mundo da literatura como um todo, não há como não perceber o surgimento da internet como a grande plataforma que permite uma nova gama de escritores se arriscarem no meio, nesse sentido, eu também sou mais um dos que se beneficiou da grande rede para tentar a carreira de escritor.
Quanto à minha dissertação, o que posso dizer é o seguinte: eu concluí meu mestrado com nota nove em minha dissertação. Isto se deu em função de eu ter me permitido fugir de algumas regras metodológicas, inclusive contrariando as dicas de meu orientador. A principal delas foi redigir a dissertação sem uma hipótese definida. Por outro lado, o fato do trabalho ter sido aprovado apesar dessas faltas, mostra que eu consegui fazer um bom trabalho apesar de ter fugido um pouco da metodologia. Como o que importa mesmo é a obtenção do título, não a nota do trabalho final, eu não sei se mudaria alguma coisa ao que se refere à produção da dissertação. Mas, pensando na carreira que assumi depois, a de escritor, o que eu faria diferente seria seguir à risca as orientações do meu professor, assim eu poderia ter obtido a nota máxima e, com isso, uma possível recomendação para publicação da dissertação em forma de livro, o que eu não consegui na ocasião. Se tivesse conseguido emplacar minha dissertação na forma de livro, isso poderia ter ajudado a alavancar minha carreira de escritor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Existe um projeto de livro de fantasia que eu comecei a escrever, mas acabei largando. Algumas ideias desse livro, inclusive, acabaram incorporadas ao livro que publiquei, embora a temática fosse outra, no caso, ficção-científica. Agora, quanto a minha carreira atual, o que não fiz foi utilizar a plataforma Wattpad com a devida dedicação, a qual tem se mostrado um dos melhores caminhos para novos escritores encontrarem seus leitores, sobretudo dentro desse gênero da fantasia e da ficção-científica. O que pretendo fazer é terminar de escrever essa história de fantasia focando no público-alvo do Wattpad para, assim, buscar novos públicos que ainda não consegui com minha produção atual.
Quanto ao livro que gostaria de ler, mas ainda não existe, seria uma nova bíblia. Uma bíblia da ciência que fosse capaz de se tornar o maior livro da humanidade tanto quanto, hoje, a bíblia ainda representa (não só a judaico-cristã, mas as de todas as grandes religiões).