Paulo Tedesco é autor de Contos da mais-valia & outras taxas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nas épocas em que me dedico à escrita, a rotina da manhã segue a mesma rotina de trabalho na editora. Café-da-manhã, suco de limão, atenção à família e depois trabalho até meio-dia. Preciso de rotina senão desando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu único ritual é manter o ritual de sempre. Não dá para ser diferente. Raríssima a vez que enveredo pela noite a escrever. Tudo acontece como na rotina de trabalho, igualzinho. Com parada para almoço e lanche no fim do expediente, necessariamente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha meta depende sempre do número de páginas que imagino meu romance deva chegar. Para os contos não posso dizer o mesmo, afinal podem terminar numa tacada só, embora frequentemente se arrastem por inúmeras revisões. Mas, sim, respondendo à primeira pergunta, procuro sempre trabalhar em períodos concentrados, em especial na primeira parte, que é a escrita inicial do romance ou conto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha pesquisa pode tomar anos, e geralmente toma. Posso tomar uma montanha de notas e não dar em nada. O contrário, porém, pode acontecer, basta uma notinha, poucos registros, e a história se prefigura. O que não quer dizer que esteja pronta, isso é outra história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Relativamente bem. Afinal aprendi a segurar a escrita por mais que ela queira sair, e com isso aprofundo o método do dique, ou seja, deixo encher até o limite último, se transbordar é que pode virar de fato história, se não pode morrer por ali mesmo, atrás do muro. E é bom clarear que sou prolífico, o que pode ser bom, claro, mas foi um veneno difícil de controlar. Pois escrever muito e sobre tudo é um mal que precisa ser domado sob pena de nos tirar da busca da excelência e nos atirar no mar da quantidade sem muita qualidade. Um perigo inominável e assassino de qualquer carreira artística, salvo se o autor é no nível dos clássicos, aí é outra história. O que não é o meu caso, definitivamente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisão? Não tem limite, nenhum. Inclusive pode estar revisado à exaustão e eu optar por não publicar nem sequer comentar que terminei algo. E, sim, sem exaustiva leitura de terceiros nada publico de ficção. Basta olhar em meus blogs e sites, raramente um texto de ficção ou mesmo poesia (coisa rara ou praticamente inexistente) aparecerá.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha rotina impõe uso excessivo de computador e outros. Logo, gosto de dar os primeiros passos de pesquisa e escrita em papel. Papel, afinal, eu consigo ter sempre ao alcance dos olhos, em cadernos ordenados e dispostos na biblioteca e, principalmente, na sala de estar. Na sala ou em viagens, é quando e onde anoto o que acho merecer.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Dois caminhos substanciais: ler os clássicos permanentemente pareados com autores recentes ou indicados e, de outro, chafurdar em qualquer área sempre atrás de ideias que se provem possíveis de serem amarradas às histórias. Filmes, documentários, entrevistas, podcasts, histórias de terceiros, o que for. Aliás, uma das melhores fontes de boas histórias são os relatos orais. Não há nada melhor do que a dicção do narrador e seu envolvimento com o que está a contar, o que pode se estender para toda a história escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
O estudo. Aprendi a estudar muito e profundamente sobre os temas e principalmente sobre os gêneros. Não se pode fazer romance histórico sem estudar Lukács antes; não dá para falar da vida no exterior de imigrante brasileiro (tema do meu próximo romance) sem ler outros relatos e entender profundamente a dinâmica do assunto; não dá para fazer um conto sobre o fantástico ou o realismo fantástico sem exaurir quem o fez antes. Enfim, vejo que é preciso cautela, sobretudo. Fosse pouco mais cauteloso no início, menos afoito, e talvez tivesse sido melhor, mas posso garantir que foi bom igual.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou ansioso (ansiedade de mais de ano) em me aprofundar num romance sobre viagens e a história do Rio Grande do Sul. Gostaria de – e vou tentar – viabilizar uma viagem exploratória para o sul do RS, aos locais que foram campos de batalha na questão Cisplatina e outros, e, principalmente, às cidades que marcaram a formação da atual fronteira brasileira. Mas isso ainda tomará tempo, como sempre. O livro que gostaria de ler e ainda não existe é utópico, pois imagino que todos os livros já foram escritos, todos e sobre todas as coisas. Nós é que estamos a reescrever o que foi escrito em outras linguagens. Meu único desejo seria, isto sim, poder acelerar a pesquisa que faço sobre o século XIX, em especial literatura russa e inglesa, mas isso é também utópico porque é muito, é demais para uma única vida.