Paulo Mielmiczuk é escritor, autor de Noturno (Kotter).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Por ser docente num colégio particular da zona sul paulistana, acordo bem cedo. A rotina matinal é bem simples e sem muitas nuances: acordar, tomar banho, me vestir, tomar café da manhã, escovar os dentes e sair de casa para o trabalho. Em tempos pandêmicos, a saída é substituída por ligar o computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se “a noite é uma criança”, digamos que é nela que re/crio uma vida inteira… É até engraçado, porque, quando criança, ficar acordado até 3h, por exemplo, era heróico. Demoraaaaaaava e requeria muito esforço. Hoje, da meia noite em diante, pisco e já é de manhã.
Sinto que à noite, muito por conta do silêncio e pelo fato das outras quatro pessoas com quem moro estarem dormindo, tenho menos distrações. Desse modo, é o período diário em que mais ativo a criatividade, em que mais leio, mais exploro o “pai de todos” Google e etc. No entanto, apesar das minhas horas de produção artística – por mais disformes que sejam – serem dogmáticas quanto à etapa do dia em que ocorrem, não há um ritual claro de escrita. Em geral, ouço música e leio alguma coisa. Paro e penso: “vou escrever sobre X, Y ou Z” e em seguida tento seguir uma linha. Enquanto escrevo, gosto de ler textos diversos, mas não é sine qua non.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Na verdade, escrevo quando dá na telha. Entendo escrita também como exercício, sem dúvidas, até para a questão do aprimoramento e maior refino, contudo não escrevo todos os dias e não me dedico a ela por um tempo concentrado. Trabalho muito com a questão – romântica ou não – de escrever quando sinto necessidade de escrever, e apesar de encarar essa necessidade como balela (porque não acredito em “inspiração”), é como atuo. Vale ressaltar que, para mim, ouvir música, ler um texto qualquer, um poema, assistir a um vídeo ou filme, são formas de estudo, dependendo de como se consome essas mídias. Então, a “inspiração” que surge não surge do nada e, com isso, tampouco a vontade de escrever.
Também não tenho metas definidas em relação ao processo de escrita, exceto quando tenho um projeto definido. Exemplo: quando quero traduzir um poema X ou então escrever um poema Y sobre tal assunto. Quando isso acontece, eu me debruço de fato, mas não há etapas ou tempo estipulados: há vontade de ver o processo concluído, então a dedicação ao fazer poético se intensifica.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costuma ser difícil começar. Geralmente rascunho uns versos aqui e ali e vou lapidando-os pouco a pouco até que sirvam minimamente para serem unidos a outro(s) verso(s) rascunhado(s). É interessante, porque às vezes fico com um grande rol de opções que, ainda que não sejam utilizadas, servem de repertório para outros versos ou até mesmo para poemas futuros, o que fica ainda mais interessante se levarmos em conta aquilo que algum escritor-que-não-me-lembro-quem afirmou: que estamos sempre escrevendo o mesmo poema. Para mim, difícil mesmo não é criar, mas pensar que alguma coisa produzida realmente preste (risos nervosos), o que acaba apresentando perspectiva positiva, no sentido de permitir maior elaboração daquele material após separado dele por um ínterim. Não me contento com “pouco”, apesar da consciência de que meu “muito” é “pouco” para outrem, frequentemente.
Creio que a pesquisa seja fundamental para um bom texto ser elaborado. No entanto, no meu caso, também é essencial a “espontaneidade”, por não gostar e nunca ter gostado de produzir forçosamente (aqui refiro-me à vida escolar). Talvez essa resistência indisciplinada de meu processo de escrita seja mais influenciada pela Escola do que imagino. Não sei. Fato é que, a partir do momento que tenho um objetivo traçado, a pesquisa que costumo fazer é em relação ao que quero colocar no papel. Ou seja: se quero falar sobre a Política no país, traço um recorte (porque afinal a Poesia, ao contrário do Romance, por exemplo, carrega muito mais lupas sobre um fato) e a partir dessa delimitação, pesquiso certos elementos específicos que corroborem com o sentido que desejo impor ao texto. Aqui, portanto, distinguo pesquisa antes e depois da prática (que chamo de “de formação”) e durante a prática (“de execução”). Ainda assim, ambas se entrelaçam e em linhas muito tênues e extremamente subjetivas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em geral, ou escrevo sobre as travas, ou lembro que não é necessário produzir a todo momento e que essa lógica capitalista de sub/vida infelizmente está incrustada também na Arte. Nesse segundo caso, é preciso lembrar que não jogar o jogo não é covardia, é coragem de enfrentá-lo. O descanso é resistência.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Existem textos prontos? Acredito que “texto pronto”, na verdade, é “cansei de revisar”. Uma hora tem que sair da gaveta, contudo. E sim, mostro para as pessoas, mas somente depois de concluída uma versão. Raramente mostro durante o processo de escrita de um poema, então o que acontece, em geral, é: faço uma versão, termino, mostro; faço outra versão, termino, mostro…
Hoje, acho que mostrar a outras pessoas é essencial. Há mais egos inflados e Verdades Absolutas no meio artístico do que obras de arte de fato. Todo mundo acha que vai revolucionar a Arte, mas como revolucionar algo se nem escutar esse algo se escuta?
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevo no computador por conta da minha velocidade de raciocínio e de digitação. Assim, por mais que não resulte em tantos rascunhos salvos, tenho a possibilidade de reescrever mais rapidamente e, com isso, não perder a concentração da qual necessito para produzir.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que toda ideia surge a partir do repertório que se tem e de como se mantém e se expande esse repertório (seja ele relacionado a vivências, memórias, leituras, etc). Quanto aos hábitos, gosto de observar, pois encaro a Poesia como matéria das coisas. Não no sentido de ser algo natural dos objetos e seres, mas de tudo poder ser percebido como poético. O foco, portanto, é o observar, não o observado. Assim, o poema é apenas a observação seguida de produção: materializar o que se observa, pensa, vive, em texto.
Inclusive, Octavio Paz acabou de mandar um beijo a quem está lendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O distanciamento do Eu tem aparecido, felizmente. Encaro a maturidade da minha escrita como a minha própria maturidade. Não acredito que tudo possa ser dissociado entre Eu e Eu lírico e, por isso, acredito que certos eventos da biografia do autor influenciem diretamente no que produz e em como produz. À parte disso, ressalto que nem tudo pode ser associado também. É preciso ter critérios bem definidos para analisar, coisa que não tenho.
Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diria a mim mesmo: primeiro preocupe-se em escrever e entender de escrita, só depois preocupe-se em ser lido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho projetos extensos de tradução (no papel), não apenas literária. Penso em traduzir algumas peças teatrais num futuro breve, mas prefiro manter sigiloso por enquanto. Se fluir, virá coisa boa! Em contrapartida – e também coisa boa, espero – em breve meu terceiro livro, Noturno, sairá pela Kotter Editorial. Fique de olho!