Paulo Mauá é escritor, músico, engenheiro, educador e mestre em Comunicação Acessível.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia começa com agradecimento por ter acordado um dia a mais em minha vida. Infelizmente, não consigo acordar tarde e, portanto, o café da manhã transcorre tranquilamente, com tempo para uma leitura prévia de poesia ou romance e da agenda bíblica para meditação, antes de me deslocar para a frente do computador e ficar prisioneiro das tecnologias. Procuro caminhar na praia (grande fonte de inspiração de escrita de lapidação (transpiração) do que deve ser cortado ou inserido em um texto já iniciado) e nos finais de semana, procuro não utilizar o computador (prática de detox), estar em família e ler mais, sem pressa de ser feliz.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto muito de escrever na parte da manhã, antes que minha mente fique poluída com notícias (nem sempre agradáveis) e mídias sociais. Utilizo também o antes e o depois do almoço para absorver algo a mais que li ou ouvi. Final de tarde, com as energias já dizimando a mente e o corpo, é um bom momento também para rever textos ou colocar no computador ideias anotadas nos cadernos.
Sobre o ritual de preparação para a escrita é simples: abrir o editor de texto no computador e sair escrevendo, jogando as ideias trazidas dos sonhos ou pensamento no travesseiro, do dia anterior, das anotações (tenho dois ou três blocos de anotação ao lado do teclado) e com isso vou construindo parágrafos, protagonistas, ambientação ou versos, no caso da poesia. Os diálogos e os versos são lapidados em segunda instância e após pesquisa na internet e em livros.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diariamente, mas sem meta em termos de quantidade. Quando um conto surge, o texto explode para as páginas sem preocupação com o tempo, sejam duas ou dez laudas e não me preocupo inicialmente muito com a ortografia ou mesmo com pontas soltas em termos de coerência. A ideia é não perder o ritmo e deixar os personagens (protagonistas ou narradores) conduzirem o texto. Entrega total. Chego a ficar surpreso com o resultado quando renuncio à censura de Paulo/escritor.
Escrevo todo dia, pois crio contos, poesias, artigos acadêmicos e tenho o costume de produzir em torno de cinco projetos simultaneamente, pois quando a inspiração não está pronta para um texto, posso estar disponível para outro. Essa flexibilidade me faz muito bem e lido com ela facilmente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho dificuldade de começar, sejam textos encomendados ou de livre criação ou inspiração. Mesmo se o texto não tem o início, mas tem o miolo ou o final, e vice-versa. A ideia é sempre começar e não perder a oportunidade de registrar a escrita. Quando deparo com textos que ficam travados, é chegada a hora de “pendurar no varal”, para secar, tomar um ar, adquirir novas cores. Depois de um tempo, vou até o jardim, olho o varal e recolho o texto para ver como está. Sempre funciona. E olha que o meu varal é imenso. Chega a ultrapassar as cercas do jardim.
A pesquisa que realizo é constante e ininterrupta, seja na busca do significado das palavras ou em determinados assuntos que desejo ou preciso tratar. O imenso e pesado dicionário Aurélio fica ao meu lado (assim como um dicionário tupi) e a internet está disponível o tempo inteiro. E faço pesquisas para qualquer coisa, desde um poema infantil a um conto sobre um tema mais complexo e que não seja de meu pleno conhecimento. Como falar da vida de um porteiro de campo de concentração sem ler, assistir filmes e documentários sobre a segunda grande guerra? Como criar um dicionário de coletivos em versos sem estudar coletivos e como funciona a poesia para os pequenos leitores? Como o protagonista pode percorrer o sertão baiano sem estudar a geografia e fauna do local? Preocupo-me sempre com as informações do texto e como serão lidas pelo leitor. Não pode ter características “professorais” e devem ser agradáveis aos olhos e à fome de “quero mais”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Talvez pelo fato de ter feito engenharia em uma excelente escola (USP-EESC), aprendi muito sobre a ARTE DE ENGENHAR. Faço isso até para subir ao palco com a orquestra de cegos que tenho, desde a escolha do local, repertório, iluminação, som e tudo o que envolve uma produção musical. A mesma coisa se aplica ao ambiente literário. Quando vou escrever um livro (não um conto, poesia ou crônica), trabalho com um mapa literário, uma grande cartolina, onde coloco os personagens, as situações, ambientes, os gatilhos necessários, tudo que pode servir para o planejamento e construção do enredo. Nessa cartolina desenho a curva da trama, descubro o ponto do ápice e as consequências para os personagens. O mapa literário é rabiscado inúmeras vezes. Mas não tenho medo da procrastinação. Construo pontes sobre o abismo do “branco”. Procuro controlar a ansiedade da inspiração transportando-a para a transpiração, por isso costumo trabalhar com vários projetos literários ao mesmo tempo. Escrever, escrever, escrever. Produzir sem parar. Tudo junto e misturado. Sobre as expectativas do leitor, isso é um grande mistério, porque todo escritor coloca as ideias no papel para ser lido, observado, criticado e até elogiado. E cada olhar do leitor sobre o texto, cada observação destacada nas entrelinhas, é um deleite sem preço para quem escreve. Adoro os finais alternativos que as crianças e jovens comentam comigo nos Encontros com Autor nas escolas públicas e privadas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Leio os textos diversas vezes em dias e momentos de “humor” diferentes até o momento que o considero como “definitivo”. Dou um “chega” no texto e declaro-o encerrado. Como leitor/escritor esse é um grande problema, pois se continuar lendo diariamente o “filhote de palavras”, sempre surgirão pontas a serem lapidadas, pois o ânimo de leitor/escritor é mutável.
Costumo mostrar meus trabalhos para as outras pessoas, sejam profissionais, amigos e familiares. Desde que ingressei na UBE – União Brasileira de Escritores, fiz amizades com outras escritoras/es e eles funcionam como termômetro dos textos que produzo. De vez em quando recebo observações inesperadas e isso faz com que desenvolva cada dia mais o poder de aceitar críticas, desde que construtivas, para que o resultado do texto seja melhor para o leitor/a. Já cheguei a “ficar de mal” com um amigo, sem ele saber, pelas observações em vermelho que fez no texto. Mas depois, relendo com calma e carinho, observei que as observações, em sua maioria, eram interessantes e pertinentes. O escritor precisa aprender a se expor e ouvir aconselhamentos alheios. No meu trabalho de Coaching de Escrita costumo fazer o inverso, observar o texto de outro escritor e sugerir cortes, melhoramentos, e a primeira reação é sempre de conflito. Mas faz parte de quem quer escrever e ser lido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como engenheiro e analista de sistemas de formação, a tecnologia faz parte da minha vida há muito tempo. Sou jurássico em termos cibernéticos, do tempo do cartão perfurado, portanto uso o computador para o trabalho, lazer, música (ouvir e compor) e principalmente, escrever texto. Mas não leio livros no computador, nem no smartphone. Não gosto. Meu olhar de dinossauro adora livros, com capas ilustradas, que posso tocar, cheirar, páginas que possam ser dobradas como lembrete a posteriori, trechos que merecem ser grifados com canetas coloridas. Ainda não tenho curiosidade por e-books, apesar de ter algumas obras minhas publicadas neste formato por algumas editoras.
E sobre os rascunhos, muitas vezes são escritos em viagens e sempre colocados à mão com caneta (raramente uso lápis) em blocos ou pequenos cadernos que ganho de presente de leitores. Depois, se as anotações fazem jus, são passadas para o computador. Se estou em casa e a inspiração surge, vai direto para o editor de texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler, ler, ler. Leio 3 a 4 livros ao mesmo tempo. Um de poesia (para abrir o dia, como sugeria o grande escritor Ray Bradbury), um de contos, um romance e outro de artigos ou HQ. Procuro diversificar a leitura, da mesma maneira que a minha escrita. Se não estiver disponível para ler um gênero literário, troco para outro e assim vou trocando diariamente de contos, capítulos, rimas, conhecendo palavras, tipos de narrativas, observando a construção e a coerência dos personagens. Claro que se o romance me pega de jeito, vou embora até o final. E jamais abandono um livro, mesmo que seja ruim. Vou até o fim. Quem sabe o final é impactante? Na maioria das vezes, não…
A descoberta de uma palavra nova me traz inspiração (foi assim com a palavra panapaná, que não sabia que era o coletivo de borboletas ao ler em uma plaquinha fincada no chão do borboletário de Campos do Jordão e que depois de anotada e descoberta o significado, gerou todos os livros infantojuvenis da Saga Panapaná desde 2014 – O Circo, A Orquestra, O Castelo, O Espaço Sideral e finalizando para início de 2022, A Tribo Panapaná). O mesmo acontece com personagens, protagonistas ou coadjuvantes, de um romance. Durante a leitura do romance Moby Dick, do grande Melville, escrevi a poesia “Leviatãs”, premiada com o primeiro lugar no Concurso Cidade do Rio de Janeiro. Valorizo também as conversas de amigos, causos, uma escuta perdida e incompleta no meio da rua. Tudo é representativo. Tudo merece ser anotado e pode se tornar importante no futuro. Assisto muitos filmes e séries na TV que me trazem fontes riquíssimas do que fazer ou do que não fazer, seja no desdobramento do roteiro e inspiração para ambientes e tramas a serem desenvolvidas. Tudo vale a pena para o escritor, mas o essencial é ler, ler e ler. Tudo e todos. Não posso criticar negativamente Dan Brown, Paulo Coelho, J.K. Rowling, Clarice Lispector, Gabriel Garcia Marques ou Shakespeare, se não parei para ler o texto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo e com a leitura adquirida e acumulada, passei a ser mais exigente comigo. Com isso, o texto a ser colocado no papel tem um formato mais encorpado, de tanino mais acentuado e o poder de síntese na transpiração aguçado. Gosto mais dos meus textos de hoje, em comparação aos do passado, mas algumas ideias soltas e despretensiosas do início das escritas são interessantes, tanto pela simplicidade quanto pela liberdade no texto. Hoje, a minha exigência como escritor é maior, mas não posso transformar isso em um processo de autocensura ou “só vou escrever obras primas”. Tudo vale a pena ser colocado no papel, sempre.
Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, recomendaria ler mais, principalmente os clássicos. O Machado de Assis “forçado” na escola é completamente diferente do Memórias Póstumas de Brás Cubas delicioso que li durante a pandemia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou finalizando (em fase de lapidação escolha de textos com revisora contratada) o meu primeiro livro de contos para adultos, com o intuito de me soltar um pouco da característica de escritor infantojuvenil. Era um projeto que desejava intensamente, pois comecei as publicações com contos. E adoro o gênero e seus autores. Passando por Tchekhov, Mia Couto, Drummond, Lygia Fagundes Telles, Philip K. Dick, Rubem Braga, Luís Fernando Veríssimo e tantos outras.
Mas um projeto que gostaria de fazer é de escrever um romance, daqueles que demoram de 3 a 5 anos para serem passados para o papel. Ideias não faltam. A praxe dentro do ambiente literário é que um “escritor de verdade” é o que escreve romances. Considero uma tolice, visto que Borges não ganhou o Nobel de Literatura e alegam por não ter escrito nenhum romance. Pensando bem, Amós Oz, com romances maravilhosos, também não ganhou. Ou seja, premiação é muito subjetiva, mas é o que alimenta a indústria literária. O importante é o escritor colocar no papel o que gosta e que agrade os leitores.
Livro que gostaria de ler e ele não existe? Não sei. Se souber, me avise que vou ler.