Paulo Franchetti foi professor titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não, nenhuma rotina. Nem horário para acordar, embora normalmente acorde cedo. Mas gosto de preguiçar de manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor quando tenho alguma coisa para dizer. Uma ideia por desenvolver. Um prazo também ajuda a trabalhar melhor. Mas o essencial no meu caso é ter algum tipo de parceria: alguém com quem eu imagine que vá dialogar, para quem possa enviar o texto, mesmo que ainda inacabado. Tanto em poesia, quanto em prosa ficcional ou artigo acadêmico. Quando tenho essas coisas e algo para fazer, trabalho a qualquer hora. Normalmente por esticões, sem muitas interrupções. E depois com alguma folga até nova campanha.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou desorganizado para a escrita. Escrevo todos os dias, mas coisas gerais: anotações, crônicas sobre motocicletas e vida ao ar livre no Facebook. Coisas mais sérias só quando sou obrigado ou por um convite, por um compromisso ou por uma pulsão interior.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na escrita acadêmica eu tenho um método. Se é para escrever sobre um autor, eu leio tudo que ele escreveu (ou tudo que consigo encontrar ou ler). E anoto tudo que me ocorre, inclusive as ideias mais ridículas (aparentemente) e as reações de leitura mais primitivas. Claro que também anoto as intuições que a princípio parecem mais produtivas. Mas quero dizer: anoto tudo, sem censura alguma. Depois, leio esse arquivo de anotações. E só então vou para a fortuna crítica. E aí também sou metódico: leio tudo o que posso encontrar, em ordem cronológica. E vou observando o que daquilo que já foi escrito confirma ou contradiz as minhas impressões. O que confirma é fácil: vai para notas, se for o caso, como reconhecimento ou como apoio. O que nega eu examino e vejo se tenho jeito de manter a impressão inicial ou se ela está condenada. Por fim, o que sobrar, aquilo que não foi nem afirmado antes nem contraditado (embora muitas vezes o ter sido negado seja até um estímulo para refinar a ideia) é o que eu tomo por começo de conversa e tento desenvolver ao máximo. Porque creio que aquilo é o que pode resultar em uma verdadeira contribuição ao debate: as coisas que eu vi ou intuí e não estavam na fortuna crítica.
Se é para escrever sobre um tema, pego numa ponta solta e vou escrevendo, deixando que o fluxo da escrita e da argumentação confluam de alguma forma. E essa é a parte mais interessante: o texto se constrói e depois, quando o leio, normalmente penso que não seria capaz de o ter escrito, porque parece algo autônomo, totalmente independente de mim…
Na escrita de poesia ou ficção não tenho método nenhum. Sinto que alguma coisa precisa ser dita, que algo me incomoda ou pede forma. E quando não consigo lidar com aquilo de outra maneira, escrevo. Normalmente jogo fora depois, quero dizer: apago. Mas muitas vezes tento guardar algo, para depois ter com que lidar, em situações semelhantes. E purificar, conforme me sinto mais familiarizado com o que me incomodava ou pedia exteriorização.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho exatamente travas da escrita. Este depoimento, por exemplo, redigi de um fôlego, assim que recebi o e-mail, pois gostei da ideia. Mas não gosto de projetos muito longos, nem de procrastinar. O medo de não corresponder às expectativas existe na escrita ensaísta. Na outra, poética ou ficcional não existe. Gosto de projetos de curto prazo e grande intensidade: algo em que eu possa trabalhar de três a seis meses. Mais que isso termino por ficar desinteressado, e começo a buscar outras coisas, a me dispersar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes. Os trabalhos acadêmicos nunca publico sem mostrar primeiro para dois amigos muito queridos, parceiros e interlocutores de sempre. A esses chateio seguidamente com originais e pedidos de avaliação.
Normalmente, sempre que termino um ensaio fico muito desapontado e temeroso de ter sido primário ou desinteressante. Então envio para eles e fico esperando a resposta. Se julgam que vale a pena, retomo. Se sugerem coisas ou criticam partes, trato de ir atrás de fazer melhor. Se não gostarem, apago ou deixo para outro dia, quando puder fazer melhor.
Os outros trabalhos também mando para um deles. Mas minha necessidade de um olhar externo aí é um pouco menor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo poesia principalmente no iPhone, pois gosto de estar em algum canto, digitando devagar. Mas também escrevo no computador. À mão, raramente nos últimos tempos. Ensaios e estudos sempre no computador agora.
Eu gosto muito da tecnologia. Fui um dos primeiros utilizadores de computadores entre as pessoas da minha área. Tenho todas as minhas anotações de leitura, desde 1986, em formato digital. Isso é uma grande coisa, que me permite retornar aos textos de sempre com mais capacidade de me perceber, de entender os limites da minha percepção ao longo do tempo. E de valorizar também o que pude, em outras épocas, pensar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não. Exceto ouvir música. E quando preciso de ideias creio que o melhor é tomar um longo banho, ou caminhar, ou andar de moto, ou vadiar no sofá da sala, olhando para o vazio e pensando ao sabor do fluxo mental. Se tenho um assunto já, um projeto, o melhor é deixar que ele se resolva “na barriga”, quero dizer: pensar, depois deixar que a coisa se forme por dentro, até que um belo dia eu sinta que posso começar a pensar racionalmente, a escrever o que vou pensando e a pensar o que vou escrevendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu acho que não mudou muita coisa. Eu ainda escrevo da mesma forma. Só que o meu primeiro trabalho mais extenso (a tese de mestrado sobre a poesia concreta) foi escrito em máquina de escrever manual. Por isso, meditei em tudo antes, com muito empenho: anotei todas as leituras em muitos cadernos, construí o esboço dos capítulos e dos argumentos de cada um e só depois me sentei em frente da máquina de escrever. E foi assim; eu datilografei “Introdução” e segui em frente, ao longo de um mês (as minhas férias como professor de escola secundária), até a palavra “Fim”. Já o meu trabalho sobre haicai foi misto: enchi também cadernos e cadernos de leitura e anotações – pois os programas de computador da época eram precários e a capacidade de armazenamento era ridícula – mas na hora de escrever redigi tudo com o Redator da Itautec, o que permitiu mais rapidez e mudou, eu creio, a forma da escrita, pois era uma maravilha poder mudar instantaneamente um parágrafo de lugar, cortar uma palavra, acrescentar outra, sem ter de datilografar tudo de novo. Por isso a escrita ficou mais solta, menos exigente. E o trabalho posterior, de leitura, correção e harmonização ficou maior. Daí em diante, nunca mais escrevi à mão esse tipo de texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de organizar dois livros com ensaios esparsos. Meu amigo leitor preferencial desse tipo de texto já leu tudo, selecionou e até sugeriu a divisão e ordenação dos volumes. Mas não me animei ainda a redigir a introdução e a retrabalhar os artigos, eliminando as repetições de um para outro. E gostaria também de juntar meus poemas satíricos e pornográficos num só volume, bem como de selecionar os poemas que fui escrevendo depois de “Deste Lugar” e com eles organizar mais um livro de poemas.