Paulino Júnior é escritor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Prefiro não ter a cabeça nem o tempo muito ocupados enquanto estou centrando fogo num texto. Assim, quando possível, também renuncio às concorrências impostas pela sociabilidade burguesa.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
O processo é dialético. A primeira e a última frases se influenciam e se eliminam numa estreita relação. E isso vale para o projeto em si, que surge como uma ideia e vai demandando ajustes no decorrer da realização. O fluxo é inerente, mas, como tudo que é produto do trabalho, exige controle e técnica.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Sim, sou metódico neste ponto. Consigo fazer anotações e desenvolver ideias de maneira improvisada em qualquer ambiente e sob (quase) qualquer circunstância. Porém, para dar corpo a um conto ou poesia, é imprescindível um ambiente que não subtraia a concentração.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Nunca me senti travado, confuso sim. Confusão no sentido de escolher o caminho para a unidade dramática, de fazer o arremate e coisas afins. Quando isso acontece de maneira muito intensa, tento não me desesperar e pratico deliberadamente a procrastinação, sem tirar o problema da cabeça, até que as saídas comecem a surgir e me convencer.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Vou mencionar dois contos do meu Todo maldito santo dia.
“Debate sobre o cheiro do cupim operário” foi o que mais me deu trabalho justamente por ter me imposto muitas pausas para olhar o texto com distância e retomá-lo apenas quando estava convencido das possibilidades de resolver os impasses.
Já “Material humano” é o conto que mais me orgulho, tanto pelo enfoque no universo do futebol – que é um patrimônio cultural da classe trabalhadora –, quanto pelos tratos que dei à bola.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Desde sempre assumo que o tema com o qual me confronto é o mundo do trabalho, minha Esfinge. Assim, conceitos como trabalho, emprego, serviço, profissão e desemprego pesam no meu projeto estético. E é nesse manancial que busco, crio e insiro meus personagens.
Sim, tenho um leitor ideal! Aliás, esta é a primeira criação de um escritor, sua primeira grande conquista. E é para esta entidade que ele escreve a vida inteira.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
A Mari, minha mulher, é a primeira pessoa a ler e dar os pitacos sobre o texto que dei por “definitivamente inacabado” – termo de Marcel Duchamp apud Lobo Antunes. E isso ocorre porque estamos constantemente debatendo sobre estética e política; e ela tem plena consciência do meu projeto de ficção.
Além dela, que é titular, intercambio esporadicamente com amigos escritores. Aliás, confesso que isso não me agrada muito, pois as observações de outros escritores geralmente são projeções do que fariam em seus trabalhos – e isso serve pra mim também quando leio os textos deles (risos). No entanto, nesses dezesseis anos, recebi contribuições importantes de autores como Nilo Oliveira, J.R.Bazilista e Luciana Tiscoski. E já há certo tempo venho pedindo opinião de um velho camarada, Alexandre Rigobelo, de quem sou grande fã pelo que ele realiza no campo da fotografia.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Dedicação mesmo, de deixar de ser “escritor de domingo” para escrever todos os dias, se estabeleceu em 2005, quando eu tinha vinte e seis anos e deixei de viver da literatura – enquanto professor – para viver pela literatura.
Tem coisas que só batem de verdade quando a gente ouve da gente mesmo. Na época eu não tinha experiência, maturidade, para dizer o que eu me disse depois (mas eu gostaria de ter ouvido logo de cara): “Se você deseja ser escritor em uma sociedade capitalista, então não se iluda com os sonhos que ela vende. Da mesma forma, não cobre reconhecimento nem compreensão dos outros, pois ninguém te pediu pra escrever”.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
A maior dificuldade foi na parte braçal. Enquanto a gente não escreve de fato, não coloca uma ideia à prova para verificar se ela se sustenta na narrativa e sustenta a narrativa, a gente se acha um gênio. Só daí vem o choque de realidade de que estamos distante do protagonista das historinhas que tendemos a contar para nós mesmos. Quebrada a idealização, e se você tiver persistência, descobrirá onde e como funciona melhor.
Nesse processo de busca e desenvolvimento outros autores só atrapalham, pois desencadeiam a angústia da influência (risos). Minhas influências literárias, e os que estou sempre a ler e reler, são os russos do século XIX e os contistas brasileiros das décadas de 1960 e 1970.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Zélica e outros, livro de contos cuja primeira impressão é de 1978, escrito pelo mestre Flávio José Cardozo.