Paula Bajer é escritora, autora de Viagem sentimental ao Japão.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo por volta das 6h porque levo minha filha ao colégio. Se acordei de madrugada, o que acontece de vez em quando, já terei escrito um pensamento rápido ou relido algum texto. Estou sempre escrevendo romances porque gosto dessa narrativa mais longa, de ficar com uma história. Então leio e releio alguma parte e penso nas personagens. Um romance, pra mim, começa sempre com uma personagem e a personagem começa quando tem um nome que se parece com ela. O nome é muito importante, troco muitas vezes até chegar ao nome certo. Em Viagem sentimental ao Japão, Anette é a narradora e ela é tudo no livro. Em Nove tiros em Chef Lidu, Elvis conduz a história e, se ele não se chamasse, Elvis o livro talvez não tivesse sido terminado. Em Feliz aniversário, Sílvia, tem a Sílvia, de quem gosto bastante, acho mesmo que ela existe. Agora estou começando uma história com Suzana, o nome é Medo de avião, mas ainda não apareceu avião nenhum, então acho que esse título não vai resistir. Estou sempre escrevendo mentalmente, pensando nos personagens. Mas escrever, mesmo, sentar na frente do computador e escrever, acontece de manhã, depois que faço outras coisas, como pagar contas, consultar a internet, ou no fim da tarde. Escrever ficção me descansa e me deixa contente. Como meu texto é muito direto, escrevo meio como se fala, escrevo rápido. Não preciso e não consigo ficar horas escrevendo. O trabalho todo é anterior, mental, estrutural, como um quebra-cabeça. Em resumo, minha rotina matinal é trabalhar e escrever ao mesmo tempo, eu trabalho bastante na área jurídica e escrevo textos não ficcionais, também. Mas a onda de concentração para os vários estilos de textos é totalmente diferente. À noite, leio. Ler é como escrever, sem ler não consigo escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã cedo escrevo melhor, ou no fim da tarde. Tenho dois blogs, Lolita e Chef Lidu. Escrevo mais em Lolita. Organizo minhas leituras e impressões escrevendo nesses blogs. Então, quando termino um texto que considero bom, não ficcional, consigo escrever melhor ficção. Meu ritual é sempre fazer algo burocrático, escrever ou ler algo não ficcional, para depois entrar na ficção, que é onde está minha realidade. Mas não chego a ter um ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, a não ser que tenha combinado de enviar um texto para alguém. Escrevo contos, também, e tenho publicado em antologias do Coletivo Literário Martelinho de Ouro e outros grupos. Aí, quando tenho prazos, escrevo mais rápido. Depois até esqueço o que escrevi, às vezes leio contos que não reconheço, é muito esquisito. Mas adoro escrever contos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes eu tinha notas, hoje escrevo direto. Se não gostei do rumo de uma história, salvo o arquivo com outro nome e prossigo no novo, fazendo ajustes e cortes. Mas mantenho sempre os arquivos anteriores. Gosto de entender meu processo. Não consigo anotar características de personagens. E a pesquisa faço durante a escrita. Em Viagem sentimental ao Japão, Anette fazia roteiros de viagem para uma agência de turismo, e surgiu a necessidade de pesquisar o Japão. Eu já tinha muitas informações sobre o Japão e acrescentei outras. Consultei muitos livros de viagens e esse tipo de narrativa foi bem importante na construção da história. Para Nove tiros em Chef Lidu pesquisei restaurantes, receitas e estilos de gastronomia. E em Feliz aniversário, Sílvia, andei no mundo da amizade entre mulheres, nas dietas para perder peso e na obsessão pela magreza. Os dois últimos romances têm crime, mas não precisei pesquisar tanto o mundo do direito, embora nunca se conheça tudo e estilizar alguma coisa é inevitável. Coleciono informações no contexto do romance que estou escrevendo: livros de viagens, livros de receitas, revistas diversas, e os organizo em espaços do meu escritório. E vou escrevendo a história durante, nunca deixo para depois. Posso até fazer um roteiro muito simples, mas me esqueço dele e mudo o curso dos acontecimentos. Estou sempre imaginando sequências, e quando não prossigo fico com uma imagem estagnada na cabeça, é estranho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não há muito o que fazer, só aceitar. Os trabalhos longos são bons também porque a possibilidade de publicação fica um pouco distante, essa ansiedade de como e onde publicar o livro é adiada durante a escrita. O leitor que gosta muito de um livro talvez não goste do seguinte. Antes eu ficava com medo, mas acho que todo romance tem seu tempo, às vezes demora para ser apreciado. Escrevi uns três romances que não publiquei e não vou publicar, eu estava treinando. Escrevo também pra mim mesma, então preciso lidar com minhas próprias expectativas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mostro para minhas amigas do Coletivo Literário Martelinho de Ouro. Já publicamos livros e fanzines juntas e a opinião delas é importante pra mim. Mas sou teimosa e sempre acho que, para ser autêntica, preciso seguir minha intuição e meu estilo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador. Tenho cadernos em que anoto ideias, pensamentos, lembretes, mas escrevo no computador e, às vezes, no celular, mas muito rapidamente, às vezes corrijo imprecisões no celular. Gosto de tecnologia, me ajuda muito.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Leio muito e vou ao cinema. Os segredos das pessoas me interessam, tento imaginar aquilo que elas não dizem e nem poderiam, as palavras não dão conta do mundo interior de cada um e nem mesmo dos fatos, que podem ser contados por diferentes pontos de vista. Minhas ideias vêm da dificuldade que temos de nos adaptar ao mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de ficção inicial?
Já escrevi dissertação e tese de doutorado, estudei direito processual penal durante anos. Esse estudo me deu disciplina, me ensinou a organizar ideias. Mas gosto de romper com essa organização, também, então vivo em conflito com isso, gostaria que minha escrita de ficção fosse menos estruturada. Gosto mais dos textos que escrevo por último. Acho que diria para confiar mais no meu estilo, é o que ainda digo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever a história da minha avó, mãe da minha mãe, mas não escreverei. Tenho medo de trair algum sentimento de alguém, de violar alguma memória, ou mesmo de não conseguir expressar tudo o que ela representou para mim e minha família. Ela foi corajosa e sincera. Esse era o livro que eu gostaria de ler, o livro com a história da minha avó, com os detalhes que não cheguei a conhecer.