Patricia Porto é escritora e professora, doutora em Políticas Públicas e Educação.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas manhãs são sonolentas. Tenho hábitos noturnos de leitura e escrita. Por isso mesmo minha rotina matinal é feita de muito café e tolerância com meu próprio humor. Pois eu e o “Caetano” sentimos muito sono de manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Noite e madrugada são os melhores horários.
Não tenho um ritual específico, mas admiro o silêncio, algo cada vez mais raro no nosso cotidiano. O barulho é um dos sintomas do capitalismo tardio. Quanto mais ruído menor é a possibilidade de pensamento, de introspecção, de estar consigo mesmo. O mundo se torna cada vez mais barulhento, histriônico… As pessoas berram, ganham no grito, invadem tua privacidade e intimidade com letras em caixa alta. Então…Meu ritual é o avesso disso – numa busca incessante pelo silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho um único método. Escrevo quando sinto algum desejo espontâneo, escrevo todos os dias como exercício e também para manter a mente alerta e reflexiva. E em alguns períodos também escrevo de forma concentrada se tenho algo que me pressione a uma entrega (não forçada por prazos), mas falo de uma entrega genuína ao que foi proposto ou quando me proponho a um projeto de escrita mais pro-fundo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O caminho é labiríntico e recursivo. Mesmo com notas e muita organização, o meu processo de escrita vem do pensamento, da forma como eu penso. E minha forma de pensar nunca foi linear. Então retorno várias vezes a um determinado ponto e me perco também, fico à deriva. Ficar à deriva é algo que me instiga muito, pois costumo tirar o melhor desse “estar e não-estar”. Eu escrevo melhor no deslocamento que em qualquer pré-texto fixo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou ansiosa. Tenho problemas de ansiedade desde criança quando fui diagnosticada com dislexia. A ansiedade, o medo, a insegurança, os limites, a raiva, a vingança, todos esses ressentimentos fazem parte da minha escrita porque fazem parte de mim. E quando tenho projetos longos (como agora, iniciando um romance) eu gosto de viajar, me deslocar na cartografia, ficar em suspenso, suspense. É o que me acalma pra seguir em frente e não desistir. Porque desistir é meu percurso e reverso, minha cara metade. Então não desisto porque sempre sei que posso desistir. Ou que devo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
(risos) Reviso todo tempo. Reviso mil vezes. Acredito no erro como uma espécie de acerto. O erro é uma construção e uma possibilidade de desconstrução, de tentativa de domar o ego. Parto sempre do princípio que vou cometer muitos erros, erros absurdos. Lidar com esse absurdo é algo que me move e que me leva ao surreal. O surreal é um pântano onde me movo.
Tenho dificuldade de mostrar meus trabalhos. Penso demais. Mas hoje costumo mostrar pro meu parceiro de vida e escrita, meu revisor de todas as horas – que é o Ricardo Gualda. Sem ele muito do que eu escrevo teria voltado pra gaveta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma relação paradoxal com a tecnologia. Ao mesmo tempo muito crítica aos seus usos e excessos, mas também sou muito receptiva às suas novidades. Tenho uma curiosidade crítica. Falo sobre a tecnologia num aspecto maior, também humano, que envolve e pode dominar as interações, as conexões. A tecnologia do uso ordinário é muito bem-vinda pra quem é disléxico. É uma ferramenta de ajuda e até de conforto. Eu sempre tive muita dificuldade com o papel, com os limites do papel. Hoje posso me distanciar dele e tudo bem. Ninguém vai me chamar de burra por isso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm dos sonhos, pesadelos, das imagens que a minha mente cria e sempre criou num processo ininterrupto. Tenho um pensamento muito imagético e as imagens é que me resgatam de mim mesma e me levam à escrita ou à libertação dessas próprias imagens. Posso dizer que meu hábito é pensar muito o tempo todo. Sou a pessoa que vive no mundo da lua desde criança. Na escola eu era essa criança do mundo da lua. Por isso a ficção científica entrou na minha vida como primeira leitura e como primeira escrita. Meu primeiro texto longo foi uma quase distopia, um grupo de sobreviventes vivia em casas-submarinos porque o planeta tinha entrado em colapso e eles tinham várias deformidades genéticas por abusos de medicamentos etc. Eu tinha 14 anos quando escrevi isso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou foi a inclusão, a entrada da tecnologia como ferramenta de apoio. Hoje é fundamental para qualquer processo de escrita. Mudou a minha forma de lidar com o texto, porque eu já pensava por janelas, aberturas, o que seria a inserção do hipertexto hoje.
O que eu diria pra mim mesma seria algo como tenha mais calma, alguns caras vão mudar a tua vida com algo chamado computador individual. E também a frase do Samuel Beckett que é minha epígrafe preferida: “É preciso prosseguir. Não consigo prosseguir. Vou prosseguir.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou começando um novo projeto. Escrever um romance é minha última fronteira, acredito. É um projeto longo, amadurecido e que exige muita concentração, silêncio, café e afeto. Eu gostaria de ler o meu próprio romance. Eu quero que ele exista. Tudo mais que eu já li só me acrescenta e subtrai ao mesmo tempo. Então não consigo imaginar algo completamente diferente, porque estou cheia de referências e elas contaminam (no bom sentido) e me consomem com suas ideias.