Patrícia Perrone Campos Mello é doutora em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Adoraria ter uma rotina matinal ligada à escrita, mas não tenho. Todas as quartas e quintas-feiras, dou aulas durante toda a manhã. Nos demais dias, tenho aulas de línguas e outras atividades. Me sobra apenas a sexta-feira de manhã. Trabalho todas as tardes no Supremo Tribunal Federal. Escrevo mais no final de semana ou de madrugada, não porque prefiro, mas porque é o horário em que consigo. Mas estou tentando organizar melhor minhas manhãs no próximo ano. Ter manhãs livres é fundamental para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho bem a qualquer hora. Não tenho ritual. Mas tenho uma “relação” com o lugar em que escrevo. Gosto de escrever sempre do mesmo lugar, que organizo fisicamente para ser mais funcional. Geralmente trabalho com um computador ligado a duas telas. A primeira uso para escrever e a segunda para abrir arquivos que sejam necessários para a redação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta diária. Escrevo em períodos concentrados. A escrita rende melhor assim para mim. Com foco intenso e poucas interrupções. Escrever “pingadinho” me provoca “retrabalho” porque preciso voltar ao que escrevi, reler e engrenar de novo o pensamento. Mas é interessante, depois de alguns dias intensos, dar um intervalo, quando o trabalho já está mais próximo do fim. Nesses intervalos, geralmente tenho boas ideias e ganho um distanciamento que me permite revisar e melhorar o trabalho. Antes de submeter um artigo, sempre procuro deixá-lo “dormir” por umas 48h na gaveta e, então, faço uma última leitura, para ajustes finais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A maior parte do meu tempo é gasto na leitura e na pesquisa. Sempre tenho o sentimento de que poderia pesquisar mais. Quando vou começar a escrever um novo texto, sinto uma “resistência” inicial para começar. Meus pontos de partida para a redação são: (i) a definição da questão principal/do problema que quero tratar e (ii) a conclusão a que vou sustentar; depois elaboro (iii) um roteiro com todos os pontos que preciso abordar. É uma forma de não me perder e de trabalhar com objetividade. Após começar a escrever, se o trabalho for contínuo, deixo de sentir a resistência inicial. O trabalho flui. Se fico um ou dois dias sem escrever ou voltar ao trabalho, tenho um pouco mais de “resistência” para retomar a escrita. Até por isso, prefiro produzir em períodos concentrados e contínuos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quanto à procrastinação, os prazos e a vida real são componentes que me obrigam a produzir. Não tenho muita preocupação de não corresponder às expectativas porque tenho um sentimento de que geralmente atendo. Isso era mais presente no início da minha vida acadêmica. De todo modo, sempre faço muitas e muitas revisões de um novo texto. Tenho preocupação de produzir trabalhos fáceis de ler.
Não tenho ansiedade em trabalhar com projetos longos. O que me incomoda é que o dia-a-dia interfere muito sobre o cronograma. Muitas vezes escrever vira “uma guerra”, um “ato de resistência”. Há muitas pequenas urgências da vida doméstica e da vida acadêmica que vão sugando seu tempo. Em projetos longos, é preciso ter muita atenção à execução de cada etapa no prazo e é preciso muita disciplina.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus trabalhos quantas vezes forem necessárias, até achar que está bom, o que varia conforme o caso. Um requisito essencial é que a leitura seja fácil. É muito raro mostrar para outras pessoas porque estou sempre no limite do prazo ou na corrida para submeter a revistas, por causa da pontuação necessária a credenciamento em programa de mestrado e doutorado de acordo com os critérios CAPES. Mas acho que mostrar para pessoas é um meio importante de aprimorar o trabalho. É algo que gostaria de fazer mais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Eu me considero fraca com tecnologia, mas estou me esforçando para melhorar porque pode fazer muita diferença. Contratei recentemente uma ferramenta de pesquisa americana que me dá acesso a um bom volume de artigos de grandes revistas estrangeiras. Uso sistemas automáticos de fichamento eletrônico, que também fazem notas de rodapé (que depois precisam de algum ajuste). Esses sistemas geralmente buscam trabalhos semelhantes sobre o mesmo tema que você está pesquisando, sugerem tópicos de pesquisa conforme a área do direito e têm uma série de funcionalidades interessantes. Podem reduzir bastante o tempo para produzir um artigo. São ferramentas que estou “descobrindo”. Também uso o Kindle para leituras e fichamentos eletrônicos. Uso dropbox para armazenar minha biblioteca online e a carrego no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu gosto de ler. Trabalho no Supremo Tribunal Federal, que é um lugar cuja dinâmica produz contato com muitos temas e discussões. Acima de tudo, tenho muitos alunos na Faculdade de Direito (Uniceub), que me trazem muita informação, e interajo com professores que também estão sempre produzindo algo. A vida na faculdade é pulsante e acho que é o principal componente para me manter criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que fiquei mais rápida, um pouco mais confiante e tenho um pouco mais de método para formular o projeto sobre o que vou escrever. Sou satisfeita com a minha tese. Apenas gostaria de tê-la escrito para outro público. Queria ter falado para todas as pessoas, para leigos, para que todos entendessem o meu tema. Não pude escrever para todos porque uma tese de doutorado é dirigida a uma banca de acadêmicos com certas exigências. Mas tinha vontade de reescrever minha tese em uma linguagem que permitisse que o trabalho fosse acessado por todos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que já comecei. No grupo de pesquisa na Faculdade de Direito, que coordeno em conjunto com outra professora, produzimos uma grande “casoteca” de casos de implementação de direitos sociais por cortes constitucionais latinoamericanas. Trata-se de um trabalho riquíssimo, que será um importante ponto de partida para diversas produções do grupo. Agora começamos a elaborar artigos científicos sobre tópicos específicos dos casos da casoteca com os alunos. Estamos muito encantados com as descobertas nesse campo.