Patricia Daltro é escritora e artesã, autora de “A Vida Sem Manual”, “A Versão da Madrasta” e “DinoAmigos”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como eu trabalho com outras coisas além da escrita. Minha rotina matinal normalmente não começa escrevendo, embora gostaria muito de começar o dia sentada ao computador, bolando histórias.
Quando estou com uma história em mente, elas costumam invadir os pensamentos logo pela manhã. E mentalmente, vou elaborando o a história, as personagens, tramas etc até que consiga sentar e desenvolvê-la.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem dúvida, meu melhor horário para escrever é final da tarde, noite. Quando mais nova, escrevia muito de madrugada, hoje devido a dificuldades logisticas, a escrita na madrugada ficou bem restrita.
Meu ritual para escrever consiste em buscar o local mais isolado da casa, uma garrafa de água bem gelada ao lado, cigarros e cinzeiro próximos. E silêncio quase absoluto. Qualquer som alto interfere no meu processo. Nem música consigo ouvir. Para mim, atrapalha muito.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Isso depende. Eu costumo escrever mentalmente primeiro, elaboro a trama, construo as personagens e só quando já está tudo bem amarrado na mente, passo para o passo seguinte, que é escrever.
Tenho períodos de escrever todo dia, pelo menos três a quatro horas, e tenho períodos de absoluto vazio, onde não consigo escrever nem uma linha. Uso esse período para ler muito, pesquisar sobre o que estou escrevendo etc.
Mas, tenho um sonho de escrever diariamente, como um exercício mesmo. Acho que essa disciplina que me falta é fundamental para o escritor. Gabriel Garcia Marquez dizia que a escrita tem que ser uma rotina diária. Nem sempre todos os dias, os seus escritos terão a mesma qualidade, mas a construção dessa rotina ajuda a construção mental do ser escritor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como falei anteriormente. A história
primeiro surge na mente, e mentalmente vou elaborando a trama, conhecendo os
personagens, separando o que devo pesquisar.
Nessa fase, costumo escrever tópicos sobre o que pretendo escrever. Nomes dos
personagens, trama principal, trama secundária, ambientação.
Costumo escrever mentalmente todo o inicio da história e só quando está bem amarrada na mente, e que sento e ponho no papel. Nesse momento, escrevo como uma enxurrada. Vai direto. Não faço pesquisa nesse momento, anoto o que tenho que pesquisar e depois de escrever tudo que consigo, parto para a pesquisa e vou acertando o necessário.
A elaboração mental anterior – que pode durar dias, semanas e alguns casos, demorou meses, antes de colocar no papel, já tinha todo o conto escrito na cabeça. – faz com que não seja difícil o inicio. Brinco muitas vezes que parece que estou psicografando, pois a história sai facilmente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido pessimamente com isso. Me angustia a
fase das travas. Começo a duvidar da minha capacidade como escritora. Fico
fisicamente deprimida. E me culpo muito.
Infelizmente, não é algo que sinto que possa controlar, fico bloqueada durante
um tempo imenso e de repente, através de um sonho, uma conversa entreouvida, a
história vem num jorro único. Às vezes, várias histórias diferentes. E ai,
anoto todas em fichas e escolho a que está mais nítida para trabalhar.
Sofro de ansiedade, faço tratamento para isso, então escrever romances ou tramas mais longas é bem complexo. Quero terminar logo e esbarro na necessidade de fazer outras coisas além de escrever, então a pausa, nesse caso forçada, também atrapalha.
Atualmente tenho dois romances prontos mentalmente, mas pela metade no papel.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Assim que acabo de escrever, não quero reler, preciso de pelo menos uns três ou quatro dias para vivenciar o luto do encerramento. Nesse período, dou ao meu marido para ler, ele faz a primeira correção gramatical e opina sobre o que acha que pode ser melhorado. Só então, faço novas revisões, reescrevo o que acho necessário. Depois apresento para alguns amigos. E depois da troca de opiniões, reviso novamente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Antigamente só escrevia na mão. Devido a uma tendinite, o computador virou meu melhor amigo. Ainda escrevo a mão, quando estou longe do computador, mas atualmente o celular tem sido um bom aliado. Já escrevi um conto médio no bloco de notas do smartphone.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vem de tudo ao meu redor. Sou extremamente observadora, pessoas, objetos, causos entreouvidos nas ruas, uma conversa entre amigos, tudo pode virar um conto, um microconto ou romance.
A leitura é fundamental, muitas vezes, ao ler determinado conto ou romance, uma frase dita por algum personagem da história salta aos meus olhos e cria vida própria, em uma trama completamente diferente da que estou lendo.
Algumas histórias surgem através de sonhos. Acordo, escrevo todas as lembranças antes que desapareçam e com calma, vou transformando aquelas imagens soltas em uma história.
Atualmente estou escrevendo um romance que veio através de um sonho e veio quase pronto, com nomes das personagens, ambientação, tramas, tudo veio em uma única noite.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antes eu tinha uma escrita mais visceral. Não achava necessário revisar. Produzi muita coisa boa, mas a minha escrita atual é mais madura, mais limpa. Penso mais na construção das frases, no estilo.
Acredite em você e na sua escrita! Sem dúvida gostaria muito de voltar lá atrás e convencer a mim mesma.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um romance de época e uma fantasia medieval. Tenho dificuldade de escrever fora do meu tempo.
Um livro que gostaria de ler e ainda não existe. É difícil essa pergunta. Acho que a humanidade já escreveu sobre tudo. O que gostaria mesmo é de ter tempo para ler tudo aquilo que a humanidade produz. Por mais que leia muito, ainda tem muita coisa para ler. Sinto-me o tempo todo defasada de leituras.