Patricia Chmielewski é escritora e curadora de conhecimento.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sou uma pessoa da manhã. Já fui muito noturna mas hoje em dia desperto sozinha entre seis e sete da manhã independente do dia da semana. Acho que a maternidade faz isso com a gente. A minha primeira atividade é sempre cuidar do Jimi, o meu cachorro, e depois começa o dia propriamente dito. Tento começar o dia com um bom café da manhã e exercício físico. E quando a preguiça não vence também medito de 15 a 30 minutos. Como tenho um trabalho fixo como Curadora de Conhecimento, as horas úteis da semana são dedicadas a essa atividade, que exige bastante estudo e concentração. O final do dia e os fins de semana são os momentos que eu separo para escrever e me recarregar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma pessoa do dia. À noite a cabeça não funciona tão bem. O que é um problema para escrever durante a semana. Então de segunda a sexta eu escrevo mais pensamentos e pequenas notas em cadernos e deixo pra produzir mais pesado no fim de semana. No meu quarto tenho uma escrivaninha onde moram todos os meus autores preferidos, que ficam sempre me cuidando enquanto eu escrevo. A mesa tem que estar organizada e o ambiente calmo. Às vezes música ajuda, às vezes prefiro o silêncio absoluto. Às vezes escrevo o primeiro rascunhos à mão, às vezes caio direto para o computador. Raramente uso celular. Se aparece algum pensamento importante em trânsito, carrego sempre um caderno pra tomar nota imediatamente e retomar depois. Também tenho hábito de vasculhar velhos cadernos às vezes para buscar ou retomar ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta diária porém estou fazendo um curso com a Angélica Freitas e ela nos orienta a escrever todos os dias. Ela acredita na escrita como prática, com trabalho mesmo, então estou me forçando a fazer um pouquinho todos os dias. Pelo menos quinze minutos, o que vier na cabeça. Tem sido interessante para destravar alguns vícios e medos e também como exercício físico da cabeça mesmo, pra criar “músculo”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu transito entre pesquisa e escrita o tempo todo e acho que são processos que se realimentam. Minha escrita é caótica, fragmentada e pouco sistematizada mas é como o quarto daquela pessoa que se entende na própria bagunça. Acho que isso se reflete um pouco na minha obra, essa bagunça organizada de sentimentos, pensamentos e ideias sobre ser e estar no mundo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu nunca trabalhei num projeto muito longo, o máximo que eu já me dediquei a um mesmo projeto foram seis meses. Se começo a ver que não está evoluindo, logo deixo ele dormir e parto pra outra. Porque não tenho esse tempo de espera. Talvez ele falte, às vezes. O que não significa que não retome projetos antigos quando sinto que o fôlego veio. Em relação à travas e procrastinação, eu sempre me dou prazos, que geralmente tem a ver com questões objetivas… Um prazo de um texto que alguém me pediu, o prazo de algo ir pra gráfica, uma feira, uma palestra. Então o tempo, ou a falta dele, acabam sendo meus aliados de alguma forma.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não gosto muito de me reler porque tendo a ficar muito viciada nas minhas próprias palavras. Então eu reviso no máximo duas ou três vezes e depois deixo que pessoas próximas leiam e comentem meus textos para aí fazer ajustes. Dizem que é bom deixar o texto descansar entre a criação e a publicação mas como eu trabalho sempre na pressão, muitas vezes o que vai pra rua é muito próximo da concepção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre prefiro começar à mão, mas para textos mais longos o computador é a melhor opção. Tenho três máquinas de escrever mas sinceramente acho ineficiente e um pouco romantizado hoje em dia o seu uso. Já escrevi muito à máquina, até porque quando eu estava na escola (a velha falando) era o que eu tinha acesso para entregar trabalhos um pouco mais apresentáveis. Cansei de usar a máquina na infância e adolescência, então atualmente privilegio meios que não vão me tomar mais tempo e energia do que o necessário para registrar. Deixando assim mais foco para as ideias, pensamentos. E assim deixo fluir melhor essa energia quase física que acontece durante o processo de escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que ler ajuda. Ler ajuda. Ler ajuda. E ler ajuda. Claro que ter abertura para observar o mundo e as pessoas com lentes mais sensíveis e pessoais é importante, mas repertório é algo fundamental. Andar, correr, praticar atividades físicas também é algo bem eficiente para a minha escrita. Por incrível que pareça… Porque te tira de algo mais cerebral e deixa as ideias acontecerem por si só. Muitas vezes minhas melhores ideias vêm no meio de uma trilha, durante a corrida, caminhando. Porque é nesses momentos que tudo aquilo que eu li, que eu vivi, que eu senti, se reorganiza naturalmente em algo novo pra voltar ao mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que a técnica tem ficado melhor, o domínio da forma. E isso deixa mais espaço para me aprofundar nas ideias, nos conceitos, em refletir mais sobre o que eu preciso dizer, e não apenas em como. Eu tenho a tendência em me ver seduzida pelas formas diferentes, pelas pirações experimentais, mas acho que estou também tentando trazer mais estofo, mais sumo para essa forma.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Geralmente, de uma forma ou de outra, eu sempre acabo fazendo os projetos que gostaria, uma vez que eu me auto-edito muito. A gente não ganha dinheiro mas se diverte! Tinha vontade de levar algum dos meus projetos de Poesia 3d para um formato de tiragem maior, para atingir um público mais amplo, mas por enquanto não apareceu interesse de uma editora que pudesse viabilizar financeiramente essa história. Então seguimos na linha de produção de formiguinha.
Acho que o mercado editorial vem passando por transformações que me permitem cada vez mais ler livros que não existiam e que agora estão ganhando espaço para existir. Pequenas editoras independentes tem dado luz à literatura de mulheres, de pessoas negras, de LGBTs, de pessoas periféricas… Acho que cada vez mais nós temos que abraçar a diversidade e a possibilidade de que mais pessoas, de que todas as pessoas possam ler histórias em que se sintam representadas. A ativista americana Marian Wright Edelman diz que “a gente não pode ser o que não pode ver”. Então que existam cada vezes mais livros sobre os invisíveis.
Falando de iniciativas com essa pegada eu destacaria a Revista Puñado, da Laura Del Rey e da Raquel Dommarco que editam somente mulheres latino-americanas contemporâneas. Também a Ferina, que é um selo da Editora Pólen que tem a Jarid Arraes como curadora e a Lisandra Magon como editora, além de um conselho super diverso de mulheres. E a Quintal Edições, da Carol Magalhães. São todas iniciativas voltadas só para a publicação de mulheres de diversas identidades.