Norton Trevisan Roman é professor de Inteligência Artificial na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa às 6h, quando acordo para levar as crianças à escola. Depois não há mais padrão, alternando trabalho, academia e outras tarefas que acabam surgindo. Das 19h às 22h45 estou em aula em determinados dias. Após isso, reinicio a rotina. Durmo pouco e tento compensar nos fins de semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Início da manhã e à noite. São os horários mais silenciosos. Não tenho ritual algum além do de tomar mais um café para ver se acordo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando preciso escrever, a meta torna-se escrever, pelo menos, uma ideia, ou seja, colocar e defender um argumento, ou então preparar o terreno para essa ideia, via leitura de trabalhos relacionados, análises adicionais de dados etc. Não faço isso durante longos períodos contínuos de tempo porque acabo tendo desvios de atenção, o que reflete no texto. Busco então escrever um pouco e sair da frente do computador. Vou fazer outra coisa, para que a mente continue em modo difuso. Então volto e continuo. Essa estratégia, contudo, deve também acomodar a grande quantia de trabalho exigida pela docência (de aulas e trabalhos a orientações e tratamento da burocracia típica de nossas universidades). Dessa forma, o que acontece na prática é que acabo escrevendo um pouco todos os dias, para não deixar o assunto morrer e me aproveitar das horas de pensamento difuso, durante o período em que fazemos outras tarefas mais corriqueiras.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como trabalho com textos técnicos e científicos, começo com uma busca do que há de recém descoberto na área em que vou escrever. Então leio esse material fazendo anotações. Organizo as anotações de modo a identificar similaridades, bem como sua possível contribuição para meu texto. Então penso em uma linha de argumentação para ele e a coloco no documento, como um roteiro a ser seguido. Em seguida, verifico se há análises adicionais a serem feitas ou então novas referências a serem buscadas, para dar suporte a algum argumento nessa linha. Havendo tal necessidade, há que se buscar tais referências e fazer essas análises. Feito isso, começar a escrever não é difícil. Basta seguir o roteiro estabelecido, pois o material de que preciso já estará disponível, sempre seguindo a estratégia de escrever uma ideia completa e então fazer uma pausa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sofro desse medo nem ansiedade. Um grande projeto é o mesmo, para mim, que um pequeno, pois ambos seguem os mesmos passos. A diferença, no entanto, é que em grandes projetos você depende dos outros, depende de fazerem a parte deles. Ainda assim, pode-se organizar o projeto de modo a que fiquem claras as atribuições e responsabilidades de cada um, de modo a reduzir essa incerteza. A procrastinação, por outro lado, me é velha e tentadora conhecida. Descobri, com o tempo, que a melhor forma de tratá-la é não estipular grandes metas, como escrever parte substancial do documento, por exemplo. Então, ao seguir essa metodologia de colocar uma ideia, ou preparar o terreno para ela, eu acabo não fazendo tanto quanto poderia, caso alocasse todo meu tempo para a tarefa, mas a teria começado e, quando vejo, muito já foi feito. Basicamente, é responder ao “amanhã eu faço” da procrastinação com um “mas, pelo menos faça isso, que é mais rápido”. Tem funcionado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Uma e dezenas. Como não escrevo do começo ao fim, eu acabo relendo várias vezes as partes já escritas, até para poder ter uma ideia melhor de como seguir na linha argumentativa. Ao final, dou uma última lida e pronto. Raramente mostro a outras pessoas, salvo, naturalmente, quando há coautores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Trabalho muito com tablet para leitura e marcação de trabalhos relacionados (geralmente em PDF). A parte de organização e escrita faço diretamente no computador, a partir dessas marcações feitas. Não uso papel, exceto para anotações rápidas sobre o que quero falar em seguida, ou sobre valores e resultados dos quais tenho que lembrar em pouco tempo, mas que não podem ser tratados no momento por eu estar no meio de uma linha de raciocínio.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Essa é uma pergunta verdadeiramente difícil. E a verdade é que não sei. Elas surgem, tão somente isso. Para que surjam, no entanto, tenho que estar relaxado. Então é útil trazer o problema à mente antes de dormir, ao tomar banho, ou quando estou esperando ser atendido em algum lugar. Isso funciona como dar um tópico à mente e deixar que ela trabalhe. Já tive boas ideias assim. Outro hábito que tenho é coletar informações diversas. Então assisto a documentários, filmes, leio livros, enfim, uma variedade de coisas não relacionadas ao trabalho, mas que podem gerar alguma conexão útil em minha mente. E é surpreendente com que frequência isso ocorre.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O processo ficou muito mais refinado. Essa técnica de fazer um esqueleto argumentativo do documento antes de começar a escrita foi desenvolvida depois de meu mestrado, durante meu doutorado. E a diferença entre ambos é perceptível. Então, se eu pudesse voltar, mais ao mestrado, porque no doutorado a técnica já estava em uso e o que veio depois foi refinamento de linguagem, eu diria a mim mesmo o que falo aos meus alunos: siga essa técnica e não tire coelhos da cartola. A primeira parte já discuti aqui, a segunda parte advém da escrita científica, e significa que não podemos fazer absolutamente nenhuma afirmação sem prover evidências para sua veracidade. Então, se você vai afirmar algo, ou fornece dados que apontem naquela direção, ou cita alguém que o fez. Isso é importante na escrita científica. Há muitos exemplos que vi de afirmações que realmente não tinham embasamento algum apresentado no texto: o coelho vindo da cartola.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto que trata de semântica de diálogos. Ele já começou, mas está muito embrionário. Esse é o grande projeto que eu quero fazer. Quanto a livros, nunca pensei nisso realmente. Científicos, gostaria de ler um “como sua mente funciona – versão for dummies”, ou seja, algo bem didático, com exemplos etc. Normalmente livros científicos escrevem para uma casta bem definida, que é composta pelos acadêmicos daquela área específica. O conhecimento deve ser livre, e para tal, há que se torná-lo acessível a outros. Em computação e matemática há uma série de livros que começaram, já há algum tempo, a fazer isso, mas é bem restrito a essas áreas. No campo da literatura, surpreenda-me. Vamos ver o que a criatividade alheia nos traz.