Ninfa Parreiras é psicanalista e professora de literatura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia com a rotina semanal de cuidados com minha vida e a rotina de trabalhos. Gosto de fazer granola, pão, chás, sanduíches. Tudo começa assim, com uma alimentação saudável.
Sou professora de literatura e ministro aulas, oficinas e palestras. Então, tenho compromissos ou estou planejando coisas. Inventando saraus, encontros e debates literários.
Também sou psicanalista e atendo alguns dias pela manhã.
Minha rotina começa às 05h30 e não paro antes das 22h.
A minha dedicação à criação literária não acontece na rotina diária. Sou levada a escrever por algum sentimento que me faz anotar umas primeiras linhas em caderninhos ou em papeis avulsos. Depois, passo a limpo e trabalho esses textos. Isso acontece de uma forma desorganizada, livre e rebelde. Por mais que eu tente me organizar, com pastas, caixas, etiquetas, mais minha criação me sacode. E bagunça uma (im)possível rotina de escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Posso escrever em qualquer hora do dia, desde que eu esteja mordiscada por algum acontecimento, por uma palavra, por uma sensação, pela fala de alguém, por um flash.
Não tenho ritual algum. Posso escrever numa fila de espera, no meu consultório, na minha mesa de trabalho. Quando o texto está no processo de ser lapidado, de cortar e substituir palavras, preciso do silêncio e da solidão. Adoro ficar sozinha, quieta no meu canto. Assim, as palavras chegam, brincam no papel e me convidam a brincar também.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo de acordo com aquilo que me afeta, que me toca. Não depende de mim, nem de um planejamento. Às vezes, um texto nasce com uma urgência que atropela um texto anteriormente vivo e sendo trabalhado. Sempre escrevo, sem muito controle e sem meta. Não me obrigo a escrever, nem planejo. A escrita acontece como uma necessidade e uma catarse. Preciso escrever sobre algo que está me engasgando. Quando materializo o sentimento, me liberto de algo sufocante. E aí é o momento mais prazeroso da escritura: burilar as palavras, mexer daqui e dali.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não conheço muito bem meu processo de escrita porque não tenho domínio sobre ele. Cada dia, sou surpreendida por um sentimento que grita ou cochicha e pede para ser escrito. Ou por um sentimento sem voz, sem nome.
Preciso escrever. Então, começar a escrever é quase um ritual terapêutico, para mim. O lapidar a escrita pode ser planejado para quando estou viajando, de férias, no mato. Transito na escrita com muita intimidade, apesar de já ter vivido processos dolorosos ao escrever.
Não costumo fazer pesquisas, até porque escrevo sobre coisas do meu mundo interior que ganham corpo na medida em que são traduzidas em palavras e ritmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso não me ocorre. Não tenho compromissos com editoras, nem com jornais, nem com leitores. A escrita é libertadora. Com isso, não tenho medo daquilo que publiquei ou postei. Não vou agradar nem desagradar a todos. Alguns temas que costumo abordar não são palatáveis e costumam criar polêmicas: morte, miséria, fome, injustiça desamparo, loucura, solidão, lixo, velhice. Já tentei escrever sobre outras coisas e não deu certo. Tentei usar o humor em alguns textos e ficou ridículo. Rasguei as coisas.
Sou muito tranquila quanto ao tempo, não me apresso, quando estou flutuando nas escritas.
Tive e tenho projetos com escritas para adultos, como livros de ensaios sobre literatura e psicanálise. Quando tem um calendário a cumprir, funciono com as datas assumidas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso umas dezenas de vezes. No início da minha carreira como escritora, em 2006, eu imprimia cada vez que ia ler e revisar. Comecei a ficar assustada com a quantidade (eram mais de 10 cópias de cada texto). Aproveitava as impressões como rascunhos, mas percebi que eram muitos rascunhos para uma breve vida. Diminuí a quantidade de vezes que imprimo (até três), mas mantive a quantidade de revisões. Isso me leva mais ao computador, quando releio em voz alta para mim mesma. Sou exigente com os textos a serem publicados e gosto de mostrar a pessoas da minha confiança que fazem comentários não elogiosos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma boa relação com a tecnologia, sem muito mistério no caso do trabalho com os textos. Meus textos nascem primeiro numa área em que não há palavras. Chegam como imagens borradas, de sonhos ou como cacos ou pedaços de coisas que não sei nomear. Quando ganham palavras, vão primeiro para o papel. Depois, alguma coisa segue para o computador. Nem tudo salvo em arquivos. Nem tudo será burilado e trabalho. Há texto que nasce para outro nascer e crescer e nunca será mexido por mim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias são da própria vida. Tudo que escrevo reflete e traduz o meu caminhar, a minha história, o meu tempo. Os sonhos e os pesadelos estão sempre rodeando minhas escrituras.
Não tenho hábito de nada em relação à escrita.
Tenho, sim, hábitos de alimentação e de bem viver – alimentos orgânicos, fitoterapia, meditação.
Quanto à escrita, acontece sempre de forma desordenada, surpreendente e livre. Não sei se me mantenho criativa, mas a vida sempre me surpreende.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que muita coisa mudou. Cada vez mais, burilo os textos: corto, tiro o excesso, vou podando, que nem no cultivo de plantas. Você tira as daninhas. Durante um tempo, elas são importantes, depois você vai as desbastando. Mantenho o estritamente musical e necessário.
Se voltasse à escrita dos meus primeiros textos (publicados), não faria nada de diferente, porque há 13 anos já fazia algo parecido com o que faço hoje: ler e reler infinitas vezes, cortar, tirar, passar a limpo. E ter paciência com o texto que será publicado. É como a lapidação de uma pedra ou a escultura de uma tora de madeira.
Guardei muitos e muitos anos os textos nas gavetas. Quando as abri, não tinha volta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os livros que eu gostaria de ler existem sim. Estão nas minhas listas de desejos.
Sobre projeto que gostaria de fazer e não começou: não tem. Costumo por os projetos em prática, na medida em que os sonhos chegam. Nem tudo acontece, claro. Aí nascem outros sonhos, outras estações, novos encontros (ou reencontros) e as coisas vão rolando assim.