Neide Graça é escritora, bibliotecária e coordenadora do Projeto Casa Verde de Incentivo à Leitura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende muito da agenda do dia. Além das aulas e escolas tem os projetos de mediação de leitura com idosos e incentivo à leitura com crianças em andamento que necessitam de um tempo de dedicação. A única rotina matinal é a leitura do jornal, em papel, um jeito de não embarcar nas redes sociais desde cedo. Como a vida retratada nos jornais anda muito difícil outra rotina é começar a ler sempre pelo caderno de cultura.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se eu puder escolher opto pela manhã. Mas como nem sempre isso é possível só procuro evitar a noite porque acho que rendo menos. Um ritual para a escrita propriamente não tenho, apenas reúno as anotações espalhadas pelos cadernos blocos e folhas soltas e vou à luta.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Adoraria poder cumprir uma meta de escrita diária. São muitas as atividades que concorrem com a escrita. Se bem que a maioria está ligada a literatura. A mediação de leitura com idosos utilizando literatura infantojuvenil é atividade aparentemente inusitada, mas muito interessante e que traz muita satisfação. Já a atividade de incentivo à leitura com crianças além de reafirmar minha formação profissional de bibliotecária me confronta diretamente com as necessidades do público para quem escrevo. Laboratório necessário para quem pretende chegar aos interesses deles. No final o que acaba acontecendo sempre é a escrita acontecer em períodos concentrados em função de possibilidades e prazos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende! O ideal é fazer uma boa pesquisa antes de começar a parte escrita. A parte da pesquisa, no meu caso, consome muito tempo. E às vezes alterna com a escrita do texto. Isso é bom, mas às vezes é péssimo. Já mudei muitos caminhos dos textos por conta de uma descoberta muito interessante e nada a ver com o que pensei no começo. O quebra cabeça entre o que você imaginou e as informações encontradas dão muitas vezes um novo caminho para o texto. O grande desafio é tudo parecer parte da história. Eu, atualmente, não só escrevo para crianças, mas também faço, com esses livros encontros com elas nas escolas e isso é inspirador. Procuro sempre deixar em aberto as histórias para dar a elas, crianças, a possibilidade de embarcarem junto com os personagens. Vejo nesses encontros que as soluções que elas encontram, são na maioria das vezes, muito interessantes e surpreendentes. E isso vai fortalecendo as próximas histórias. Da pesquisa para a escrita procuro ter o máximo de informações antes de iniciar a escrita. É o ideal, mas nem sempre é assim. Esse começo não é muito difícil, a questão são as reviravoltas que acontecem no decorrer do texto. Às vezes surge uma informação que atropela e altera um dado que eu achava que tinha a maior certeza. Isso é o bom de escrever para criança temos que evitar a todo custo a chatice e a informação incoerente porque vamos ser cobrados lá na frente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É muito complicada a sensação de achar que não se vai conseguir chegar a algum lugar. Expectativas, medos e ansiedades, sempre há, mas com o tempo isso vai amenizando. Mas tudo isso faz parte e nessa hora ter prazos ajuda a driblar algumas dessas questões.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes. Em alguns casos tem a temporada de ficar na gaveta e é muito interessante ver esses textos com novos olhos depois de um tempo guardado. Embora escreva a partir de uma exigência pessoal é muito importante o olhar de outras pessoas sobre as histórias criadas. Tenho um grupo bem especial de pessoas que fazem o importante papel do leitor final antes do livro chegar até eles. Além disso, para minha sorte, tenho uma revisora com uma formação tão especial que posso contar com ela para discutir os destinos dos personagens.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É totalmente incoerente. Apesar de utilizar todas as novidades tecnológicas o meu texto é sempre feito à mão. No momento seguinte utilizo o computador para passar a limpo, mas aí novamente faço correções à mão e fica esse círculo vicioso. Para mim a escrita à mão funciona como um auxílio às ideias. Falei que era incoerente!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de muitas situações e principalmente da observação das coisas da vida. Mas, para mim acho que vem principalmente do contato que tenho com as crianças. Elas são fontes inesgotáveis de simplicidade e isso nos acorda para nossas desnecessárias complicações. As técnicas são boas e necessárias e ajudam muito na escrita. Mas, não tem como escrever para crianças sem prestar atenção no mundo delas. E isso para mim é um hábito para o qual eu me dedico e muito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O meu processo atual é muito mais descomplicado. Meu conselho seria que a simplicidade pode sempre ser um bom caminho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Seria na verdade dar continuidade aos projetos atuais de mediação e incentivo à leitura a que venho me dedicando nos últimos anos. E o que eu mais gostaria mesmo seria poder unir esses dois projetos (com idosos/crianças). Ambos utilizam a literatura infantojuvenil e mostram que o formato lúdico das histórias atende igualmente aos dois segmentos.