Nayara Noronha é escritora e professora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sou uma pessoa matutina. Acordo bem cedo (gatos!) e gostaria de fazer tudo na parte da manhã. Assim que acordo, leio um pouco enquanto tomo café da manhã, às vezes só uma ou duas páginas, outras perco a hora dentro da história. É comum também eu sair para fazer alguma atividade física – correr na rua ou nadar – logo após o café e só então, meu dia produtivo começa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na parte da manhã, após leitura, café e endorfina, é quando irei melhor me concentrar, mas nem sempre consigo me sentar nesse horário para trabalhar na escrita. A verdade é que escrevo quando é possível. De modo geral, não tenho nenhum ritual de preparação para a escrita, talvez uma xícara de café (com um docinho) ao meu lado me dê mais ânimo para escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei impor uma rotina de escrita do tipo escrever todos os dias e até funcionou por um período, mas acabou ficando insustentável com as outras demandas da vida. Quando estava no processo de escrita do livro “filha”, já na fase de imersão na história – quando não conseguia pensar em mais nada além das personagens – eu escrevia em todos os momentos livres. Era maravilhoso! Mas a cobrança de escrever todos os dias não me faz bem. Acho importante estar em contato com a literatura todos os dias, seja por meio de leituras, rabiscar ideias, copiar trechos de inspiração, escrever uma frase, porque a história começa a ser escrita na minha cabeça, muito antes de ir para o papel.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou a maluca dos caderninhos. Tenho vários cadernos espalhados pela casa, no trabalho, na bolsa. Escrevo tudo à mão antes: ideias, voz narrativa, personagens, pesquisa de informações, cenas possíveis. Quando chego na fase de passar a história para o computador, é porque já escrevi muito à mão para maturar a narrativa. Então, meu processo é rabiscar no papel, várias e várias vezes a mesma ideia para só depois reescrever no computador. Tenho muitas ideias começadas, o que acho difícil é dar fim a elas. Muitas vezes acho “genial” a ideia e quando começo a escrever mais sobre, vejo que não irei conseguir sustentá-la numa história e abandono por um tempo. Minha pesquisa para escrita é movida pelas leituras que faço. Sou a pessoa que não só risca os livros, como compilo trechos em cadernos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tendo bons amigos por perto. Em todos os momentos que duvidei de mim, tive alguém para me apoiar, me consolar, me mostrar outro caminho. Falar sobre meus medos, angústias, sabotagens, procrastinação com outras pessoas tem sido a melhor maneira de lidar com isso. Além disso, sou pragmática. Faço listas, esquemas de cenas, descrição dos personagens, e quando mesmo assim, a escrita não sai, desisto e vou ler. Uma hora, sei que vou voltar para a escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes, até enjoar. Mostro meu trabalho para outras pessoas – amigos e profissionais de leitura crítica – normalmente são elas quem me dizem que o texto está pronto. Por mim, fico revisando, revisando, revisando. Sempre é possível melhorar, porém, tem uma hora que é preciso “se livrar” da história para dar espaços para outros projetos. É nesse momento que o texto está pronto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não sou uma pessoa tecnológica. Não estou por dentro de quase nenhuma novidade digital, não faço anotações em blocos de notas no celular, não tenho twitter, raramente ouço podcast, meu smartphone é um modelo básico que uso para mandar mensagens, e-mails e, vez ou outra, fazer ligações. Computador para mim é uma ferramenta de trabalho e só escrevo no computador depois de ter rabiscado muito à mão nos meus cadernos. Adoro uma folha em branco, canetas coloridas e um lápis bem apontado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm das leituras que faço, das histórias que ouço, das pessoas que observo. O principal hábito que cultivo é ler todos os dias. Carrego um livro ou o kindle para onde vou, mesmo que não vá conseguir ler naquele momento, só para aquela história me fazer companhia. Depois que comecei a escrever, tenho tentado prestar mais atenção à minha volta. Ando pela cidade “caçando” personagens e se você observar bem, há vários por aí.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu olhar para editar e reescrever ficou mais apurado, hoje tenho menos medo de escrever frases ruins, porque sei que não terei dó de cortá-la. Meus primeiros textos foram impulsos importantes para me dar coragem de assumir meu desejo de ser escritora. Escrever, escrevo desde pequena, mas colocar o texto para o outro ler é diferente. Então, os primeiros textos até poderiam ter sido mais bem escritos, mais editados talvez, mas eles cumpriram sua função de me dar coragem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de fazer um projeto em que a cidade seja a protagonista da história. Uma das coisas que mais gosto de fazer é andar pela cidade e vejo o quanto ela é viva, o quanto de histórias estão escondidas nas esquinas, só não consegui ainda encontrar uma forma de contá-las – mas espero um dia conseguir. Às vezes tenho a impressão de que tudo já foi escrito, só ainda não chegou até mim. Antes eu me angustiava por não ser capaz de ler tudo que gostaria, hoje, sei que nunca me faltará uma nova história, seja para ler ou para escrever.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.