Nathalie Brandes Lourenço é escritora e publicitária.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu sou um pouco caótica para falar a verdade. Trabalho simultaneamente em diferentes projetos, abandono, retomo, abandono novamente e assim por diante. De certa forma, é interessante para mim ter várias possibilidades e pular de uma para outra conforme minha vontade no momento. Tento muito aproveitar os picos de empolgação. Eu acabo produzindo de forma não tão constante, e sim em pequenos saltos de produtividade, quase como se fosse acumulando ideias e material para depois em poucos dias dar forma e organização a um projeto. Há projetos que ficam sempre abertos no meu computador, onde vou visitando e adicionando conforme a oportunidade aparece. Normalmente uso o tempo da noite para escrever o que exige mais concentração.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Costumo ter uma ideia rascunhada na cabeça antes de começar a escrever, mas não muito detalhada, uma situação, um lugar, um acontecimento, um tom. Aos poucos começam a aparecer pra mim detalhes que sei que quero incluir na história e vou anotando. Mas a maior parte dos detalhes vai sendo construída no momento de escrever, e muitas vezes o rumo muda do que era pretendido inicialmente, quando detalhes que surgem no processo de escrita começam a se amarrar e formar novos padrões e significados dentro do texto e ganhando importância. Acontece também de surgirem mais e ideias e então revisitar o que está escrito e readequar dentro daquele novo ângulo.
Eu gosto muito de primeiras frases e, para mim, muitas vezes a primeira frase surge antes e contém já em si toda a cadência e o fio por onde a história vai seguir. Acho a última frase mais difícil, às vezes ela fica explicadinha demais, certinha demais. Foram vários os contos meus em que acabei cortando a última frase antes de publicar.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Quando quero escrever “a sério”, gosto de estar concentrada, não necessariamente em silêncio. A música pode ajudar a dar o clima e o ritmo na hora de escrever. Não tenho uma rotina muito firmada. Às vezes tenho uma ideia do tipo de contos que quero no livro e vou escrevendo aos poucos quando tenho oportunidade e juntando. Gostaria que fosse um hábito constante, mas a escrita para mim acaba acontecendo através de períodos espaçados de produtividade.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Prazos são amigos nessas horas. Participar de uma oficina, de um projeto em parceria com amigos, de uma chamada para edital, estabelece uma data e fica mais fácil focar no projeto e se nortear. Quando me sinto travada, não luto. Na verdade como tenho diferentes ideias e projetos de diferentes tipo em andamento, acabo pulando do que está travado para outro que no momento pareça fazer mais sentido. Quando estiver pronta ou uma solução aparecer para o trecho onde estiver travada (as soluções teimam em aparecer quando a gente para de ficar procurando), posso voltar àquele texto específico. A literatura tem seu tempo próprio, é possível parar, voltar, retomar, reescrever, isso não precisa ser um empecilho.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Há um conto que está na coletânea de ficção fantástica Mundo-Vertigem, “Nunca é só mussarela”, que foi escrito e reescrito umas 4 vezes. Isso porque comecei a digitar sem rumo certo e aos poucos, conforme a história ia se revelando, precisou ser remoldado algumas vezes e depois ajustado mais algumas após receber opiniões de escritores em que confio. Eu costumo fazer ajustes, acrescentar cenas, fazer cortes, mas geralmente não de forma tão radical quanto neste conto. Acho que de todos os textos que escrevi, meu favorito é o conto Inventário de Dores, que está no livro Morri por Educação.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Eu escolho algumas linhas gerais que governam aquele conjunto de contos, pode ser o tom, pode ser um tipo de situação que os personagens estão passando e assim por diante. Na minha obra sempre aparecem muitas relações familiares e interpessoais, e isso acaba surgindo ainda que não seja o tema principal daquela história específica. Não tenho em mente algum leitor ideal, mas sim qual sensação quero evocar com aquele conto, e escrevo perseguindo este efeito.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Geralmente depois de ter uma primeira versão do conto concluída, ou do trecho. Acredito que é difícil para as pessoas opinarem em algo que não está muito fechado ainda. Tenho alguns amigos que fazem esse papel, amigos próximos que são bons leitores ou ex-colegas de oficina, além do pessoal do Coletivo Discórdia – do qual participo, com quem sempre divido os originais antes de serem publicados. Isso é bacana pois conto com diversos pontos de vista e assim é mais fácil encontrar e consertar pontos cegos.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu sempre gostei de escrever, mesmo que fosse apenas uma brincadeira entre amigos ou mais tarde em um blog, mas de uma forma muito despretensiosa. Comecei a encarar com um pouco mais de seriedade, a partir do momento em que comecei a frequentar oficinas e a conhecer outros escritores. Ali foi quando uma “chavinha” virou e, vendo a trajetória de outras pessoas, consegui enxergar que seria possível construir a minha.
Acho que gostaria que tivessem falado do valor de simplesmente seguir fazendo, que aos poucos, quando a gente não desiste, vai se formando uma rede de leitores, oportunidades surgem.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Eu acho que parte do que encaro como meu estilo são coisas que vêm de forma bastante natural para mim, por exemplo, uma espécie de humor ácido, misturado com situações desconfortáveis. Outras são mais trabalhadas, como a busca por descrições que tragam algo de diferente, um termo mais extravagante que possa trazer uma quebra numa frase ou um ritmo de leitura que flua bem.
Um dos autores que sempre me impressionou foi o Cortázar, e acho que certo gosto por frases e personagens absurdas bebem um pouco dele, especialmente do Histórias de Cronópios e de Famas. Sobre autoras, me lembro de ter ficado impressionada desde cedo com os contos da Lygia Fagundes Telles.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Gostei muito do Querida Konbini, da Sayaka Murata que é um livro muito ágil e com uma personagem deliciosamente fora da curva e também recomendo muito o Se Deus Me Chamar Não Vou, da Mariana Salomão Carrara, que traz tristeza, leveza e humor combinados de forma linda.