Nathalia Bezerra é alagoana, fotógrafa e escritora desavisada.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
escrevo estas respostas em tempos de quarentena. e por aqui já faz quarentena há mais de um ano. então a resposta de como meu dia começa é um tanto diferente do que eu provavelmente responderia há dois ou três anos passados.
minhas rotinas matinais às vezes tem se confundido com as rotinas noturnas: quando viro as noites em silêncio procurando por coisas sem nome, por paisagens, por soluços, por anseios. tem dias que vejo o sol nascer. tem dias que durmo até o outro dia, quase na hora do almoço. não me apetece muito ter uma rotina fixa em toda parte do tempo. mas quando as tenho, gosto de começar o dia com um café sem açúcar. acho que fora isso, principalmente nesses últimos meses quarentenada, o que se aproxima de rotina matinal tem sempre se aproximado de dias muitos parecidos uns com os outros. pra tentar fugir um pouco dessa rotina que já não existe como antes, que já não é igual à nada. uma coisa que percebi que tenho feito matinalmente é escrever, logo cedo, antes até de levantar. tem dias que acordo e escrevo trechos de coisas que sonhei. comecei a dormir com os cadernos do lado da cama e é até engraçado notar que realmente nos últimos meses isso passou a acontecer: preciso escrever um pouquinho pra me sentir acordada. pra sentir que ainda tem algo minimamente real no meio desse irreal que a gente vive. acho que vivo em desrotina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
começando da segunda pergunta pra primeira, eu acho que se eu ritualizasse minha escrita eu pararia de escrever. uma das coisas que mais gosto é de não ter ritual algum e dessa escrita que vem me atropelando, me estabacando no chão, me fazendo ralar os joelhos. eu gosto do fato da escrita me vir de repente, no susto. me dá um supetão e são nesses intervalos entre uma escrita e outra que me sinto viva. e acho que sentir-se viva, nessas alturas, é coisa demais. talvez o que eu tenha mais próximo de um ritual seja precisar chegar na borda fina da angústia pra movimentar algo que me mova a escrever. acho que meu ritual de escrita é a queda: é ralar os joelhos, torcer os dedos das mãos.
acho que não tem nada que me prepare pro susto que é sair um texto escapando pelos dedos. algo desse súbito, desse espaço que vai engolindo e me engolindo as palavras. tenho pra mim que escrever passa tanto tempo corpo que não se faz isso de forma antecipatória, sabe? eu preciso passar pelo silêncio. eu preciso passar de tempos em tempos sem escrever absolutamente nada: porque quando me vem a escrita, vem com todo peso do meu corpo. é uma das experiências mais trágicas e mais bonitas que eu já pude vivenciar. essa mesma, a de espremer e tentar jogar alguma coisa nesse mundo. vou contar uma história de quando eu comprei um livro na rua do sol, aqui em maceió. comprei no alfarrábio (costumam chamar de sebo também) e lembro de ter ido com meu avó ao centro da cidade, eu tinha uns quinze anos. e vovô disse que ia me dar um livro de presente e eu lembro de abrir um livro em uma página que dizia: “o que escrevo me escreve”. nunca esqueci disso, apesar de não lembrar que livro era ou quem a escreveu. acho que essa história de falar de ritual me fez lembrar que talvez seja algo contrário: eu não ritualizo minha escrita, mas tem algo nessa escrita que parece que, de certa forma, se ritualiza em mim. acho que escrever, por si, é um manifesto sobre a breguice de tentar, sem sucesso, fazer alguma coisa com palavra mesmo sabendo que isso escapa o tempo inteiro.
até nessa entrevista demorei a te escrever porque não sei sentar pra escrever. me dá uma preguiça. eu escrevo aos súbitos, aos espaços. eu vou escrevendo e respondendo às perguntas devagar e eu acho que isso é até outra coisa que eu acho que me encanta ao escrever: eu gosto mais de pergunta. escrever resposta à qualquer coisa dá um arrepio, um aperreio, um frio na barriga. sai escrevendo em dias espaçados porque também é uma sensação esquisita essa de responder perguntas porque geralmente eu escrevo mais perguntas do que respostas. acho até que vou te responder perguntando, mas perguntando a mim mesma. escrever acho que tem um pouco desse enigma. pra mim, foi um verdadeiro vaievem esse de escrever a entrevista. acho que é por essa mania de não sentar pra escrever de algo que eu sei. eu escrevo mais do que eu desconheço, escrevo mais do que não sei. a resposta a uma pergunta parece tá mais perto de algo do que se sabe, ou do que se imagina saber, e acho que talvez algo disso me deixa escapar as palavras ou passar por um buraco que desliza ou que me assombra, de alguma forma.
e acho que é por essa mesma coisa, de deixar as coisas escaparem ou deslizarem que eu gosto um tanto de escrever as coisas de madrugada. ou ainda no intervalo entre o final da tarde e o comecinho da noite porque acho que no fim das contas eu gosto da ideia de escrever nessas passagens: entre começar o dia ou começar a noite. acho que tem alguma fronteira nessas passagens do tempo que me deixa mais atônita e sinto que trabalho melhor. seja com a fotografia, também, que é um outro trabalho que faço. que veja só: também se faz nesses horários de luz e de sol. gosto de trabalhar nesses horários que são ora silêncio, ora contemplação, ora desespero de ver o dia já se acabando, ora o anúncio de que tem ali algo começando e começando, de novo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
não escrevo todos os dias. não de forma planejada. se eu passo por períodos de escrever todos os dias, é por acidente, por angústia ou por amor. o que me acontece é, do contrário: passar alguns períodos sem escrever, em silêncio. como se fosse preciso me recuperar do choque do contato tão abrupto da palavra com o corpo, dessa coisa que me atravessa. acho que eu posso tentar descrever essa cena como um choque. como se cada vez que eu escrevesse precisasse passar por uma descarga elétrica e precisasse passar por tempos sem sentir os dedos pra voltar a colocar o dedo nas tomadas, pra levar outros sustos, pra sentir o choque eletrizando o corpo de novo. tem vezes que teimo e deixo a sensação me arrepiar os cabelos por mais tempos. e geralmente quando isso acontece, eu repito de novo: que é por angústia ou por amor.
escrevo pelos espaços. passo tempos sem escrever, tempos escrevendo. sem previsão, sem data de retorno. acho que escrevo em períodos desconcentrados. talvez eu passe mais tempos sem escrever do que escrevendo. nunca parei pra pensar muito sobre isso. acho que a minha meta diária, ou de-área de escrita, é quando já não sei o que dizer. nunca sei, mas eu só paro de escrever naquele dia quando sinto um certo esvaziamento, um certo esgotamento. não que acabe ou que esgote, mas é como se chegasse a um apaziguamento de alguma coisa desconhecida. talvez a meta seja não chegar em lugar algum.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
meu processo de escrita é assim da mesma forma como te escrevo aqui e agora: caótico, confuso. espaçado pelo tempo. distraído no meio de memória, de vácuos, de oscilações, de espasmos. eu gosto de escrever fazendo outras coisas ao mesmo tempo, ou no cantinho dos cadernos, ou nos livros que leio.
não compilo nota alguma: a escrita vai contorcendo, me corroendo. habitando. inhabitando. inabitando. inabitável. te contar que não costumo pensar antes da escrita, nem durante. talvez só depois. acho que talvez tenha a ver também com a forma como eu escrevo: que eu não costumo reescrever. eu nunca sei o que escrevo até que esteja ali, escrito. e eu fecho o caderno e deixo do jeito mesmo que está e daquele mesmo jeito fica.
às vezes o que acontece é de anotar alguma frase que me passou, alguma sensação, alguma memória que ficou ali guardada quase esperando que eu volte a deitar sobre elas. acho que o movimento que faço da pesquisa pra escrita vai passando pelo cotidiano: pelas coisas que vejo, pelas pessoas com quem me relaciono, pelos filmes que assisto. pelas histórias que eu escuto. pela disponibilidade, talvez, de esticar o corpo ou a memória do corpo por outros lugares, outros tecidos, outras memórias. eu gosto de escrever quando sinto que tem vida pulsando. talvez seja isso que me mova a escrever, ou a experimentar alguma coisa que passa pela arte ou pela literatura de alguma forma. te contar que escrever sobre escrita é uma das coisas mais difíceis que já fiz.eu escrevo talvez pra livrar-me [ou pra espaçar em algum lugar esse ossso que passa pelos vasos. o osso da escrita ou da palavra que fica estalando por dentro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
quando a escrita trava, eu paro de escrever. eu não gosto da sensação de ficar procurando palavras demais onde não vêm, onde não tem. eu espero que elas venham. me sinto como se tivesse catando ou como se fosse uma passagem ou, como um livro que eu li que dizia algo sobre escrever como uma impressora: traduzindo. imprimindo algo ali antes de ter tempo de processar alguma coisa. eu lido com as travas na escrita travando-a, também. que nem um trava línguas em que a gente se embola e fica tentando repetir as palavras sonora e repetidas vezes pra tentar encaixar em algum lugar. eu guardo a língua e espero coçar de novo.
por diversas vezes eu já tentei fugir da escrita ou da literatura. já tentei achar que não tinha muita coisa pra dizer, já me peguei relendo textos antigos com a quase convicção de que não adiantava: eu não sabia escrever direito e nada daquilo era tão bom assim. mas acontece que eu não sei fazer de outra forma. eu não sei olhar para as palavras todas juntas ou separadas na minha frente sem esperar pelo hiato ou pelo abismo que se forma diante dessa tentativa indigesta que é a escrita.
eu já tentei por diversas vezes achar que escrever não era pra mim. e não é mesmo. acho que ninguém sai ileso/a da ideia da linguagem e da força com que o susto o supetão o absurdo ou o pontapé coloca na beira de um esforço.
ainda não tenho projetos longos e não sei o que fazer com a procrastinação ou com o medo. talvez não ainda. acho que também tem alguma coisa disso tudo que, por movimentar uma certa angústia, me leva a escrever. costumo escrever angustiada, e nem sempre isso é algo bom. às vezes é uma forma de tentar lidar com as coisas que não sei o que fazer com elas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
é engraçado porque eu não costumo revisar os textos. e nem trocar palavras, e nem reescrever, e nem trocar as coisas de lugar. talvez eu tenha me acostumado tanto a escrever pra mim que as deixo naquela linguagem meio atropelada, sem vírgulas e sem jeito. quando escrevo textos acadêmicos, por exemplo, me custa alguns tempos até revisar, até contorcer de novo. porque é como se a escrita viesse de um jeito tão visceral, tão meio do lado de fora, que me sinto um tanto desnorteada em mexer em algo que nem sei de onde veio. sinto que lentamente é um processo de também me permitir de cutucar um pouquinho, de futucar mesmo.
até então, costumo mostrar algumas das coisas que escrevo pra pessoas próximas. não mostro tudo e nem todas as coisas. acredito que tem coisas que se escrevem em segredo, tem coisas que se escrevem em estrangeiro e tem aquelas coisas que se escrevem e só se contornam quando estão no mundo, por isso ultimamente tenho descoberto, também ainda de forma muito lenta, sobre como compartilhar o que se escreve tem uma potência que eu antes não conhecia. conheci recentemente, quando passei a publicar meus textos no meu perfil do instagram, que também é de fotografia. não sei ainda quais caminhos vão se desenhar, mas talvez eu passe a publicar também em outros espaços. quem sabe um dia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
escrevo com o que tiver. perdi as contas de quantos escritos tenhos espalhados: nos blocos de notas dos celulares que tive, em guardanapos ou papéis amassados, nos cadernos e cadernos que tenho (e os guardo todos), nas aquarelas que pintei (todas são escritas). nos autorretratos de quarentena. geralmente eu prefiro escrever à mão mesmo, por esse tanto de coisas que escrevi um pouco antes de sentir isso tudo com o corpo. eu acabo escrevendo com o que tiver primeiro na minha frente primeiro. então acaba que fica um pouco no computador, um pouco no bloco de notas do celular, um pouco nos meus vários cadernos. uma coisa que mudou um pouco minha relação entre fotografia e escrita foi quando, com a pandemia e os confinamentos, comecei a fazer alguns autorretratos. e não sei se pela experiência de angústia, de desamparo ou de não ter o que dizer no meio disso tudo que eu comecei a escrever também em cima das fotografias. talvez isso tenha mudado um pouco minha relação da escrita com o digital: porque tinha vezes que eu começava a escrever na foto e passava pro papel, às vezes começava no papel e depois ia pra foto, às vezes começava a digitar o texto e só terminava quando cabia na fotografia. foram vários atravessamentos nessa outra forma de escrever e acho que algum ponto disso que se misturou com a imagem tem sido, também, uma experiência possível.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
giro e giro pra tentar te dizer de onde vêm as ideias pra escrever, mas acho que acabo escrevendo só sobre amor ou angústia. ou as duas coisas juntas, porque não acho que se separam em algum lugar. mas quase sempre o que me mobiliza é não ter o que dizer ou por amar as coisas, as pessoas, as sensações. às vezes vira uma coisa só, escrever angustiada ou escrever amando. escrevo, talvez, por amar a angústia e por me angustiar com o amor. escrevo pra tornar a angústia possível, o amor impossível, a angústia impossível, o amor uma possibilidade. eu tenho ideias pra escrever nos encontros: no desaviso, no sobressalto. de quando eu sinto o espanto. e acho que viver se espantando tem também seu desgaste, tem também sua dose de insuportável. talvez por isso que pra manter algo de uma criatividade se movimentando, eu preciso ver a vida circular. lugares cheios de gente, lugares vazios de gente. barulho da cidade, conversa de corredor. ouvir histórias. ouvir muitas histórias, onde forem possíveis. e contar histórias também. eu gosto de andar nessa cidade quente, de sentar na calçada. de jogar conversa fora. tenho pra mim que preciso sentir sopros e sopros de vida que ficam escorrendo pelos lugares pra sentir que é possível escrever, pra sentir que tem vida acontecendo, pra sentir que tem pulsão.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
eu poderia dizer que não muita coisa, mas às vezes eu acho que mudou tanto que não consigo mais perceber a diferença. a escrita dos meus primeiros textos eu lembro que foram feitos com uma caneta feia verde em uma diagonal com letras escritas de forma rápida, latente. eu não lembro do que o texto falava, mas eu lembro que ocupava algumas linhas atravessadas na transversal esquerda de um caderno de linhas azuis. essa imagem ficou gravada pra mim, porque depois disso eu só usei e uso cadernos sem linhas: porque quando me vem vontade de escrever, as coisas saem curvas, soltas, tortas. meio mortas, até. se eu pudesse voltar pra escrita dos meus primeiros textos, seria pra me dizer que não existe fuga possível. que é pra escrever e escrever tudo, e escrever nos lugares e nas coisas onde eu puder fazer isso porque eu não sei se tenho tanta coisa pra jogar no mundo além disso (ainda bem). eu diria pra escrever incansavelmente ou até cansar, o que acontecer primeiro. pra depois começar de novo porque uma das coisas que eu mais gosto, também, é justamente o fato de não conseguir dizer tudo. talvez por isso que ainda teimo tanto.
tenho muitos vícios de linguagem, muitas palavras e coisas que se repetem, pouco hábito e poucas regras. mas acho que se existe alguma coisa que tem mudado na forma como eu escrevo, de uns tempos pra cá, é escrever com fúria. com fúria, não com raiva. eu gosto dessa palavra porque ela rasga a boca e parece com palavras que dizem de um certo ímpeto em desalinhamentos. e acho que eu tenho preferido essa sensação. de escrever com a urgência de quem tem algo a dizer que não se sabe o que é: e eu escrevo com fúria pra ver se descubro e me assusto, sempre com espanto, quando eu vejo que não esperava escrever nada daquilo. eu escrevo por esses espaços que se formam entre dois vazios do que não sei o que fazer. e ainda bem. ainda bem que eu não escrevo todos os dias porque escrever tem das suas doses de insuportável. seria um horror. eu não sei quase nada do desespero de ter sempre alguma coisa a ser dita, a ser escrita. escrever é quase uma desgraça, eu até diria. escrever chega perto de uma quase-morte e talvez por esse quase – que eu me lembre da vida. que eu escreva enquanto me houver vida, então.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
escrever talvez seja um projeto inacabado que vai me acompanhar pela vida. talvez eu já tenha começado em algum ponto, mas é algo que eu espero nunca terminar. acho que viver de escrita é algo que, pra mim, vai ser sobre correr riscos. e correr o tempo inteiro. acho que é o mais próximo de projeto ou de coisa não começada que tenho. tenho bastante vontade de fazer isso que tô fazendo agora: colocar palavra-e corpo no mundo. de encontrar formas, cavar espaços, fazer alguns buracos nessas frestas que vão sendo abertas e em convites como esse, que convidam a falar dessa coisa tão difusa, tão alarmante, tão tectônica que fica me colapsando que é a escrita. é um choque o tempo inteiro, e que bom que é assim. porque dá pra sentir os ossos, dá pra sentir que respiro. dá pra sentir as palavras, pra decompor as letras. pra misturar lá com ca bê com cê: os sons, as risadas, os fonemas, os pedaços de histórias que escutei.
o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe? não sei. possivelmente se algum dia existir se pareça com um sonho. eu acho que todo livro, até os que estão escritos, talvez cutuquem a existência. eu gosto da ideia de que quando se escreve algo, não tem jeito: é uma história a ser contada petrificada na tua frente. o que fazer com isso, pra onde ir, onde colocar os murmúrios ou esses lampejos breves de silêncio? eu não sei. e das belezas do não saber, uma dela toca talvez exatamente nesse lugar: de fazer um espaço para o que ainda não existe. o espaço das coisas que ainda não se criaram e que, com palavra, dá pra fazer um contorno, uma ponte, uma zuada.
vou repetir uma frase que me ficou ecoando. é de barthes, no prazer do texto, quando ele fala que “escrevo porque não quero as palavras que encontro: por subtração”. acho que acredito muito nisso também. é procurar o que dizer, é não querer as palavras. é arrodear sem parar em torno do que não existe, e acho que é coisa de linguagem mesmo passar pelo impossível. talvez por isso que escrever e continuar escrevendo é tão necessário, na mesma medida em que é insuportável. insuportavelmente necessário.