Natalia Timerman é médica psiquiatra e escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia escutando o choro do meu filho mais novo e olho no relógio. Se é antes das cinco, o pai dele vai niná-lo; se é depois, eu levanto sonada e vou até o quarto onde, de pé no berço, ele estende as mãozinhas para mim. Sento na poltrona, ele aninhado nos meus braços, e dou de mamar. Tento voltar a dormir, o que acontece raramente; na maior parte das vezes, repasso na cabeça o dia que vem pela frente, preparar o lanche do meu filho e do meu enteado, sair rápido para ninguém se atrasar, não esquecer de pegar isso ou de colocar aquilo na mochila do bebê, quais pacientes mesmo atenderei no consultório ou se havia semana passada algum paciente grave no hospital que precisarei reavaliar hoje. Depois disso tudo, enquanto meu bebê ainda mama, penso que, se algum paciente faltar, ou se não pegar muito trânsito, ou se almoçar mais rápido, conseguirei escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor de tarde, mas dificilmente tenho as tardes disponíveis para escrever. Se for aguardar o momento ideal, não escreverei nunca. Então escrevo quando dá: de noite, de manhã e principalmente aos finais de semana. Quando posso, abro mão de programas com a família e amigos para escrever. É um dilema frequente, ir ao aniversário ou ficar em casa para sentar diante do computador? Minha vida acontece na oscilação entre expansão e recolhimento, e talvez esse equilíbrio fugidio seja o lugar da escrita. Talvez todas as vidas aconteçam no meio dessa escolha constante, dessa instabilidade.
Se eu pudesse ter um ritual de preparação para a escrita, ele seria algo como tomar um banho, ler por mais ou menos uma hora e depois, aquecida, concentrada, me sentar diante do computador, longe do celular, sem internet, e escrever por algumas horas. Como não disponho de tanto tempo, escrevo quando consigo uns minutos para me fechar no quarto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias porque, pelas escolhas de vida que fiz e sigo fazendo, como ser mãe, trabalhar com algo que me exige e me alimenta, ter uma família, nem sempre posso dispor dos meus dias como gostaria. Se me perguntassem hoje, aos 37 anos, o que você quer ser quando crescer, eu repetiria a resposta que dei aos 8 para a mesma pergunta: escritora. Sonho com o momento em que, meus filhos já crescidos, uma folga financeira permitindo menos trabalho, eu possa ter um tempo diário dedicado à escrita e à leitura. Talvez este dia nunca chegue, mas quero ainda assim poder me reconhecer como escritora. Sei que, ao longo das épocas, poucos escritores se dedicavam exclusivamente a isso: escrever, escrever literatura nunca foi o ganha pão de ninguém. Para mim, ser escritora tem mais a ver com a necessidade de escrever, uma necessidade vital, que com a quantidade de tempo dedicada. Quando a semana me traga e eu passo dois, três, quatro dias sem escrever ou até mais, me sinto perdida, sem eixo, questionando as escolhas que fiz. Quando leio, quando escrevo, algo se organiza em mim, algo essencial. Fico em paz, tudo parece estar no lugar certo. O silêncio de uma tarde em que é possível me recolher na leitura e na escrita é o contraponto de toda a estridência das tarefas, o coração mudo dos dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ando com vários cadernos espalhados por aí, e na falta de um, quando vem uma ideia, uma frase, anoto no celular. Às vezes uma única sentença é suficiente como disparo de todo um texto; noutras, em sentido contrário, uma ideia atua como objetivo organizador e, para se chegar até ela, a escrita acontece, percorrendo o caminho que ela mesma inventa. Alguns textos pedem várias ideias como estrutura que o escrever vai, depois, preencher; há contos e alguns poemas que parecem acontecer sozinhos depois de um lugar de partida, que é uma ideia, uma frase ou só uma palavra. Alguns outros, por mais que eu tenha a ideia, que eu tente, que eu reescreva, simplesmente não acontecem. Mesmo assim, não acho que escrevê-los tenha sido um desperdício. Escrever nunca é desperdício, mesmo que o texto não sirva para nada. Algo em mim se moveu.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Houve uma tarde em que a casa estava vazia, eu tinha coisas para escrever e para ler, tinha tempo, e não consegui me sentar diante do computador. Foi terrível. Acho que o fato de minha vida ser abarrotada, de eu ter filhos e trabalhos que me demandam constantemente, me salva um pouco dessa angústia; não me sobra muito tempo para pensar e, se sinto culpa por estar há vários dias sem escrever, essa culpa muitas vezes consegue me mobilizar. Mas percebo o risco que sempre estou correndo: de ter meus dias completamente tomados e – meu grande medo, e talvez o medo de todo escritor – não escrever nunca mais. Foi inicialmente por isso que decidi cursar a pós-graduação em formação de escritores (no Instituto Vera Cruz): para abrir espaço para a literatura nos meus dias. Esse espaço foi aberto, mas já percebo o risco de que se feche novamente e então já estou traçando novos planos de me comprometer com atividades que me obriguem a escrever. Quanto às expectativas, meu medo de não corresponder às minhas próprias me faz ter que escrever inicialmente sem reler, num jato, para só depois voltar e mudar o texto. Se fico relendo na medida em que escrevo, acho tudo ruim e não saio do lugar. Depois de alguns dias na gaveta, o texto assenta, e através dessa distância pode até acontecer de eu gostar mais de um texto que, logo após escrever, eu havia odiado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio e mudo meus textos infinitas vezes, e mesmo depois de publicados, se os releio, tenho vontade de seguir mudando. Algumas vezes percebo que o texto está pronto; na maioria delas, no entanto, entrego quando preciso entregar ou quando já quase decorei as palavras e não o suporto mais. Preciso de um tempo para voltar a gostar dele – talvez o próprio texto precise desse tempo para ficar pronto. Há alguns leitores queridos e preciosos para quem mostro meus textos antes de publicá-los.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho muitos cadernos, mas geralmente para anotar ideias, frases ou para escrever poemas que nunca serão publicados. Sentar diante do computador é necessário para verter o texto em definitivo, ou quase. Mas tenho um problema: não gosto de tirar meu computador, um notebook, do lugar dele. Mesmo móvel, é como se ele não pudesse sair de lá. Tenho medo de ser roubada ou simplesmente não consigo escrever fora do meu canto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de cenas, de algo que escutei, de uma frase dita por um paciente – ainda que me seja um grande dilema me apropriar literariamente do que escuto como psiquiatra –, do que pensei na leitura de um livro. Mas há tempos em que nenhuma ideia vem, não adianta: paciência. Nessas horas, me apaziguo lendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos, aprendi a diminuir o tom, simplificar, desinverter, deixar só os adjetivos imprescindíveis. Retirar do texto determinadas palavras e frases pode ser dolorido, há um certo apego, mas me convenci de que o papel delas continua ali, elas foram importantes e estruturaram o que estava ao redor; sua ausência também faz parte da construção da escrita, do silêncio.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever sobre a perda de memória de um parente muito próximo, mas sei que este é um projeto para daqui a alguns anos. Não consigo pensar em um livro que gostaria de ler e ainda não exista. Por enquanto, estou ávida pelos que existem.