Natália Lopes é escritora, graduanda em Letras.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durante muito tempo eu tentei iniciar todos os meus processos criativos pela manhã, logo após o café da manhã, mas percebi que sempre apareciam outras demandas e na maioria das vezes eu ia empurrando os trabalhos ao longo do dia. Sendo assim, organizei meu cronograma diário para que pudesse se encaixar dentro dos meus limites e necessidades além da escrita. Após o café da manhã, faço minhas tarefas domésticas, leio um livro, ouço e/ou assisto às notícias que iniciam o dia e começo lentamente a seguir a programação que preparei para o dia, que tem, além da escrita, atividades da faculdade ou cursos alternativos que costumo fazer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O horário da tarde costuma ser mais produtivo para mim. Sinto-me mais disposta, motivada e criativa após o almoço até o cair da noite e desde que entendi esse processo, passei a produzir mais e melhor. Para escrever, a música é fundamental e especificamente a música clássica estimula ainda mais o meu momento de criação. Não costumo seguir muitos rituais nem regras durante meu processo, apenas música e algumas canecas de café ao longo do dia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias eu escrevo alguma coisa, mesmo que sejam apenas frases ou pequenos poemas. Infelizmente, devido à realidade que estamos vivendo em nosso país, sinto minha capacidade criativa profundamente afetada e, em alguns momentos, tenho muita dificuldade de produzir algo, embora continue insistindo. Nem sempre consigo obter os resultados que estou buscando. Minha única meta diária é escrever algo para que eu possa me sentir útil, criativa e em movimento. Me permiti, nos últimos tempos, deixar as ideias fluírem naturalmente na maioria das vezes, respeitando sempre os limites da minha saúde emocional (nem sempre a escrita participa diretamente do meu processo de cura).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Possuo vários caderninhos, diário e bloco de anotações, onde, diariamente, rabisco inspirações, frases, poemas. Gosto muito de escrever a lápis e geralmente faço meus esboços nesses cadernos. Dependendo do assunto que estou escrevendo ou que estou prestes a escrever, resgato algumas ideias nos meus arquivos pessoais. Quando passo a digitar o texto, algumas vezes é necessário algum tipo de suporte, como dicionário online ou leituras diversas que tenham a ver com o assunto pretendido. Quase sempre eu cometo o pequeno equívoco de escrever já pensando em revisar e isso me atrapalha um pouco, mas venho trabalhando em algumas mudanças para que minha escrita seja mais orgânica, sem muitas pausas e tanta pressa em terminar o texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas e a procrastinação exigem de mim um exercício diário e constante de insistência em não desistir. Diariamente. São buracos emocionais, demandas práticas do dia-a-dia, falta de inspiração e mais um monte de elementos que transitam entre mim, minha mente e minhas mãos. Todos os dias eu preciso vencê-los para conseguir chegar na cadeira, nos cadernos e no documento em branco. O processo é doloroso às vezes, mas cada resultado traz uma sensação de vitória, de que eu consegui mais uma vez. O mundo nem sempre é favorável para quem precisa da criação para se manter equilibrado. Quanto aos projetos longos, me vejo muitas vezes criando barreiras, como se inconscientemente eu estivesse sempre testando a minha capacidade de finalizar meus projetos e cumprir meus objetivos e, assim como as travas e a procrastinação, preciso insistir sempre em não desistir.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando tenho um prazo mais estendido, eu tento me organizar com alguns dias de antecedência e vou amadurecendo o texto até o limite para envio. Sempre deixo o texto descansar, independente do tempo que tenho com ele. Às vezes, alguns dias, outras, algumas horas. Mas sempre sigo esse critério antes de enviar e/ou publicar e isso também serve para as revisões. A cada revisão, um descanso (do texto).
Sempre leio meus textos para meu marido. Peço opinião, pergunto os sentimentos dele em relação ao que leu ou ouviu e trocamos algumas ideias sobre o processo que me conduziu até ali.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Confesso que ainda sou uma pessoa um pouco analógica. Quase tudo o que escrevo se inicia no papel. Por isso, tenho sempre à mão os meus cadernos de apoio e de esboços. Somente depois de ter a ideia do que pretendo escrever é que transfiro para o documento em branco. E é neste momento que o texto começa a ganhar sua própria essência, onde as palavras criam uma espécie de vida própria e dançam junto dos meus dedos no teclado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu sou uma pessoa muito visual, minhas ideias partem sempre de algo que vi e percebi ao meu redor. Costumo tirar fotos de coisas e momentos aleatórios e deixá-los morando em minha galeria e gosto de revisitá-las de tempos em tempos para estimular as ideias. Não saio muito de casa, especialmente nesses tempos de pandemia, então, preciso criar minhas próprias referências nas atividades do cotidiano mesmo, como nos detalhes do meu jardim, nas estantes de livros, fotos e assuntos que muitas vezes acabo encontrando pela internet.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o passar dos anos eu fui percebendo a minha escrita se tornar mais orgânica e natural, como todo exercício que a gente se propõe a fazer em qualquer espaço da vida. E, olhando para trás, caso pudesse, diria a mim mesma: “apenas escreva. Treine, rabisque, apague, cometa erros e corrija-os com tranquilidade e autoconfiança, sem achar que, a cada erro, você desaprendeu tudo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou finalizando o meu livro de estreia e foi algo que eu não imaginei que pudesse acontecer agora. Um livro com os poemas que eu produzi nos últimos anos e que dizem muito sobre os meus processos de amadurecimento e de cura de velhas feridas, desde a infância até hoje. Mas, para além deste projeto, já penso em começar o meu primeiro romance sobre uma relação tumultuada entre pai e filha, que habita minha cabeça há algum tempo e eu ainda não tinha percebido os sinais. Talvez seja esse o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe. Veremos!