Natália Leon é professora de Filosofia da Arte, mestranda em Filosofia Contemporânea pela Universidade de São Paulo e escritora nas horas vagas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando não caio da cama atrasada para trabalhar, costumo tomar café e fazer uma lista de tudo que preciso revolver naquele dia. Psicanalistas chamam de defesa obsessiva, astrólogos chamam de lua em virgem. Eu chamo de alegria.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, nos dias em que não preciso trabalhar fora de casa, e de noite ou de madrugada. “Ritual de preparação” é um termo forte, mas para texto nos quais colocarei citações e notas de rodapé eu costumo separar citações que gosto e marcar os livros com post-its para organizar um pouco o caos (lá vêm os psicanalistas e astrólogos de novo…).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todo dia, mas não tenho nenhuma meta. Eu gosto de escrever e escrevo sempre, mas isso não quer dizer que escreva bem ou escreva coisas de qualidade sempre. Ao contrário. Eu escrevo anotações em diários, e-mails para amigos, pequenos comentários sobre filmes, exposições, política e banalidades do cotidiano nas redes sociais e por aí vai.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A pesquisa e a escrita é que me movem, não ao contrário. Quando faço textos acadêmicos, começo a ler o que preciso ler sem ficar pensando no texto que farei. Minha única tarefa ali é fichar, esmiuçar, compreender o texto. Acontece que, nesse processo, começo a fazer relações, juntar um texto com outro, criticar o autor, enfim. Começo a pensar em coisas que já não são o texto que estou lendo, mas são ideias que podem estar no meu texto ainda não escrito. Quando isso acontece eu escrevo o que pensei com uma cor colorida no fichamento. Na escrita, é a mesma coisa. Começo a escrever a partir dessas ideias, mas o texto me leva pra coisas que eu não havia pensado. E quando o texto fica bem ruim, ele também me mostra tudo que preciso ainda ler (ou reescrever!) para melhorá-lo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Dou uma parte considerável do meu salário para uma analista excelente que me faz, há anos, escapar de muitas armadilhas narcísicas.
Mas ok, vou falar do que comecei a fazer depois de sacar que quem escreve pode ter um alto nível de sofrimento por causa dessa ansiedade de querer ser reconhecido e só escrever coisas incríveis.
Quando vou escrever um texto não fico pensando na versão final. Escrevo qualquer coisa – e qualquer coisa é qualquer coisa mesmo, do tipo “é muito difícil explicar esse conceito do filósofo tal”. Nada é mais angustiante do que a tela branca do Word. Se estou sem saber como começar, escrevo tudo que já sei sobre o assunto, mesmo que haja mil lacunas, ausência de introdução etc.. Vou dormir, acordo, imprimo aquilo e rabisco com uma caneta. E daí reescrevo. E recomeço o processo.
Escrever é uma das formas de viver o Mito de Sísifo. E se eu escrevo todo dia não é porque quero um dia conseguir sustentar a pedra no alto da montanha, mas é porque escrever pode não ser só sofrimento. Existe o prazer de subir a montanha empurrando uma pedra enorme, ainda que ela despenque lá do alto e tudo recomece.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do texto. Quando faço um texto acadêmico, um trabalho que vai ser publicado em livro ou revista, reviso várias vezes. E peço, sim, para outras pessoas lerem.
Mas escolher a pessoa que vai ler é tão importante quanto escrever bem o texto. O ambiente acadêmico é muito competitivo. Gosto de pedir ajuda para pessoas mais velhas, que já estão satisfeitas com suas profissões. Ou então amigos (tranquilos e maduros) de outras áreas que não a minha. Colegas da mesma área e mais jovens certamente estão vivendo suas assombrações enquanto escrevem seus trabalhos, pedir ajuda para eles pode ser uma convocação para a celebração de medos, inseguranças e angústias. Melhor evitar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Às vezes começo à mão, às vezes começo direto no computador. Mas costumo combinar os dois processos, como já falei.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Está aí uma pergunta que eu nunca soube responder. Da onde vêm minhas ideias? Se eu soubesse já teria eliminado a fonte de uma parte delas, rs.
O que sei é que uma ideia minha costuma surgir diante das ideias dos outros. Quando decido me opor a elas, ou juntar ideias díspares, acho que uma parte das minhas ideias surge aí. Então acho que filmes, textos, palestras, conversas com pessoas que estudam coisas muito diferentes das minhas, costumam ajudar. E sair para caminhar e dançar – não é brincadeira –: a gente às vezes esquece, mas também o corpo também pensa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu sofro menos e escrevo mais.
Não gosto desses conselhos que a gente dá pra nossa versão mais jovem, eles são sempre muito redondinhos e bonitinhos. Até porque, se eu tivesse feito outro percurso durante a minha vida provavelmente não teria os conselhos que posso dar hoje. Conselho que não provém da experiência (geralmente de dor, erro, frustração e fracasso) tem um nome: best seller de auto-ajuda.
Vou te propor outra coisa: gosto de imaginar uma ficção. Eu, daqui a dez anos, dando conselhos para mim mesma.
Atualmente, os conselhos que me dou quando o tema é escrita são os seguintes: faça mais exercícios físicos, pare de gastar tanto tempo no Instagram e publique mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que comecei vários projetos, a questão é tirá-los da gaveta. Talvez o que eu mais queira continuar seja um livro de ficção que comecei a escrever.
Gostaria de ler um livro que desmontasse muitas das minhas certezas. Mas talvez ele já exista e eu ainda não tenha tido a sorte de encontrá-lo. Um livro assim é como a ilha desconhecida (do livro O Conto da Ilha Desconhecida, do Saramago): não é porque ninguém encontrou e colocou no mapa que ele não existe. Aliás, esse é um livro bom de desejar: um livro que ainda não foi lido por ninguém. Quem sabe os textos da mala que, dizem, Walter Benjamin carregava antes de se matar e que nunca foi achada? Seria incrível.