Nana Martins é multiartista, mestra em Literatura pela UFSC.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durante o período da pandemia minha rotina foi alterada, e tenho tido muita insônia, mesmo assim tento acordar de manhã. Eu gosto de levantar, fazer um pão de frigideira sem glúten e tomar um café preto com leite de soja ou de amendoim. E o mais importante, troquei o som do alarme do meu celular para ficar mais tranquila, então eu acordo ouvindo músicas do Chico César, do Oswaldo Montenegro ou músicas de língua francesa. E isso tem feito muita diferença em minha vida.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu na verdade sou uma “mocinha” da madrugada, trabalho muito bem à noite. Minha rotina de trabalho é bem intensa, eu fico pensando no texto por dias, ou semanas, daí sento e escrevo de uma vez, deixo o texto descansar e depois de um tempo volto para ele e o reviso, e vou mantendo essa dinâmica está eu achar que o texto está bom ou eu não tiver mais prazo de revisá-lo. Assim faço com os contos, já a poesia parece que surge quando algo me afeta, algum acontecimento faz meu coração pular mais alto, daí escrevo de uma vez. Posso estar na rua, ou no trabalho, ou na balada, posso estar lendo algum texto teórico e querer dialogar a minha poesia com o conteúdo do texto. Geralmente, eu guardo esses rascunhos e colo em um caderno, depois eu vou ler esse caderno e finalizo o poema se precisar e o reescrevo na página ao lado da que eu colei o rascunho. Se estiver em casa, já escrevo direto no PC e tenho um arquivo com toda minha obra já escrita em meio digital. Antes eu perdia muita coisa que escrevia, daí comecei a ser mais organizada com a forma de guardar esse texto. Eu não me importo inicialmente com a qualidade do texto e sim com as ideias, guardo tudo, até que o que eu não gosto e com o tempo vou aprimorando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho uma meta de escrita, escrevo quando estou afim ou quando preciso. Escrever é para mim uma necessidade, quando as coisas do mundo me doem eu escrevo, escrevo porque preciso colocar para fora o que penso. Eu tenho uma necessidade muito grande de existir pela arte. Então de acordo com meus sentimentos ou pinto ou eu escrevo, sempre fico oscilando entre essas duas atividades. Às vezes, eu fico calada e não consigo escrever, não é porque me faltam palavras, mas porque preciso do silêncio para compreendê-las melhor, daí o peito fica apertado, a voz presa, e o texto suspenso. Depois de momentos assim eu tenho muitas ideias e o texto “corre solto”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou pesquisadora, antes de ser escritora, eu coloco essas reflexões sobre a literatura sobre questões raciais, em meus textos. A dinâmica é a seguinte: estou estudando, descubro coisas interessantes, paro de estudar e vou escrever um poema ou um conto, ou faço anotações em meu diário. Durante o período que estava fazendo minha dissertação foi assim, eu estudei o questões relacionadas ao feminismo negro, então tudo virara poema ou telas, foi nesse período que eu comecei pintar mulheres negras e coloquei essas mulheres como narradoras de meus contos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou uma pessoa muito calma e que gosta muito de trabalhar. Eu escrevo devagar, aos poucos, e faço o que consigo e o que me dá prazer. E inacreditavelmente eu sou aquele tipo de pessoa que quando falta pouco tempo para entregar a atividade ou o texto, eu fico muito criativa. Quantos aos medos, acho que durante muito tempo achei que meu trabalho não estava pronto e ia refazendo, refazendo e muitas vezes eu os guardava de volta em suas gazetas, já deixei de participar de muitos concursos por isso e mesmo deixei de publicar alguns trabalhos por achar que o texto não era bom o suficiente. Nesse momento, acho que a única coisa que faço é chorar. E aprendi que chorar não termina texto, não o deixa melhor e nem resolve o problema, hoje quando quero chorar porque algo no texto não está bom ou porque eu não consigo escrever, respiro fundo e penso. “ o tempo que gasto chorando posso gastar melhorando esse texto. Deito e durmo. Amanhã é outro dia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sou uma escritora de contos e poemas, cada tipo de texto tem suas técnicas de revisão. Se forem poemas alguns eu reviso e outros não, tem poemas que nascem prontos. Agora os contos, eu reviso todos, mostro para minhas amigas próximas. Eu geralmente reviso de três a quatro vezes cada texto ou cada capítulo. Mas eu sinto que falta algo no texto, eu o deixo de lado por um tempo e o retomo quando tiver alguma solução para ele.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende do lugar que eu estou e do recurso que tenho. Não tenho problema com a tecnologia, mas eu preciso imprimir o texto para fazer a revisão final, gosto de ler parágrafo por parágrafo, riscar com canetas coloridas, ver o texto no papel. Tenho sempre papel a mão para escrever em qualquer lugar que eu estiver. Às vezes, também uso o whats e falo o poema ou vou narrando o conto e mando para minha irmã, ela já sabe quando ler.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu sou uma pessoa muito criativa, eu venho do teatro, fiz teatro amador por dez anos, eu leio muito, eu observo muito o mundo ao meu redor, sou muito sensível, eu não preciso que ninguém me diga como está, só de olhar para pessoa eu já sei, então eu uso essas habilidades para escrever. Minha criatividade vem da vida e de como eu a observo e a sinto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa mudou, no começo da minha carreira eu tinha uma escrita mais doce, muito ligada à literatura infantil, com o tempo ela foi se tornando mais ácida e dura, o texto foi ficando mais longo, parece que hoje eu tenho mais a dizer que antes. Se pudesse me dar um conselho eu diria “não perca mais nenhuma oportunidade em sua vida, não jogue seus diários fora, continue escrevendo”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero escrever uma coleção de livros infantis, que eu já esbocei a ideia, estou escrevendo um romance, mas ele está apenas na minha cabeça ainda, mas durmo pensando nele. Eu gostaria de ler um gigante que eu pudesse caber dentro dele e dormir ali junto com as palavras e eu acordaria rodeada delas e elas voariam em todas as direções e pousariam em novas páginas, em lugares diferentes e tocariam o coração das pessoas. Acho que eu gostaria de ver um livro assim. Um livro que fizesse minhas noites serem mais agradáveis e felizes.