Nádia Battella Gotlib é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Levanto, tomo café da manhã, faço exercícios (academia ou tênis) e trabalho. Quando há outras atividades domésticas – tipo compras, consultas a médicos, etc. – então trabalho apenas no período da tarde. Mas é muito difícil haver ‘falhas’ nesse calendário diário. A não ser quando viajo. E viajo muito, tanto a trabalho quanto para descanso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou leonina e gosto do dia. Eu acordo às 7 horas ou pouco depois. E não há ritual nenhum. Sento e escrevo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo ficção. Faço pesquisas pautadas na teoria, crítica e história da literatura. E como tenho sempre mais de um projeto em andamento, há sempre muita matéria a ser pesquisada diariamente. Exemplo: no momento estou finalizando a edição do Diário da condessa de Barral. São quase 4 mil laudas manuscritas (em nanquim), depositadas atualmente na Biblioteca Brasiliana José e Guita Mindlin, na USP. Mas comecei esse trabalho de decifração, transcrição, digitação, seleção de trechos, atualização ortográfica e notas de rodapé em início dos anos 1990. Comecei quando o dr. José Mindlin morava no Brooklyn. E tive o privilégio de frequentar a sua biblioteca durante esses anos todos. Além desse projeto tenho outros, alguns também antigos, como um livro sobre Elisa Lispector, irmã de Clarice Lispector. Outros, mais recentes. Serviço não falta. Mas confesso que gostaria que o dia fosse mais longo para o trabalho render mais…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Naturalmente. Confesso que há dias em que a cabeça não funciona bem. Por cansaço, por exemplo. Então mudo de assunto. Salto de uma matéria que exige mais concentração para uma outra, mais leve. Mas dificilmente desisto de trabalhar porque há sempre nessa minha atividade algo que me atrai e me dá imensa satisfação. E a passagem de uma fase para a outra simplesmente acontece, como um jogo de quebra-cabeças. Monto as peças. Faço as conexões. Tiro as conclusões.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se sentisse ansiedade forte em trabalhar em projetos longos já teria desistido de levar adiante as minhas pesquisas. Sempre comparo o meu trabalho com o do jornalista, que tem de preparar a matéria para dali a pouco. As minhas pesquisas demoram muitos anos para ficarem prontas e irem para a editora. E faço o que posso. O que não posso fazer não é da minha conta. Aceito os meus limites. E me esforço em fazer autocrítica, para não exigir de mim mais do que tenho condição de cumprir. Mas é claro que tenho muita satisfação quando dou um trabalho por terminado. É um alívio!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Leio e releio muitas vezes. Nem sei quantas. E como tenho amigos fiéis, conto com eles, esporadicamente, para opiniões, correções, sugestões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só escrevo no computador. Tenho um macbook pro em casa e um imac no meu escritório. Dificilmente viajo sem o mac pro. Apenas quando fico um ou dois dias fora. E isso porque tenho o celular que me mantém conectada. O computador faz parte da minha vida cotidiana.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm dos textos que eu leio. Elas me são dadas por eles e de graça. Alguns me inspiram e me ‘cutucam’ mais, outros, menos. E como tive sempre contato com livros, essas ideias a respeito do que leio existiram desde criança, quando fui alfabetizada por minha mãe, professora de uma escola municipal que funcionava na garagem da nossa casa, em São Paulo, contava eu quatro anos e meio. Comecei a ler profissionalmente durante a universidade. E mais sistematicamente quando comecei a dar aula na Universidade de São Paulo, quando tinha 23 anos. Lecionei durante mais de 30 anos. Sempre me considerei uma professora cujo trabalho é o de ‘ensinar a ler’ em nível universitário. O próprio hábito da leitura me sugere linhas de análise, crítica e interpretação. E como gosto de ler, o trabalho flui, como lazer. Isso é uma sorte. Eu me lembro sempre de uma afirmação do meu querido e saudoso professor e amigo Antonio Candido: ele menciona a sorte de recebermos salário para ler romances.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No início de minha atividade, ainda estudante de Letras na Universidade de Brasília, escrevia com prazer, mas sabendo do que me esperava pela vida agora: uma biblioteca imensa que nunca seria experimentada como gostaria. Há sempre mais livros disponíveis do que os que temos condição de ler. Nós, que escolhemos essa profissão de professores de literatura ou mesmo na nossa condição de leitores não profissionais temos de nos conformar com a situação dos limites de nossa capacidade de absorção desse objeto, tão atraente mas também amplo demais para ser conquistado em grandes dimensões. Ler é também, sob esse aspecto, aceitar essa lição e prática de humildade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Se conseguir terminar o que já comecei já será uma conquista e tanto. Isso é o que mais desejo. Que tenha tempo para que isso aconteça! E nem imagino outro livro além dos que me esperam na estante. Já são muitos!
* Entrevista publicada originalmente em 17 de março de 2019, no comoeuescrevo.com (@comoeuescrevo).