Mônica Thaís Souza Ribeiro é doutoranda em Antropologia e Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando posso e consigo, gosto de começar o dia com calma, tomando um bom café da manhã, sem muito barulho, ao som do canto dos pássaros, para ir organizando meus pensamentos e me preparando para as atividades do dia. É o turno em que pratico alguma atividade física, mas não diria que tenho uma rotina. Quando tenho, ela se adequa aos prazos dos compromissos firmados, aulas, volume de leitura e viagens.
Escrevo muito bem em casa, com predileção por estar sozinha e sem interrupções, com telefone no silencioso para me concentrar melhor, mas, se for preciso, também escrevo em ambientes tumultuados e é isso: antes feito do que se iludir com a inexistente perfeição.
Em ambos os casos, a disciplina costuma ser a grande timoneira do meu barco: quanto mais obedeço às obrigações cotidianas, mais tempo tenho para fazer o que quero, fico mais feliz e realizada nas coisas simples do dia como cuidar das plantinhas sem correria, passear com cachorro, existir para além de ir e vir e pagar contas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Entre 9h e 13h costuma ser um bom horário, logo após realizar algumas tarefas domésticas. Mas não diria que tenho vínculo de produção com horário e sim com o ambiente: se tiver um local silencioso e sem interrupções, fico absolutamente envolvida e concentrada naquilo que me proponho a fazer, seja o processo de escrita, leitura ou outro trabalho. E uma vez que deslancha, pode começar 15h e ir até 03h da manhã. Quando isso acontece e eu posso, especialmente aos finais de semana, costumo não parar e nem mudar de atividade, para não perder o “fio da meada”.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta de escrita diária, mas admiro quem tem. Costumo ser metódica e disciplinada, mas faço isso por projetos e não por rotina. Sendo assim, escrevo em períodos concentrados e depois me afasto do texto. Ao retornar aos escritos, o que pode levar um dia ou uma semana – a depender do prazo que disponho – sinto que respirei e leio melhor para evoluir e acrescentar alguma coisa que tenha estudado naquele período. Ao escrever, em geral já li sobre o tema, conversei com meus pares e assim vou construindo o texto à medida que reflito e observo minhas emoções também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo me envolver com temas que me afetam de alguma maneira. Seja pessoal, familiar ou político, tenho pequenas obsessões em investigar, o que me provoca a ler e pesquisar de forma sedenta, em geral em dois ou três idiomas, em busca de ampliar a literatura e atualizar num contexto sul global. Elaboro conexão com meu problema de pesquisa, com o tema investigado e assim, construo minha própria interpretação diante do que a teoria analítica me ensinou ou frustrou. Acontece. Meu processo de escrita também é despertado pela raiva, especialmente nestes últimos anos, diante dos acontecimentos trágicos que provocam uma indignação que transborda. Essa emoção me movimenta em uma escrita incendiária, para alguma revista ou jornal, que às vezes sai em uma só canetada, com uso de uma bagagem construída ao longo dos anos de estudos, pesquisa e vivência. Portanto, às vezes me movo da escrita para a pesquisa e não somente o contrário. Mas é claro que esses textos merecem mais cuidado em não ser passional demais: em tempos de cólera, isso é bastante delicado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido com todas essas questões de maneira muito natural. Elas existem, não deixarão de existir e eu não vou deixar de escrever. Simples assim. Essa decisão já está tomada, não negocio com medo, nem com ansiedade e muito menos com expectativas – faço isso rompendo com todas elas escrevendo, publicando e me expondo. É assim que percebo crescer, evoluir e aprender enquanto pesquisadora.
Além disso, espalho a notícia que estou naquele trabalho e isso me gera uma cobrança automática em corresponder àquele grupo, que pode ou não estar interessado em ler, mas só o fato de saberem gera em mim o compromisso de entregar. Além da vaidade, é claro, de acreditar que posso elaborar uma teoria inédita que vai melhorar a vida das pessoas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quantas vezes forem possíveis, irei revisar meus escritos. Eles nunca estarão prontos, mas ainda assim serão entregues. Alguns saem mais rápido em razão de ser uma tarefa simples ou pelo prazo exíguo, ou ainda, pela minha angústia de berrar o que escrevi e me posicionar sobre algum assunto iminente. Sempre mostro meus trabalhos para outras pessoas antes de enviar para publicar. Nem sempre elas podem ler ou dar retorno em tempo hábil, mas gosto de ouvir opiniões de terceiras, eventualmente duras ou contrárias, o que sempre traz algo novo e com perspectivas diversas. Certamente essa entrevista será lida por alguém antes de ser enviada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Muitos textos nascem no bloco de notas do celular ou em algum papelzinho que esteja à mão para as ideias que surgem do nada e eu sei que vou esquecer se não anotar. Não confio na memória de uma ideia que tenha surgido no estalo, e elas são muitas. Escrevo logo para depois ir ao computador, num momento oportuno para construir um texto.
Para analisar textos alheios, jamais o faço pelo celular. Sempre peço que seja enviado por e-mail, para ler sentada e atenta, de preferência no modo de revisão do word para registrar meus comentários que serão aceitos ou não pelo interlocutor, e assim prefiro que o façam com meus textos. Funciono muito bem assim.
Ganhei uma máquina de escrever, mas nem sempre ela acompanha o ritmo das ideias. Reservo a ela, tempo para uma escrita solta, leve, criativa e sem qualquer compromisso, uma brincadeira que costuma ser bem divertida. O barulho alto das teclas, as pausas e viradas de papel, me faz sentir uma escritora de verdade, seja lá o que isso venha a significar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias são fruto do que consumo: leio muitos livros, artigos, blogs de temas super diversos, mas em geral produções acadêmicas. Nos últimos anos me propus a ler por direcionamento de amigas, ao invés de escolher os títulos. Gostei tanto que um ano depois dessa experiência, assinei uma curadoria literária a fim de romper com a minha própria bolha, e assim, ampliar meus horizontes. No começo foi difícil, mas é encantador se abrir para o novo e aprender com outras leituras. Ouço muita música brasileira, clássica e instrumental, sou apaixonada por documentários, desde biografias a esportes (me interesso sobretudo a escaladas de montanhas), assisto filmes de diferentes temáticas e tenho acesso a conteúdos que fogem do meu controle na internet, vivencio experiências próprias das cidades que visito e do país onde vivo, o que compõe uma miscelânea de contextos, experiências, concepções e sentidos que se misturam. Imagino que tudo isso compõe nossa bagagem criativa, para além do nosso consumo cultural consciente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo de anos de leitura, naturalmente meu vocabulário aumentou, minha percepção sobre me expor e me posicionar nos textos, a minha assinatura e o que escrevo se tornou cada vez mais coerente entre o que sou, vivo, pesquiso e escrevo. Longe de ser exatamente o que eu gostaria, mas pouco a pouco vou caminhando e aprendendo a escrever. É um processo que exige paciência, dedicação e investimento: o retorno é certo, mas não é visto de imediato, uma vez que a transformação é gradual. Uma das formas de perceber acontece quando volto aos meus primeiros textos. Quando estou lá, o que digo a mim mesma é “parabéns por não ter parado”, “siga escrevendo, essa é a forma de usar sua voz no mundo”, “seja carinhosa ou raivosa, mas enfrente os desafios com método e teoria” e “continue estudando, nunca se acomode nem se junte aos acomodados”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Atualmente leciono metodologia científica para a graduação no curso de direito e planejo escrever um livro básico com noções introdutórias para auxiliar na elaboração de artigo ou monografia, com a intenção de motivar os primeiros passos de forma descomplicada. É possível educar em linguagens diversas, de maneira convidativa para romper com medos e as limitações na escrita. Um livro que eu gostaria de ler mas não sei se existe, traria um compilado de entrevistas e histórias de vida das grandes professoras brasileiras que contribuíram na formação do pensamento crítico, influenciaram nossas vidas e a política, tal como são as entrevistas compiladas nesse importante espaço do “como eu escrevo”. Um livro com essa abordagem, com professoras de áreas diversas, além de inspirador, aproximaria a realidade dos percursos da vida até a academia, a importância da ciência e o significado dela na nossa história.