Michel Yakini é escritor e produtor cultural, autor de Desencontros (contos, 2007), Acorde um verso (poesia, 2012), Crônicas de um Peladeiro (crônicas, 2007), Amanhã quero ser vento (romance, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente acordo e faço algumas preces de gratidão pelo dia que amanhece, seguido de uma meditação e neste período tenho me concentrado também em fazer Hoponopono e PNL, que são práticas que fortalecem a limpeza de crenças negativas para encorar vibrações positivas na mente e finalizo um exercício meditação guiada para criar na 5ª dimensão e com a oração do desapego. Depois, faço um desjejum a base de suco verde, leite de coco e frutas com sementes germinadas. Em dias alternados pratico também corrida e exercícios de fortalecimento muscular. Nos dias que não tô correndo, gosto de tomar banho de sol no quintal, antes do almoço, e aproveito pra fazer a primeira leitura do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de ler, escrever e trampar em outras coisas durante a tarde até o inicio da noite. Não tenho costume de escrever e nem ler pela manhã e a noite faço somente as vezes. Preciso de concentração pra ler e escrever, sinto dificuldade de fazer isto onde há muito barulho ou conversas paralelas. Onde moro é muito barulho, som alto, busão passando, então procuro aumentar a concentração ou colocar uma música instrumental no fone pra ditar o ritmo da escrita, ultimamente tenho curtido ouvir Alice Coltrane, já as leituras prefiro fazer em silêncio mesmo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Há uns dois anos atrás eu tinha um ritmo de leitura e escrita mais rigoroso, de tantas páginas por dia de leitura, tantas de escrita e creio que isso acompanhou a produção do romance que lancei em 2018, desde que finalizei este livro em 2017 tenho me dedicado mais a escrever prosas curtas e assim meu ritmo de leitura e escrita está mais espaçado e sem rigidez, pois agora faço outros cuidados mentais, físicos e espirituais que agregam outras leituras e percepções ao meu trampo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende e do que tô pesquisando e praticando no momento. Nesse tempo meu foco de estudos e leituras tá muito voltado pra física quântica, meses atrás tava pesquisando com foco maior em alimentação viva e antes tava lendo mais livros das histórias sagradas dos orixás e romances, antes disso literatura sobre futebol, antes poesia e por aí vai, as leituras anteriores continuam e as que vigam se aconchegam. Não sinto dificuldade para começar, assim que leio algo e ou pesquiso algum tema que me instiga escrever sinto a melhor hora de colocar em prática e faço.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre que identifico sentimento de medo e ansiedade e dessa tal procrastinação, cancelo, acolho, perdoo, sinto muito, agradeço, mas cancelo. Eu honro todo que aconteceu em tempos passados, que muitas vezes se alinharam com essas sensações, mas não perpetuo mais essas dores e erros de percurso. Essas paradas são bloqueadoras da criação e não pertencem a nossa natureza é autossabotagem do ego frágil que quer dominar o quadrado, mas o lance fundamental é gingar e cancelar, porque eu sou criativo, sou prospero e inteligente, e da minha goma e da minha cachola só vibra e faz morada aquilo que eu criar, o que não me pertence e não pede licença pra chegar simplesmente cancelo. Nessas horas tem que fazer igual quando passa uma música que tu num gosta na rádio, muda a sintonia e busca um som de agrado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
As crônicas que costumo publicar no site, trampo em média uma semana, lendo, relendo, reescrevendo, editando, até sentir que chegou no ponto ideal. Esses textos curtos sempre passo pra alguém ler, uma pessoa pelo menos, e os livros e as prosas mais longas, sempre conto a leitura de mais pessoas. Na hora das releituras gosto de ter sempre o texto impresso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não há uma regra fixa. Escrevo mais direto no computador, mas quando vem uma chamada pra escrita à mão não resisto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem de quando espio uma conversa alheia no busão lotado, que me apaixono no vagão do trem, quando meto a cara no sol pra tirar o bolor do espírito, Confio em cuidar da minha espiritualidade, da alimentação e do meu respiro pra acalmar o batuque do peito e assistir um filme mais tranquilo na telinha dos pensamentos, mas é fato que tem outras dimensões que se comunicam e sopram intenções de escrita, porque tem muitas versões do meu eu convivendo e se comunicando e trocando ideia com outras energias que se concretizam em ideias.
Confio que parte da minha escrita são sopros, fios de vida que vertem cifras de palavras em mim. Uma Vózinha de Aruanda confirmou essa intuição: “Muito do que você escrevinha são seus protetores que te contam, pequeno”, e foi assim que entendi porque a Poesia tem nome próprio. Dia desses um Caboclo me contou sobre uma missão com o conhecimento e o escambo das artes, sobre as intimidades com esse mote, que vem de tempos antigos, e da força que as leituras têm pra guiar veredas futuras. Acredito!
Persigo saber onde fica a encruza, a mão dupla e a bifurcação entre oralidade e escrita, reconheço que esse encontro é um prisma que vai além do ringue capenga entre isso ou aquilo outro, onde não cabe a desculpa-muleta da “voz ser a rainha e a escrita um anjo torto”. Nessa busca encontrei a Poesia no silêncio das páginas e na ventania da voz, na íris cerrada e nas miradas da vida, por isso eu até viveria sem ler, escrever ou sem literatura, mas como disse meu amigo, jamais sem a Poesia, pois ela é, e continuará sendo, a força motriz no suador das minhas crias.
Ler, escrever ou mesmo a literatura ou ser escritor não é o mais importante, não tinha esse sonho quando moleque, pois mesmo que hoje essa querência seja irreversível, houve um tempo que isso não era fundamental. A chave mora na Poesia. Quando miúdo, sonhava ser jogador de bola, o restante não fazia muito sentido, gostava de batucar e versar no terreiro do peito, na pele do meu corpo-tambor, de ouvir lamentos de mandingas e bambas ou as prosas dos nego-véio nas pirambeiras daqui, não associava isso com a Poesia, mas Ela sempre esteve lá. A Poesia mora na imaginação, na nossa capacidade de ficção, no desejo sagrado de uma breja no fim da tarde, no abraço-alegria da pequena na volta da escola ou quando Dona Elisa diz que no verão “o calor é tanto que chega derreter a roupa no varal”.
Quando moleque, em casa não havia livros, não conhecia nenhum escritor vivo e as aulas de literatura na escola tinham gosto de fruta amarrando a boca. Não dava pra ter sonho com palavras nesse tempo. Ainda bem que, se não tinha sonho, sempre teve verso falado, sempre teve poesia, no terreiro, na roda, no boteco, no quintal e na calçada, é certo que a literatura também germina dessa saliva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como ouvi Marcelino Freire dizer uma vez: se achar meu primeiro livro por aí me devolva pra eu deixar escondido. Brincadeiras a parte, o câmbio de estilo é grande, porque envolve tempo de vida, de experiência de leitura e experimentação, creio que tudo que escrevo hoje me agrada porque foi semente aguada de anos atrás, é uma trilha inacabada e contínua, ainda que a pessoa que publicou o me primeiro livro em 2007 nem exista mais, nem de nome. Antes eu me interessava mais em escrever em verso, e isso deve ser por conta de ser cria da poesia falada, e ultimamente a poesia continua presente, mas tenho escrito mais em prosa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou, aos poucos, trampando num livro de crônicas, em obras infantis e um romance. O Livro que eu quero ler e não existe já está criado no infinito, vou aguardar o tempo certo pra descobrir que livro é esse e ler.