Mia Sardini é escritora, advogada, criminóloga e tradutora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De um modo geral, eu acordo por volta das 7:30, preparo meu café da manhã (que é só café puro mesmo, sem açúcar) e começo a trabalhar antes das 8h. Sou tradutora para uma empresa estrangeira e trabalho de casa, então começo de pijama mesmo. Só por volta de umas 10h é que como alguma coisa, troco de roupa, dou uma pausa. Como rendo melhor de manhã, tento aproveitar esse período para fazer o máximo possível de trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acabei respondendo isso na primeira pergunta. Eu sinto que trabalho melhor de manhã e, sempre que possível, tento escrever nesse horário também. Mas infelizmente, por conta do trabalho, não consigo escrever todos os dias, como gostaria. Acabo escrevendo mais de fim de semana, quando então me programo para escrever durante três horas, e me forço a fazer isso, mesmo que seja para apagar tudo depois por não gostar do resultado. Meu ritual de preparação para escrita consiste basicamente em preparar um chá.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
De novo, acabei respondendo na pergunta anterior hahaha. Não escrevo todos os dias e não tenho meta diária. Exceto quando a inspiração bate durante a semana e eu arranjo um tempinho para escrever entre uma tradução e outra, eu geralmente só escrevo nos fins de semana.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu estilo preferido de narrativa envolve bastante pesquisa histórica, então eu nunca começo uma escrita sem fazer muita pesquisa antes. Às vezes, chegam a ser meses de pesquisa pela internet, artigos, documentários, e até pesquisa de campo, se possível. Quando escrevi meu segundo romance, As Vozes Sombrias de Irena, publicado pela Editora Avec em 2021, fiz pesquisa de campo, entrevistando tchecos que viveram na cidade de Brno em 1988 (quando se passa a história), além de procurar por filmes da época. Uma vez que eu tenha dados suficientes, traço uma linha do tempo. Primeiro, coloco todos os acontecimentos históricos importantes. Depois, os acontecimentos importantes da minha narrativa. E somente com isso feito, começo a estruturar os capítulos (ou o conto, se for o caso).
Em geral, só planejo o que vai acontecer em casa capítulo, por tópicos, e depois deixo a escrita correr livre. Eventualmente ocorre da narrativa tomar vida e ir parar em outro lugar, diferente do planejado. Aí recalculo a rota, o que nem sempre é muito fácil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sinto ansiedade de trabalhar em projetos longos. Na verdade, prefiro. Sinto que tenho tempo para digerir a história, para pensar com calma, para me conectar com as personagens. É como se fosse uma relação sendo construída aos poucos, o que me causa uma certa angústia quando acaba. Ao mesmo tempo, dá aquela sensação de missão cumprida.
Quanto aos bloqueios e travas criativas, depende muito da situação. Depender só da inspiração não funciona muito bem, então estar sempre aprimorando as técnicas de escrita e o conhecimento ajuda muito. Para isso, recomendo o Curso Bold, da Cláudia Lemes, que me ajudou demais nesse quesito.
Quanto à procrastinação, confesso que isso é um problema que eu ainda estou tentando resolver haha.
Também não vejo motivo para ter medo de não corresponder às expectativas, porque, além de leitores betas, que vão me guiando e me dando feedback ao longo da escrita, a história primeiro passará por um leitor crítico e depois pelo editor, até ser publicada. Durante esse longo caminho, ela vai sendo aprimorada, então o resultado sempre será o melhor possível. Não adianta ter pressa para finalizar um livro. É um processo longo, lento e trabalhoso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sem querer, acabei respondendo de novo na pergunta anterior hahaha. Sim, eu tenho leitores betas, que vão acompanhando durante a escrita. Na verdade, depende do leitor beta, e eu sempre deixo a critério de como cada um prefere fazer: se ler conforme termino os capítulos, ou ler tudo finalizado. Eu, particularmente, prefiro quando o beta lê conforme eu vou escrevendo, porque se houver algum ponto a ser resolvido, é mais fácil no meio do caminho do que quando tudo já está finalizado. Além disso, me sinto mais motivada para escrever sabendo que alguém está acompanhando a história “em tempo real”.
Quanto à revisão, eu reviso várias vezes. Assim que termino de escrever um capítulo, ele fica ali parado, pelo menos por uns dois dias. Depois, releio, edito e mando para os betas. Quando o capítulo volta com as sugestões, reviso mais uma vez, e isso acontece ainda algumas vezes ao longo da escrita. Depois reviso o livro todo antes de enviar para a editora. Por melhor que você escreva e por mais experiente que seja, seu first draft nunca será a edição final.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A não ser que eu esteja em algum lugar longe do celular e do computador, o que é muito raro, e a inspiração baixe de um jeito único, sempre escrevo direto no computador. Em geral, tenho arquivos compartilhados com os leitores betas no google drive, para facilitar. Não diria que sou expert em tecnologia, mas tenho bastante familiaridade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu estou constantemente tendo ideias para histórias, quase todos os dias. Sempre que possível, tento anotar o que se passa pela minha cabeça. Claro que nem todas vão de fato virar um livro ou um conto, mas tento sempre me manter nesse exercício de pensar em possibilidades narrativas. Não precisa acontecer nada muito extraordinário para eu começar a pensar em um “e se”, que potencialmente pode um dia ser um livro.
A inspiração está em todo lugar, basta se manter atento ao que acontece ao seu redor. Observar pessoas, situações, atitudes, etc.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com certeza, o planejamento. De novo cito o Curso Bold, que me ajudou muito com isso. Se eu pudesse voltar aos meus primeiros textos, teria feito um planejamento melhor, para me perder menos. Muitas histórias ficaram pela metade por pura falta de planejamento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade, acabei de começar um projeto que eu queria muito fazer, há algum tempo, que é escrever um romance a quatro mãos. Está sendo um desafio delicioso e divertido, e eu demorei muito para me sentir madura o bastante para tentar isso.
Acho que seria um pouco de prepotência tentar pensar em um livro que não existe, porque existem tantos livros que eu ainda não conheço. Mas amo histórias de horror fora do senso comum, fora dos padrões. Daquelas que trabalham o horror de uma forma inteligente e crítica.