Mauricio R B Campos é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Só escrevo pela manhã aos finais de semana, quando gosto de acordar cedo, tomar um café e me colocar de frente para o teclado e começar a produzir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu considero o período da manhã o mais produtivo, mas não é uma regra. Tudo depende de se colocar em sintonia com a história que se quer contar, aquele momento que alguns teóricos chamam de fluxo mental criativo. Quando esse estado é atingido, sinto os dedos correndo sobre o teclado como um pianista corre os seus pelas teclas do piano. A mente idealiza e molda cena após cena, diálogo após diálogo, que vão ganhando força no papel digital da tela.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho uma rotina diária de escrita, menos ainda metas estabelecidas de escrita. Trabalho em um livro naquele período específico, e permaneço um tempo longe do papel, seja buscando inspiração para uma nova história, seja para colocar a leitura em dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Preparo um esboço do livro, que trato como um projeto, inicialmente. Utilizo pontos de virada e escaletas de roteirização. No fim das contas eu acabo alterando a história e saio do programado nessa tabela, mas acredito que é sempre bom ter um roteiro, caso me distancie muito do fio condutor, sempre há um caminho que saberei seguir para retornar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Normalmente trabalho com prazos, e às vezes um tanto quanto apertados. Infelizmente trabalho melhor sob pressão, com um prazo apitando em minha cabeça. No meu primeiro romance, Incompatível, tive a pressão dos prazos do edital do Proac (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo). Fica meu conselho: nunca entre em um edital sem o trabalho pronto, não faça como eu que primeiro fui aceito no edital para depois escrever a obra. Bem, não fui o primeiro e não serei o último, mas com certeza o ideal é ter o trabalho já na fase de revisão, pelo menos, antes de submeter um edital.
Achava que já havia incorporado isso quando comecei a escrever Morte em Boulogne, mas no meio do processo de escrita, surgiu o concurso da Amazon (Prêmio Kindle) e eu precisei novamente correr para publicar o livro dentro da fase de participação do certame. Mas senti que a pressão do prazo foi benéfica, ajudou a tirar o supérfluo da trama. Gosto de trabalhar em um romance com uma extensão de duzentas e poucas páginas, não mais do que isso. Para um autor iniciante no Brasil acho que isso pode ser até demais, então não me permito colocar adendos à história.
Quanto à travas, não tenho problemas com travas de escrita. Mas já tive muitos, e por isso mesmo meu primeiro romance saiu quando tinha trinta e nove anos. Por muitos anos eu fui o escritor de gaveta, tudo que eu escrevia, naquela empolgação da ideia inicial, acabava se tornando uma pilha na gaveta. Abandonava tudo pela metade. Contos, novelas, noveletas, tudo ia parar na maldita gaveta. Me faltavam as ferramentas de criação capazes de julgar a qualidade de uma obra antes de iniciar a sua criação, o que me fazia perder tempo com obras que eram desperdício de pixels na tela.
Sobre procrastinação se aplica o mesmo. Boas histórias brigam dentro de você para sair, se não estão lutando para correr para o papel, é melhor retrabalhar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu costumo revisar duas ou três vezes, e sempre mostro a algum amigo para ver se ficou algum furo ou incongruência que possa ter passado batido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nunca escrevi à mão, sempre adorei as possibilidades proporcionadas pelos editores de texto. Gosto de variar os softwares que uso e já experimentei todos que tive acesso, editores DOS, editores Linux, editores do Mac, AbiWord, WordPerfect, Microsoft Word, LibreOffice, Corel Home Office, Google Docs, etc. Nunca utilizei softwares específicos de escrita, como Scrivener, pois acho que as ferramentas que uso são suficientes. Para fichas de personagens eu utilizo oMicrosoft OneNote, e para a escaleta, linha do tempo e outras coisas acessórias à criação uso o Microsoft Excel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vem por associação, mas é um processo tão delicado que é até difícil rastrear. Não sinto como se quando crio uma obra ela seja uma junção disso com aquilo, mas sim uma reinterpretação com elementos completamente diversos. Em alguns casos o subconsciente prega algumas peças, como por exemplo no caso de Morte em Boulogne. Minha protagonista se chama Lisandra. Depois de um tempo eu me toquei que se tratava quase de um anagrama com Lisbeth Salander. LISbeth SalANDER. LISANDER. LISANDRA. O ponto é que não foi um processo deliberado, quando eu me dei conta comecei a rir.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se pudesse retornar ao passado e dar um recado para o jovem Maurício, eu recomendaria fortemente que esquecesse a literatura de fantasia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que eu gostaria de ler é fácil, queria ler o final de O Castelo de Kafka. E se não for pedir muito, o final de O Jardim do Éden de Ernest Hemingway. Livros excelentes cujos autores morreram antes de terminar. Hemingway atirou nos miolos e Kafka foi morto pelo regime nazista.
Um projeto que eu gostaria de fazer é adaptação de minha obra para o audiovisual.