Márwio Câmara é escritor, jornalista, crítico literário e professor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Como eu sou professor, preciso minimamente ter uma organização quanto aos meus horários e planejamentos de aula. Geralmente, durante a semana, estou lecionando entre dois a três turnos, o que significa manhã, tarde e noite, a depender do dia. Na escrita, sou um pouco mais indisciplinado, embora focado com o que pretendo escrever. Gosto de me envolver em mais de um projeto. Preciso manter a minha mente ativa e ocupada.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Costumo deixar fluir, respondendo a sua primeira pergunta. Eu terminei de escrever o meu primeiro romance, que se chama Escobar, durante a pandemia. Estava passando por um momento difícil emocional e financeiramente, por isso ter finalizado o livro me foi como uma espécie de alívio e motivação. Apesar de ser um livro pequeno em número de páginas, o processo em si foi bastante demorado e trabalhoso. Ele passou por inúmeras versões ao longo dos últimos três ou quatro anos até chegar à estrutura que eu queria. Quanto ao planejamento, não houve nada específico. Inicialmente, eu tinha em mente escrever um poema em prosa guiado por um fluxo de consciência de um eu lírico apaixonado por uma poeta, mas não funcionou. Descobri nesse meio tempo que, apesar da minha escrita apresentar ressonâncias com a poesia, eu não tenho a menor vocação para escrever versos, embora já tenha ficado em terceiro lugar em um concurso literário do gênero. Sou um prosador apenas, com alguma veia poética. Já sobre a dificuldade em escrever a primeira ou a última frase, creio que a minha maior dificuldade seja colocar uma obra de pé. Não é fácil escrever um livro.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Minha rotina é não ter necessariamente uma rotina. Sei que, quando estou escrevendo um livro, preciso finalizá-lo em algum momento. Há dias que escrevo, reescrevo e jogo fora diversas passagens constantemente; e outros, que resolvo me distanciar. Quanto ao espaço, preciso estar em meu canto, com um notebook, uma mesa de trabalho, uma cadeira e um pouco de barulho da rua ou da natureza – neste último caso, quando possível. Moro em um apartamento de frente para uma rodovia, então o silêncio é quase uma falácia, exceto durante a madrugada, embora eu ainda ouça o barulho dos carros indo e vindo. Costumo escrever também ouvindo música, geralmente instrumental.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Se eu tenho uma meta, procuro evitar a procrastinação, embora, às vezes, seja inevitável, sobretudo nesse mundo em que tudo nos tira do centro. Encaro um projeto literário como uma responsabilidade e também um desafio.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Qualquer projeto literário é dificultoso para mim. Mas, talvez, o meu atual, o Escobar, foi o que tenha me dado mais trabalho para ser escrito, por conta da construção e, sobretudo, pela busca de encontrar a voz narrativa e uma técnica que desse conta de tudo que eu desejava expressar naquele momento. Escrever sobre o amor sem soar piegas é demasiado difícil. Por isso foi um desafio. Mas, no meio do processo, fui descobrindo coisas e gerando diferentes histórias dentro da trama. Gosto do meu primeiro livro, o Solidão e outras companhias, porém o segundo e atual é mais redondo e cristalino, embora haja a voz do meu primeiro trabalho também ali.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não há nada programado quando inicio um trabalho literário, apenas uma necessidade de expor algo que surge do nada em meu pensamento. Não roteirizo o que irei escrever. É um processo quase às cegas, embora eu tenha uma ideia que me motive a construir uma história através dela. Creio que o leitor ideal é aquele que leia realmente o que você escreve e não tenha preguiça com o texto. Ler é como mergulhar por águas misteriosas e, por vezes, turbulentas.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Geralmente, tenho alguns amigos que também escrevem e esses são os mesmos que envio as primeiras versões para serem avaliadas. Mas essas primeiras versões precisam, minimamente, ter passado por um longo processo de peneiragem. Eu reescrevo muito. Jogo muita coisa fora. É um trabalho insano.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Desde que tive acesso ao meu primeiro livro infantil, na infância, tive uma consciência muito grande de que gostaria de fazer aquilo, escrever histórias no papel. As minhas próprias escolhas acadêmicas e profissionais foram baseadas em minha carreira como ficcionista. Eu era um menino da periferia, com uma realidade bastante limitada, embora muito lúdica e cercada de afeto familiar. Tinha consciência de que precisava correr um longo percurso para furar a bolha e me inserir no meio literário. Foi o que fiz iniciando minha carreira no jornalismo, sobretudo o cultural, pautado em resenhas de livros e entrevistas com escritores.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Eu acho que, na medida que a gente escreve, com o tempo, as nossas marcas de autoria acabam aparecendo. As influências são inevitáveis e necessárias. Mas não podemos sofrer a tal “angústia da influência”, termo alcunhado pelo crítico Harold Bloom. Todo autor deve superar seu ídolo. Vários autores me influenciaram ao longo da minha trajetória, sobretudo os que têm um envolvimento mais radical e apaixonado com a linguagem. Para mim, não só o conteúdo, ou seja, a história, é importante, porém a forma de como irei contá-la. Não curto o hermetismo, mas uma expressão que soe nova ou estranha e ao mesmo tempo atraente. Gosto da escrita que me perturba por sua beleza exótica.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Eu poderia passar a minha vida toda recomendando às pessoas A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector; e Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. São obras nacionais de altíssima qualidade. Mas, geralmente, quando conheço jovens que ambicionam escrever um livro, sempre recomendo o Cartas a um jovem poeta, do Rainer Maria Rilke. Leitura fundamental ao meu ver. Rilke dá uma aula nessas cartas.