Mário Bortolotto é escritor, diretor de teatro e cinema, vocalista e compositor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não tenho horário para começar o dia. E não tenho rotina matinal pq geralmente estou dormindo de manhã ou pelo menos tentando dormir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu costumo escrever à tarde, depois do almoço. Não é que eu me sinta melhor nesse horário. É simplesmente o horário disponível quando não tenho outros compromissos. Mas muitas vezes chego de madrugada bêbado em casa e vou escrever irresponsávelmente. Não tenho nenhum ritual, aliás não tenho ritual pra nada na minha vida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo sempre que tenho algum tempo. Não tenho nenhuma meta. Geralmente sou do tipo que deixa sempre pra última hora. Quando me pedem algum texto e me dão um prazo de vinte dias, costumo escrever no décimo nono.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca sei onde a escrita vai me levar e é isso que acho fascinante. Quando começo a escrever um conto ou peça ou romance, não faço a menor ideia do que vai acontecer ou que rumo a história vai tomar. Às vezes imagino uma cena que em princípio não tem nada a ver com a história que estou escrevendo. Mas escrevo assim mesmo. O desafio é conseguir colocar aquela cena na história depois e ficar parecendo que ela já era pensada para aquela história. Só faço pesquisa quando tenho que escrever sobre um assunto que não tenho muita intimidade. Ou faço pesquisas específicas enquanto estou escrevendo e pinta alguma ideia que me surpreende e me obriga a pesquisar a respeito.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou o rei da procrastinação. Como já disse, sempre deixo pra última hora, mas não tenho nenhum medo de não conseguir. Acho até que sou confiante demais e isso não é bom pq alimenta minha procrastinação. Sempre tenho certeza que vou conseguir no minuto final do segundo tempo. Gosto de trabalhar em projetos longos que me obriguem a ficar pensando muito em um universo específico no qual estou trabalhando. Isso impede que eu me distraia, o que é benéfico já que não sou do tipo muito concentrado, infelizmente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto eu não tiver que entregar o texto, fico lendo e revisando. Sempre acho que posso melhorar, acho que até por isso inconscientemente deixo pra última hora pra escrever e entregar logo, pra não ficar enlouquecendo de reler e revisar. Não costumo mostrar pra ninguém os meus textos antes de publicá-los. Quando eu era casado, até mostrava para minha mulher pq gostava de saber a opinião dela, mas agora que estou solteiro, não procuro ninguém pra ler.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Direto no computador, sempre. Mas às vezes acontece de eu estar no bar bebendo e pinta alguma ideia. Antes andava com a infalível caderneta no bolso da calça para não perder esses raros momentos de inspiração. Mas agora anoto no celular mesmo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
O tempo todo eu tô pensando em literatura. E se eu não estiver pensando, estou lendo ou assistindo filmes ou conversando com pessoas estimulantes. Então já tá tudo lá nesse HD desgovernado que é a minha cabeça. Quando vou pro computador, as ideias já estão implorando pra sair fora. Elas já não suportam mais ficar na minha cabeça. Não é um lugar bom pra elas fixarem residência.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Na minha juventude, por incrível que pareça, as distrações eram mais raras. Era eu e a máquina de escrever em um quartinho vagabundo. Hoje em dia como já disse, há muitas distrações. A internet é a pior delas. Não é que eu veja a internet como uma inimiga. Pelo contrário. Para fazer qualquer tipo de pesquisa por exemplo, ficou muito mais fácil. Mas eu é que não sei lidar muito com ela. E se você não souber lidar com a internet, ela te engole. É muito tentadora. É a mulher dos seus sonhos te chamando pra tomar um chopp no meio da tarde. Impossível recusar. Às vezes vou pesquisar sobre algum assunto que serve ao texto que estou escrevendo e quando percebo perdi horas lend o sobre outros assuntos ou ouvindo músicas no You Tube ou assistindo trailers de filmes. Na minha juventude não tinha nada disso. Eu só tinha que lidar com a página em branco da máquina de escrever. E nunca foi difícil pra mim, por mais que relesse depois e rasgasse muitas páginas do material que tinha escrito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Já comecei vários que estão em suspenso. Eu começo muitos e não continuo. Aí depois de meses ou anos, releio o que tinha escrito e retomo. Escrevo mais um pouco e interrompo de novo pra me dedicar a algum outro. O problema todo é esse. Funciono mais com prazo. Se uma editora está interessada em algum livro que estou escrevendo e ela me dá um prazo, então mergulho no texto e termino. O mesmo acontece com peças de teatro. Se tem data de estreia, então termino o texto pq sei que vou ter que escolher o elenco, dirigir, montar o espetáculo pra estrear no dia previsto. Se não há essa obrigação, relaxo. Vou escrever outra coisa, fico pulando de um texto pro outro. Quanto ao livro que gostaria de ler, bem, eu g ostaria que Bob Dylan escrevesse o segundo volume de suas crônicas. Ele escreveu apenas o primeiro e me deixou com muita vontade de continuar lendo.