Marilia Kubota é escritora, mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tenho me esforçado para dedicar um tempo para a criação literária, pelo menos duas ou três horas, pelas manhãs, todos os dias. Tenho que escrever logo cedo, na madrugada, para que nada atrapalhe. Quando não consigo este tempo pela manhã, tento roubar duas ou três horas à tarde, o suficiente para escrever a ideia de um poema, uma crônica, um conto completo. Na edição para o projeto do livro posso fazer várias mudanças. Trabalho um projeto de cada vez, separado por gênero: livro de poesia, de crônicas, contos, coletânea, exposição multilinguagem. Com poemas não tenho disciplina. Escrevo em qualquer lugar, a qualquer hora, no blogue, em postagem de rede social, em cadernos de anotação, na agenda, quando a inspiração vem. Tom Waits dizia que a inspiração é como colher batatas, é preciso estar atento para não fugir. Organizar um livro de poesia é um caos! Um trabalhão catar as batatinhas esparramadas pelo chão. Ultimamente tenho preferido projetos solo, trabalho menos com parcerias e projetos coletivos. Assim, vou escrevendo um novo livro, enquanto finalizo outras fases de obras anteriores: edição, revisão, montagem com paratextos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Não planejo nada, a não ser o gênero e um fio condutor. Às vezes o fio é um eixo temático. Outras, é o processo. No meu mais novo livro de crônicas, “Amizade é amor”, comecei a escrever um texto por dia em meu blogue e fui deixando fluir. Não pensei num tema específico, muitos textos eram memórias da juventude e perfis de personagens reais. No livro de poemas “O fio da voz”, pensei nos temas da ausência, da suspensão do convívio social, da asfixia e de estratégias de sobrevivência que tivemos que criar durante o período da pandemia. O ponto de partida é o mais fácil, escrever a partir de um título, ideia ou sensação. O ponto final, o mais difícil: como fechar o livro? O processo de edição e revisão são as etapas mais trabalhosas.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não sigo rotina, mas preciso de silêncio para escrever. Para voltar a ler e escrever, depois que o único canal de relacionamento era virtual, durante a pandemia, tive que ir me afastando das redes sociais, pouco a pouco. Este silêncio que é não ter contato com outros, mesmo por escrito, é precioso. O silêncio de caminhar só pela cidade desperta a imaginação para desenvolver histórias e estimula sentidos para escrever poemas. Sem silêncio é impossível ler. A leitura é reflexo da escrita. Eu conseguia escrever crônicas e poemas e publicar no Facebook. O mesmo não acontece com os contos, em que as narrativas são mais densas.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Não desenvolvi nem uma técnica para não procrastinar. Quando não tenho vontade de escrever, passeio, leio, vejo filmes, vou encontrar amigos para conversar e espairecer. Como sempre tenho 2 ou 3 projetos em curso, procrastinar não é problema. O x da questão é organizar um livro. Algumas vezes me impus prazos, do tipo, lançar 1 livro a cada 2 anos. Isto se mostrou ineficiente. Antes, eu criava parcerias para não procrastinar. Hoje, prefiro trabalhar sozinha. Cheguei à conclusão de que a gente precisa do tempo ocioso para que a criação retorne revigorada.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O que está dando mais trabalho é este livro de contos. Depois de escrever dois livros de crônicas, resolvi me aventurar pela narrativa curta. Não domino ainda a técnica. Não sei se um dia dominarei qualquer técnica de escrita. Cada livro é uma tentativa para me aprimorar. Gosto das crônicas de “Eu também sou brasileira” porque me revelam e gosto de uns dez poemas do “Diário da vertigem”. Coletâneas também são projetos que exigem empenho.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os temas se impõem. Mas tenho escrito prosa sobre memórias afetivas e poemas sobre silêncio, silenciamento, dificuldades de comunicação, ausência, presença, temas pertinentes na minha vida. Não tenho leitores ideais, nem primeiros leitores.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não me sinto à vontade para mostrar meus livros a ninguém, nem quando já estão publicados. Meus primeiros leitores são o revisor e os autores dos paratextos. Talvez fosse útil ter leitores para visualizar o livro previamente.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
O primeiro momento foi aos quinze anos, quando decidi escrever poemas, influenciada por uma prima, que também escrevia. Demorei para publicar o primeiro livro, o que só aconteceu em 2008. Tive um amigo poeta que falou sobre o excesso de artigos e pronomes, passei a cortar tudo. Uma vez mostrei alguns textos para o escritor Caio Fernando Abreu e ele disse que eu não escrevia contos. Não consegui escrever contos por anos. Gostaria de ter publicado um livro aos 25/30 anos, mas nos anos 1990 o processo era mais artesanal e os espaços mais fechados a mulheres e escritores diversos. Hoje me surpreendo com jovens escritores que se entregam à literatura, sem hesitação. Há mais espaço e oportunidades.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Ainda não desenvolvi estilo próprio. Em relação ao estilo, só quero escrever de maneira mais límpida. Cada vez que descubro uma nova escritora, ela me entusiasma, não sei se influencia. Só me senti tentada a escrever como Clarice Lispector e Katherine Mansfield quando jovem. Fico feliz por nunca ter conseguido.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Como criei um Clube de Leitura Mulheres Asiáticas, em junho de 2021, com as escritoras Marina Yukawa e Luana Ueno, recomendo a leitura de escritoras asiáticas, porque sou uma delas e não somos conhecidas no Ocidente. Gostei demais de ler ficções que contam a história das brasileiras asiáticas de etnia japonesa, como “Sonhos bloqueados”, de Laura Honda-Hasegawa e “Os livros de Sayuri”, de Lucia Hiratsuka. No próximo semestre vamos ler “O buda no sótão”, da Julie Otsuka, que narra a história das “noivas do retrato”, japonesas que imigravam para os Estados Unidos para casar com agricultores. Também gostei de ler “Querida konbini”, de Sayaka Murata, que tem como protagonista uma incomum mulher comum. Aliás, quase todos os livros que estamos lendo mostram a história de mulheres comuns, não heroicas, mas que acabam transformadas em heroínas no contexto da macro história. Recomendo, também, como um mantra: leiam mulheres.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.