Mariana Rossi é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho entendido a disciplina como algo fluido e móvel. Acho que cada pessoa precisa encontrar a sua própria disciplina e o que é isso para si. Pra mim, ter uma rotina matinal é acordar e perceber o que que eu preciso pra começar bem. Não vai ser todo dia a mesma coisa. Tem períodos que escrevo as páginas matinais propostas pela Julia Cameron, n’O Caminho do Artista, outros em que preciso me espreguiçar muito na cama antes de levantar, às vezes pulo da cama antes dos pensamentos chegarem. O que é sagrado é silenciar uns minutos, respirar e JAMAIS abro mão de um café da manhã substancioso, risos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto muito das manhãs para trabalhar. Não sei se tem uma preparação, mas para escrever, preciso estar conectada comigo. Tem uma parte que precisa estar em estado de coragem. Algo como um bonito “foda-se, eu sou assim”. Daí minha escrita flui. Se estou em um estado mais inseguro, por qualquer razão, me distancio da escrita ou a escrita fica custosa. Sinto que ela é sempre um movimento que parte de eu ser muito eu mesma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
nunca tive uma meta de escrita diária. é tudo bem intuitivo. percebo que nos períodos em que não escrevo muito, vou ficando ansiosa e triste. nesse caso, escrever é sempre um retorno. mas tem períodos em que escrevo todos os dias, naturalmente. uma ideia vem e anoto. se estou precisando escrever para um projeto específico, percebo que uma parte minha fica em uma espécie de alerta criativo o tempo todo, conectada com o tema, e aí são períodos bem criativos que acontecem de forma mais concentrada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
olha, quase não consigo separar escrita e pesquisa. essas vias são sempre muito íntimas no meu trabalho. tenho a imagem de elas serem bem ensanguentadas de mim. então são movimentos concomitantes, brutos, é um tipo de processo meio indomável. pro meu bem ou pro meu mal (depende muito da perspectiva, rs), meu processo é bem caótico. porém, depois de concluído, consigo olhar e compreender que havia uma ordem no caos, havia uma lógica, tudo estava em seu lugar. por isso, me agarro (tento!) sempre à máxima confia-no-processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
olha, investigar tudo isso é minha vida, risos. investigo no teatro, investigo na performance, investigo na escrita, na educação, nas minhas relações, na terapia, na yoga. esse não conseguir fazer, a procrastinação até o último minuto, o paralisar diante do novo ou até do próprio desejo, isso me interessa muito como material criativo porque é absurdamente, assustadoramente humano. acho que quando chego nessas encruzilhadas, um dos remédios mais eficazes é lembrar que não sou tão importante assim, rs. que posso ser imperfeita, mediana, errante. isso me liberta. me vejo um pouco como uma cientista da vida, com tubos de ensaio, líquidos coloridos e fumacinha, haha, e assumir isso pra mim tem me ajudado a aceitar que vão ter equívocos no meio do caminho e isso não pode impedir o movimento, pelo contrário, me levarão ao próximo, mais consciente e experiente.
sobre projetos longos, se forem bem estruturados desde o início, não costumam me gerar ansiedade. pelo contrário, tem um prazer em saber onde estou pisando.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
poucas vezes. mas depende que tipo de trabalho é. se é texto para teatro, por exemplo, mostro para amigues, reescrevo várias vezes, inclusive até “caber na boca” da atriz que, muitas vezes, sou eu mesma, rs. mas nos textos poéticos, como nos textos do meu livro, líquida, fazem parte da escrita a brincadeira de deixá-los serem como são porque ali investigo a liberdade, a falha, a ruptura com o desejo de acertar. e, ainda assim, claro que escolhi os textos que me agradam, que eu acreditei que poderiam também se conectar com o outro, mas desse jeito fluido, em que a autora e quem a lê estão de mãos dadas permitindo se buscarem enquanto existem. e na busca, nada está pronto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
olha, o principal hábito pra mim é observar tudo com algum estranhamento. parece que algo em mim nunca se acostuma com as coisas. acho que todas as minhas ideias vêm daí e isso torna viver mais interessante também.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
desde o princípio, mesmo sem saber muito, percebo que eu buscava ser livre através da palavra, mas a forma da busca mudou muito. no início, acho que uma parte minha queria muito escrever bonito, e isso te distancia de você e de uma parte importante da sua verdade e da sua escrita. eu diria alguma coisa como: mariana, eu te amo. segue aí que o processo vai se revelar. mas te adianto: seja louca, escreva o que vier.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
um longa musical, bem irônico e divertido. queria ler um livro que flutuasse quando eu leio deitada, rsrs.