Mariana Reis é poeta, escritora e assistente social, autora de “Poesia em Travessia”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sempre gostei de acordar um pouco mais cedo todos os dias para tomar café da manhã com calma, geralmente, lendo um bom livro, alguma newsletter ou jornal literário.
Há alguns meses comecei a ler “O caminho do artista”, de Julia Cameron, voltado para o desbloqueio criativo e a (re)descoberta na nossa essência artística. Um exercício que a autora sugere no livro é, toda manhã, logo ao acordar, preencher as páginas matinais com fluxo de consciência. A autora sugere preencher pelo menos três páginas com tudo o que vier à mente, sem critério ou preocupação estética. Tem sido um exercício fantástico. Não são todos os dias que consigo, mas percebo que, quando o faço, meu dia fica mais leve, tenho mais concentração e minha criatividade fica mais aguçada. Veja bem, não é nenhum milagre, é uma técnica poderosa, como muitas que ela traz no livro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu adoro as manhãs, até mesmo antes do sol nascer. Como sou Assistente Social e tenho uma rotina bastante complexa no Tribunal de Justiça onde trabalho, além de outros compromissos na minha área profissional, costumo escrever sempre que posso. No horário de almoço; pela manhã no café; durante o trabalho, quando alguma situação ou história me inspira. Gosto também de escrever aos domingos, principalmente quando estou na sacada, observando o beija-flor que vêm beber água.
Tenho vários caderninhos de escrita: um para cursos, outro para frases soltas e outro em que escrevo poesias e devaneios. Gosto de escrever também no bloco de notas do celular e tenho me esforçado para organizar tudo isso depois no notbook. Gosto de criar pastinhas para ideias e projetos diferentes. Nem sempre fui organizada, mas no momento em que me esforcei para ser, percebi a mudança que isso gera nos processos de escrita.
Tenho em casa uma mesa de trabalho que me inspira, com livros, canetas coloridas, fotos, luzes adequadas e os meus caderninhos que estão sempre ali à mão. Isso ajuda muito!
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta, mas criar o hábito da escrita é importante. Escrever é um ato, uma ação, precisamos estar sempre abertas/os para as coisas simples da vida que podem gerar um texto ou uma poesia. Gosto muito de cursos de escrita criativa que me ajudam a movimentar a energia criativa. Costumo reservar alguns dias na semana e, pelo menos uma hora nesse dia, para escrever. As páginas matinais têm me ajudado muito, pois escrever em fluxo de consciência é como abrir a porta para as ideias que podem estar ali escondidas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ler e escrever são dois verbos que precisam andar de mãos dadas. Estou sempre lendo. Esse hábito faz parte do meu processo de escrita e de pesquisa. Já ouvi e li de vários/as escritores/as que não precisamos de grandes temas para começar a escrever. Então, quando estou pesquisando alguma coisa é porque eu realmente estou fascinada por naquele tema. O assunto e as palavras acabam me pertencendo. É assim que inicio a escrita. Quanto mais eu conheço, mais me sinto segura para escrever e criar. Mas o desconhecido também pode surgir no caminho. Nesse momento, eu volto para a pesquisa, para a leitura e depois retomo para o processo de escrita, nessa dialética-po(ética).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O livro “O caminho do artista” tem me ajudado com essas questões. Indico. Pausas para respirar e contemplar são importantes. Apreciar outras formas de arte também ajudam. Nós somos o acúmulo de pessoas, situações, fatos e histórias. Nossa escrita também é.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como assistente social que escreve muito todos os dias (produzo laudos e relatórios sociais para a justiça), aprendi que, quando o caso é complicado e minha escrita pode ter impacto na vida das pessoas, é necessário dar um tempo. (Re)ler quantas vezes for necessário antes da entrega.
Muitos dos meus escritos poéticos surgem no impulso. Aprendi a fazer o mesmo que faço com meus relatórios. Dou um tempo e algumas vezes peço para algumas pessoas de confiança lerem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Gosto da escrita à mão, mas percebo que textos longos conversam comigo melhor no notbook. Mas as anotações e ideias iniciais costumam vir pelo papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu trabalho com muitas histórias. Muitas delas de dor e violência. Entretanto, muita luta e pessoas que resistem e existem como direito, para além de apenas sobreviver. Isso me inspira.
Sou muito observadora e procuro ficar sempre atenta às pequenas coisas do cotidiano. Tenho descoberto que minha voz na escrita está nesse lugar: na vida de mulheres e homens, crianças e adolescentes, idosos/as e suas histórias; mas também na pequeneza, nos pequenos gestos; nos olhos, pela primeira vez descobertos, em rostos mascarados; e principalmente, na minha própria história.
Acredito que (re)visitar a minha própria história, minha criança artista, tem me ajudado muito na minha criatividade. Gosto também de caminhar, o andar me inspira. Sempre que viajo gosto de andar pelos lugares, ver as pessoas, descobrir sem pressa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu percebo o amadurecimento na minha relação com as palavras, principalmente em relação a respeitar o tempo da escrita. Deixar que os versos e os sentidos se acomodem nas linhas.
Se eu pudesse me dar um conselho, eu diria “não tenha medo de errar e de apresentar para o mundo seu coração pulsando poemas”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho vontade de fazer o curso de Letras e a Pós-graduação em escrita do Instituto Vera Cruz. Recentemente eu iniciei o Doutorado na minha área que também era um sonho. Então, por enquanto, estou vivendo intensamente esse processo.
Eu tenho uma obsessão por ler tudo o que se relaciona ao universo feminino e feminista. Estou estudando a perseguição às mulheres no Brasil no Doutorado, e gostaria de trazer algumas das histórias que pesquiso para um romance no futuro. Quem sabe!