Mariana Madelinn é poeta e escritora de ficção especulativa.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Geralmente eu me organizo aos finais de semana, mas sempre surgem novas demandas no decorrer dos dias. Por isso, costumo me dedicar às redes sociais pela manhã e reservo à tarde pra escrever, ou organizar os conteúdos que pretendo produzir.
Eu prefiro lidar com, no máximo, três projetos ao mesmo tempo. Mas frequentemente chegam propostas paralelas. Sou ansiosa e já sofri bastante com burnout, por isso me organizo ao máximo, incluindo momentos de descanso pra não pifar de vez.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu escrevo de maneira intuitiva, então muito surge durante a execução. Mas sempre começo com um planejamento básico: penso na mensagem que quero transmitir com a narrativa e características dos meus personagens. Quando me inspiro a começar algo novo, tenho ao menos uma cena completa em mente.
Por isso, pra mim, é mais difícil a última frase. Começar parece orgânico e parte da construção do próprio enredo. Mas terminar exige coerência com tudo que foi feito até aquele ponto, então novas preocupações me cercam. O que exige um longo processo de revisão da história, no qual por muitas vezes me parece maçante.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu produzo bem melhor quando não tenho distrações por perto. Um ambiente silencioso é o ideal, mas nem sempre possível de se obter na minha realidade. Por isso, eu acabei desenvolvendo técnicas que me ajudem a focar. Desde escutar uma música que prenda a minha atenção à literalmente me isolar pra conseguir produzir.
Cada história é uma experiência muito particular, então não desenvolvi um método de escrita. Vou estabelecendo de acordo com o que quero criar, naquele momento.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Quando me sinto empacada, eu busco consumir arte. A arte de maneira geral me inspira. Então procuro filmes, músicas, séries, eventos relacionados ao que estou querendo escrever ou que me confortem de alguma forma. Acho que quando estamos bem, também produzimos mais e melhor.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
O meu conto “O Odu quer brincar na festa”, presente na antologia Farras Fantásticas, publicado pela Editora Corvus, foi o que mais me deu trabalho e orgulho. Isso porque recebi o convite para compor o projeto e isso por si só, já representava uma grande responsabilidade.
A antologia homenageia festas populares nordestinas através de ficção especulativa e fantasia. Algo que acredito e no qual tenho voltado meu trabalho nos últimos anos. Então havia uma grande honra pelo convite, mas também uma grande preocupação em representar o meu Estado de uma forma inovadora e competente.
Eu estudei bastante e acho que esse foi o conto, no qual mais planejei a estrutura antes mesmo de escrever. Também procrastinei muito, mas em poucas sentadas escrevi o conto por completo. Acho que o processo de leitura crítica e reescrita, com a Editora e os organizadores da antologia, demandou mais tempo do que o de criação propriamente dito. O resultado foi incrível. É um marco na minha carreira poder falar da Bahia através da Irmandade da Boa Morte, em um projeto que alcançou 190% do financiamento coletivo. Mais de 700 pessoas irão me conhecer através desse conto.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Eu escrevo histórias que gostaria de ler. Encaro como missão inserir personagens com as minhas interseccionalidades, nesses universos fantásticos ou de sci-fi.
A literatura ainda é um cenário muito dominado por homens brancos, cis e héteros. Dessa forma, a minha própria existência no mercado já simboliza uma quebra de paradigmas. Ao ocupar esse espaço que me foi negado, nada mais justo que abrir caminho para outras minorias tão corriqueiramente invisibilizadas. É pra demarcar as variadas existências que escrevo, mas também para honrar minha ancestralidade.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Normalmente eu apresento a história depois de finalizada, porque meu próprio processo de criação envolve desistências e mudanças de plano. Gosto de compartilhar com amigos escritores, que trabalham com os mesmos gêneros literários que eu. Porque além do olhar sensível, geralmente vem um palpite técnico!
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu escrevo desde os meus 14 anos, mas só decidi encarar a escrita de maneira profissional aos 24. Eu tinha acabado de me formar e os meus planos de carreira não estavam fluindo. Me sentia estagnada e tinha um romance engavetado.
Então em 2018 visitei a FLICA (Feira Literária Internacional de Cachoeira) e lá decidi que daria andamento ao meu lado artístico. O impulso pra publicar a minha história, do jeito que fosse, ganhou corpo. O que eu não imaginava é que depois disso, a literatura me levaria a tantos lugares, me apresentaria pessoas e me daria tantas alegrias. Hoje ela é um dos meus planos principais.
Eu gostaria de ser mais incentivada a tentar e também a formar meu próprio núcleo com profissionais da área, a fim de lapidar o texto. Comecei sem incentivos e fazendo tudo por conta própria, então tive que retomar a leitura e trabalho do texto algum tempo depois.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Como o que eu escrevo é também o que mais consumo, o processo parece orgânico. Porque eu falo sobre o que eu gosto. Nesse sentido, a poesia foi a minha base e escola literária. Ainda é o que escrevo semanalmente pra desabafar, ou me encarar de frente. Os meus poemas são mais intimistas e normalmente permeiam temas provocadores pra mim.
Já na ficção especulativa, o meu primeiro desafio foi sair de uma página para cem. Afinal, a poesia costuma ser mais objetiva, ainda que metaforicamente. Inicialmente eu tinha pânico e me sentia atacada pela síndrome do impostor. Mas eu insisti e foquei nos sentimentos, que também são meus gatilhos pra escrever em versos. Fiz isso até encontrar meu ritmo. Embora as pessoas olhem para os dois gêneros como opostos, pra mim eles são bem semelhantes. Tanto a poesia, quanto a ficção contam histórias. Seus formatos só entregam a estética e o modo como essas histórias serão contadas.
As narrativas que mais me tiraram da zona de conforto ou me surpreenderam, também me inspiraram a desenvolver o meu próprio estilo. Nesse sentido, posso citar Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Paulo Leminski e Meg Cabot como influência.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
De poesia, indico “Toda Poesia”, que reúne várias obras de Paulo Leminski. É meu livro atual de cabeceira. De ficção especulativa, além do Farras Fantásticas, indico Morte Matada de G.G Diniz, presente na Coleção Carcarás, da Editora Corvus.