Maria Luiza Machado é escritora baiana e editora, idealizadora da Mormaço Editorial.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Tendo a me sentir muito ansiosa, de forma realmente disfuncional, quando muitos projetos que exigem igual dedicação estão em andamento, então tento me programar, quando possível, para dar alguns intervalos. Organizo minha rotina por semana e por dia. A revista da editora exige uma programação semanal, por exemplo, e a partir dela vou encaixando as demais demandas. Trabalhar desta forma mais certinha, com uma rotina, foi algo que só aderi de fato com o começo da Mormaço e tem me feito muito bem.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Como editora, que é a função que para a qual mais tenho me dedicado hoje, não há como não existir um planejamento. Com ele os processos já podem ser complexos, então imaginem sem! Como escritora, depende do projeto. Os poemas que escrevo em série ou cujas ideias surgem aleatoriamente não são planejados, mas me organizo para o processo de escrita, deixar o texto decantar e revisão (o que pode durar um dia ou meses). Quando são textos “encomendados”, penso bastante na primeira frase, às vezes por dias, pois pra mim ela é o que dará o tom do texto. A partir daí me organizo em relação ao tempo que tenho para entregá-lo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Mais ou menos. Não de forma quase metódica quanto o que citei na primeira resposta, mas tiro um tempo do dia, todos os dias, pra me dedicar. É meio impossível não fazer isto, pois nesses períodos, os poemas parecem não sair da cabeça. Ainda que muita coisa venha à mente durante o dia, em que preciso do celular para fazer anotações, preciso reservar um momento em frente ao computador para colocar tudo em ordem. Acho que assim funciona com a escrita e planejamento de um livro de poemas, com prosa não tenho tanta certeza… teria que experimentar um pouco mais.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Quando trava, eu leio. Eu leio o tempo todo, na verdade, acho que minha função primordial no mundo é ser leitora. Mas quando acontece em meio à uma produção, a solução é ler algo específico, ou consumir obras de arte em geral. Ler poesia sempre me acalma, parece abaixar todos os níveis de cortisol e ansiedade, e pesquisar sobre a história de algum elemento do meu texto, ainda que muito pequeno, ajuda no surgimento de outros caminhos para ele. Ao invés de ir na direção que eu estava tomando, virar para outra. Sair de casa também ajuda, o home office às vezes pode ser enlouquecedor.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Sinceramente não lembro, nunca parei para pensar. Mas acho que na edição do meu último livro, o Tantas que Aqui Passaram, que foi quando me deparei de fato com o processo de edição de poemas, com alguém do meu lado questionando os elementos e sugerindo ideias e até reescrita (algo que não aconteceu com as duas primeiras publicações), foi quando mais senti orgulho do que eu estava fazendo e também muito prazer. Chamei Jarid Arraes para editar, que é alguém que admiro profundamente. Foi difícil pegar o ritmo, entender as sugestões e necessidades de mudanças, mas foi como se algo novo tivesse sido aberto, um portal, não sei. Achei o processo fantástico, o cuidado de outra pessoa com o meu texto, ouvir outras visões e interpretações para um detalhe que pode parecer muito pequeno ou eu não ter percebido o motivo de eu ter escrito… achei importantíssimo. Tanto que passei a estudar edição e abri uma editora. É uma obra que gosto muito, fico feliz de ter escrito e adoro quando paro pra pensar nas pessoas que reuni para fazê-la acontecer. Agradeço a todas, sempre.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Nunca pensei nisso de leitor ideal. Talvez seja algo interessante de se fazer em algum momento. Mas os temas são pensados de acordo com quais “tipos” de poemas quero que estejam em determinado livro. Nos meus dois últimos, por exemplo, Todos os Nós (Penalux, 2019) e Tantas que Aqui Passaram (Mormaço Editorial, 2021) queria muito que existissem personagens e que todos os poemas fossem interligados de alguma maneira, então o foco foi tentar fazer isso dar certo dentro de um livro de poesia.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Isso depende muito. Às vezes mostro a alguns amigos poemas avulsos, outras vezes gosto de mostrar só quando uma série está pronta. Às vezes, também, como foi o caso do último livro, a primeira pessoa a ver (se não me falha a memória) foi minha editora.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu acho que tiveram alguns momentos importantes nesse sentido. O primeiro foi num período difícil da faculdade (também sou psicóloga) em que eu não estava nem um pouco feliz. Foi quando decidi publicar o primeiro livro. O segundo foi quando, depois de formada, e em meio à pandemia, decidi que, de fato, o que eu queria fazer era trabalhar com literatura. E o terceiro foi quando abri a Mormaço. Cada um deles aconteceu em momentos muito específicos da minha vida e todos reforçaram um pouco essa minha vontade, até chegar no que eu faço hoje.
Acho que devo ter escutado bastante gente dizendo pra não ter pressa e fazer as coisas com calma desde o primeiro livro, mas não dei ouvidos, não Sou ansiosa, queria o objeto na mão, queria algo que me fizesse ser chamada de escritora logo (o que não aconteceu, pelo menos a autodeclaração levou uns dois anos para acontecer; me reconhecer escritora, me apresentar como escritora, mesmo com livro publicado não foi tão rápido. A gente tem essa ilusão de que o objeto-livro nos torna algo, ou nos valida para ser algo, mas nem sempre. Acho que isso acontece principalmente com mulheres, é complexo). Mas bom, voltando: não me arrependo da correria, apesar de hoje tomar cuidado com cada etapa de qualquer projeto, tento não fazer nada com pressa quando é possível e, principalmente, estudo muito. Quando alguém me pergunta o que fazer, como começar, é o que eu tenho pra dizer: pouca pressa e muito estudo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
A melancolia e o traço poético quase sempre presente nos autores portugueses contemporâneos acho que sempre me influenciaram, mas só fui entender mesmo que eu gostava de escrever verso, e não prosa, e não um formato híbrido como às vezes tentava fazer, lendo poesia brasileira de hoje. Lendo colegas, prestando atenção no que aparecia no Instagram, entrando em livrarias com foco em independentes e nos sites das próprias editoras… Aos poucos fui entendendo, não foi rápido, mas foi um processo interessante. Não foi algo que busquei encontrar de forma determinada, por exemplo, mas que foi se construindo aos pouquinhos.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Tenho recomendado sempre “A Anatomia dos Parênteses”, de Hosanna Almeida, autora também baiana. Acho que ela representa muito a nova leva de poetas daqui.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.