Maria José de Rezende é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, procuro construir uma rotina de escrita. Todavia, essa rotina, muitas vezes, sofre alterações em razão de minhas outras atividades, tais como: ministrar aulas, reuniões de grupos de pesquisas, leituras, orientações, pareceres, correções de trabalhos e provas, participações em bancas e atividades burocráticas. No decorrer do semestre, tento organizar as atividades de modo que tenha períodos bem definidos de dedicação ao processo de escrita. Há períodos do ano em que consigo uma dedicação maior ao trabalho de sistematização dos resultados da investigação através de artigos, textos para anais e capítulos de livros. Há períodos mais conturbados nos quais o tempo dedicado à escrita fica menor. Em momentos assim, tendo a ocupar os sábados, domingos e feriados com atividades de pesquisa e escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na parte da manhã. Gosto muito de pesquisar e de escrever nas primeiras horas do dia. Quando é possível, considero muito produtivo alongar o período da manhã o máximo possível. A escrita flui melhor quando não nos afastamos por longos períodos daquilo que estamos fazendo. A ausência prolongada de um texto torna mais difícil a sua conclusão. Quando inicio um artigo, procuro dedicar todo o tempo disponível a ele. Todos os momentos que posso escrever tento utilizar em prol do artigo em andamento. Não costumo iniciar vários artigos ao mesmo tempo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em razão das atividades da docência, orientação, participação em bancas, preparação de pareceres para revistas científicas, entre outras coisas, não é possível escrever todos os dias. Mas todos os espaços de tempo disponíveis, procuro preencher com leituras, pesquisas documentais e redação de artigos. Em vista das pesquisas documentais em andamento, fico muito tempo envolvida com as leituras, análises e sistematização de documentos. Como só escrevo artigos científicos, precede a feitura deles a pesquisa documental e bibliográfica. Há períodos em que estou mais concentrada nas pesquisas, há momentos em que estou mais concentrada na escrita de artigos, livros, capítulos de livros e textos para Anais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Algumas vezes a escrita flui melhor. Outras não. Penso que são muitos os fatores envolvidos, inclusive emocionais, psicológicos. Vamos supor que temos em mãos os dados suficientes, muitas leituras acerca do objeto e do problema de pesquisa, isso vai facilitar muito o processo de criação. Mas nem sempre isso é suficiente. A escrita depende da boa concentração, da assiduidade, do tempo de dedicação, etc. Se é difícil começar? Às vezes sim. Às vezes não. É preciso ter um norte claro (dado pelo nosso objeto de estudo que tem de estar muito bem delineado). Isso facilita muito. O movimento da pesquisa para a escrita não é aleatório, ele se inscreve naquilo que exige o objeto e o problema de estudo. Temos que definir – e se necessário fazer ajustes – de que modo faremos a comunicação escrita daquilo que estamos estudando. Quais são os nossos caminhos, objetivos e hipóteses. Algumas vezes planejamos escrever um artigo sobre um conjunto de dados e materiais de pesquisa, todavia, durante a escrita, percebemos que é necessário muito mais que um artigo para comunicarmos o que a pesquisa revelou.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho problemas com a procrastinação. Quase nunca adio o trabalho, a escrita para momentos posteriores. A ansiedade não é uma trava para a escrita. Para mim ela impulsiona a busca constante por tempo e meios de realizar os trabalhos. Os projetos de longo prazo vão demandando produções escritas ao longo de sua realização. Todos na equipe têm de estar cientes disso, caso contrário, os ritmos ficam confusos e a produção dos resultados da pesquisa distinta e destoante. Ainda que haja ritmos diferentes – sempre há – é necessário lidar com as diferenças e singularidades (na produção de textos, artigos, comunicações de pesquisa) e encontrar alguns caminhos viáveis para a produção de resultados.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A sensação é que eles nunca estão, de fato, prontos. O texto pode ser reescrito várias vezes. Muitas mesmo. Ao longo da escrita, sempre leio e releio o que já escrevi no dia anterior. Vou fazendo ajustes. Buscando as partes que não estão claras e tentando clarear. Procuro sim conversar sobre o que estou escrevendo com algumas pessoas que possuem afinidades temáticas com o objeto de estudo. O encadeamento lógico, claro, da exposição e do raciocínio é uma árdua tarefa que consiste em fazer e refazer o texto. Como me preocupo muito com a clareza da ideia e da escrita, procuro sempre melhorar o máximo possível o texto. Acredito que a leitura atenta de pessoas especialistas em expressão linguística é de grande valia. Devemos sempre ter a preocupação com a escrita, daí a importância de dialogarmos com pessoas que possuem um profundo conhecimento na língua portuguesa. Tenho tido o prazer de contar, nos últimos vinte anos, com o auxílio, no caso da revisão da língua portuguesa, do professor Aluysio Fávaro. Sua contribuição tem sido fundamental para que os textos sejam mais elaborados, mais claros e mais didáticos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sim, escrevo diretamente no computador. Não tenho qualquer problema com a tecnologia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Penso que a leitura constante de materiais diretamente ligados aos meus objetos de estudo e de materiais de teoria social geral e teoria social brasileira tem-me ajudado muito. Alguns cientistas servem como verdadeiras inspirações. Celso Furtado, Norbert Elias, Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, podem ser tomados como autores inspiradores. De onde vêm minhas ideias? Está aí uma pergunta que é difícil responder. Elas vêm de uma cadeia longuíssima de conhecimentos e experiências. Como diz Norbert Elias, ninguém é um começo. As nossas ideias, pensamentos e conhecimentos se inscrevem em um longo processo de produção de saberes e experiências. O hábito de leitura de temas diversos, de obras literárias, de materiais que estão fora de nossa área de especialidade nos ajuda muito na escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O tipo de escrita é um traço que nos segue durante a vida. Talvez haja períodos em que escrevemos melhor que em outros. Não há uma linearidade. Uma melhora constante. Há momentos de maior clareza nos argumentos. De narrativas melhores. Há também momentos piores. Há motivos objetivos e subjetivos que interferem. Se pudesse voltar a escrever a tese de doutorado, talvez eu daria mais peso a algumas questões e menor a outras. Incorporaria outros autores no referencial teórico. Mas não faria mudanças substanciais do ponto de vista do conteúdo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de desenvolver alguns projetos acerca da formação da Sociologia na América Latina. Tenho feito leituras, sistematizado materiais, juntado uma porção de coisas. Pretendo avançar nesse caminho nos próximos anos. Eu gostaria de ler muitos livros que existem, isto é, no campo das Ciências Sociais, da História, da Literatura. Adoraria reler autores da literatura brasileira, com mais calma, com mais vagar, como exemplo posso citar Graciliano Ramos, Raduan Nassar, entre muitos outros. Nunca pensei nisto: gostaria de ler um livro que ainda não existe. Há tanta coisa maravilhosa escrita (nas Ciências Sociais e na Literatura brasileira e mundial) que me angustio muito em saber que a vida é curta demais e que não poderei ler tudo que eu gostaria de ler. Não me preocupo com o que não foi escrito, mas sim com o que já foi escrito e eu gostaria de ler e ainda não li.