Maria Izabel Sanches Costa é cientista social, doutora em saúde pública pela Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou diurna, apesar de gostar de dormir bastante. Acordo cedo, tomo um belo café-da-manhã, gosto de me inteirar das notícias e acontecimentos gerais e levar minha cachorra para passear. Começo a trabalhar efetivamente por volta das nove da manhã. Sou muito ansiosa e, para me acalmar, aprendi a fazer uma lista sobre as atividades que tenho de realizar ao longo do dia. Isto me ajuda a organizar a agenda e me deixa mais calma quando faço uma avaliação dos itens finalizados.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Começo a render por volta das 9h30 ou 10h da manhã. Gosto de separar a manhã para questões mais administrativas, responder e-mail, pesquisar, ler bastante, concluir todos os meus checklists. Já percebi que a melhor hora do dia para escrever é à tarde, por volta das 15h. Antes de escrever, preciso pesquisar bastante o assunto. Separo arquivos e livros, leio, tenho necessidade de grifar, rabiscar, registrar ao lado os insights que tenho ao longo da leitura. Em seguida organizo o material em subtemas. Depois de ler tudo que separei, preciso definir com precisão o objetivo do texto. Só com todas essas etapas começo a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para mim não funciona ter uma meta diária. Lembro que tentei fazer isso no início do doutorado, mas dificilmente conseguia concluir. Tem dia que estou mais inspirada e a escrita flui maravilhosamente bem, mas tem dia que, por mais que passe horas à frente do computador, não consigo escrever uma linha. Entretanto, como sou muito ansiosa, o ideal é ter noção do prazo final, criar um plano, escrever com calma e revisitar a pesquisa ou o texto todos os dias, mesmo que seja apenas para reler. Não consigo procrastinar e deixar para o último momento. Se isso ocorrer, sei que travarei e não conseguirei cumprir o prazo, o que me deixará frustrada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sou nada metódica na vida particular, mas sou no processo de pesquisa. Preciso ler bastante no início, criar categorias… Chego ao ponto de criar categorias para separar os textos de leitura. Se não fizer isso antes, não consigo começar. Sempre inicio um projeto novo muito empolgada, o que me faz ver meu objeto de estudo em tudo que faço e ouço. Falo muito sobre o assunto com pessoas próximas e isso me ajuda a organizar o pensamento e ter insights. É quase uma necessidade de vivenciar o assunto. No início da escrita em si, o texto ainda fica bem bagunçado. Jogo as ideias no papel para não perdê-las, escrevo parágrafos isolados em cores diferentes sobre o assunto. O texto vira um frankenstein. Só com o tempo e muitas releituras é que começa a ganhar corpo. A leitura de terceiros me ajuda nesta etapa, principalmente da minha família e amigos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como já disse, sou muito ansiosa, não consigo procrastinar muito. Vou dormir e tenho pesadelos por saber que deixei algo pendente. E como não consigo ser produtiva com prazo apertado, preciso organizar a minha agenda e fazer tudo com muita calma. Quando tenho travas, preciso revisitar os textos bases, conversar sobre o objeto de estudo para reorganizar as ideias e me inspirar de novo. Medo de não atingir as expectativas eu sempre tenho e, por isso mesmo, sempre peço a opinião de várias pessoas: família, amigos, parceiros de pesquisa, orientadora etc. Não tenho problema em trabalhar com projetos longos; até prefiro, para falar a verdade, para dar tempo de amadurecer os argumentos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu mesma não reviso muito meus textos, isto é algo que estou trabalhando internamente para começar a fazê-lo. Normalmente eu peço para que outros o façam, como familiares e amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo no computador. Entretanto, gosto de ler no papel para poder rabiscar, grifar, escrever notas etc. Ao longo do processo, salvo várias versões do arquivo com a data da última modificação. Também salvo tudo na nuvem para poder abrir de qualquer computador ou celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de discussões em grupos de pesquisa, de textos, propostas de trabalho e até mesmo de bate-papos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Comecei a ser menos rigorosa comigo mesma, a compreender que cada um tem seu estilo e que você pode se adaptar às necessidades do texto. No mestrado, minha escrita foi mais poética e livre. Já no doutorado, a área da saúde pública me forçou a ser mais acadêmica e com uma linguagem mais quadrada. Hoje eu gostaria de voltar a ser mais poética e leve. Vamos ver se conseguirei. Só sei que a arte da escrita é um processo progressivo. É uma meta de longo prazo, creio que durará minha vida inteira. Se eu pudesse voltar no tempo, diria: “Calma! Não se cobre tanto!” A escrita é prática, é inspiração, é saber organizar seus pensamentos e argumentos. Exige tempo e dedicação. É uma arte.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Se tudo der certo, iniciarei uma pesquisa sobre os Hospitais de Custódia (antigos Manicômios Judiciários) com uma equipe super bacana. Este foi meu objeto de pesquisa no mestrado e creio que será uma oportunidade maravilhosa para poder revisitar a instituição depois de tanto tempo. Não consigo pensar em um livro que ainda não existe, mas tenho uma lista enorme de livros que já existem e que gostaria de ter mais tempo para ler.