Mari Mendes é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho ciclos de criação que variam. Costumo acordar cedo, pois meu filho levanta cedo também. Tenho fases de acordar bem cedo para escrever, foi assim com meu livro de contos e meu romance. Quando não estou trabalhando em um livro, geralmente as ideias vêm ao longo do dia mesmo.
Agora, em fases de escrita começo a dormir mais cedo e vou entrando em uma rotina matinal. Umas seis da manhã faço café, encho minha caneca e vou pra frente do computador. Escrevo até a hora do trabalho, às oito da manhã, ou até meu filho acordar, geralmente antes disso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto mais de trabalhar de manhã cedo. Principalmente quando durmo cedo também. A cabeça está mais alerta, ao mesmo tempo, é mais fácil entrar no fluxo de escrita. O fluxo de escrita é quase um transe, uma forma de dormir com as mãos no teclado. Isso na escrita, o momento de liberdade maravilhoso. Na reescrita o negócio é outro, mais tenso. Meu ritual é o do café. Eu preciso tomar café todo dia, se não tomo, fico com dor de cabeça. Então, preparar o café é me preparar também. Depois é entrar no fluxo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo ficção todos os dias. Escrevo todos os dias no trabalho, mas não são textos literários. Tenho ciclos de criação com períodos mais concentrados. Também não tenho uma meta diária. Aprendi a entender o meu processo e aproveitar cada fase dele. Antes tentava controlar, ditar metas e forçar a escrita em momentos não apropriados. Escrever mil palavras todos os dias pode funcionar para o King, mas pra mim a coisa funciona de outro jeito. Até porque minha vida também é outra. Não tenho o dia livre para meu processo, então preciso aproveitar as brechas. Escrevo nas brechas, aproveito tempos que sobram, cavo tempo nos dias, geralmente de manhã cedo ou tarde da noite. Escrever funciona mais de manhã cedo. Reescrita tem funcionado melhor a noite.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começo reunindo referências conscientes (pois algumas surgem durante o processo de forma não pensada), e depois começo a pesquisa. Tenho sempre um caderno onde anoto trechos que me vem durante o dia ou durante a pesquisa, informações sobre personagens, ideias para a trama, reflexões… Geralmente o começo da escrita é um transbordar. Estou lendo um livro ou um artigo científico, uma reportagem ou vendo um documentário, uma entrevista e tenho que parar porque a história vem. Nesses momentos começo a escrever no celular mesmo. Chega uma hora que sinto a necessidade de um ciclo de escrita diária com café na frente do computador.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Geralmente volto para as referências ou engato uma pesquisa relacionada ao que estou trabalhando na história. Isso costuma ajudar. Mas às vezes eu preciso só dar um tempo. Ou escrever outra coisa: um poema, anotar em meu caderno os motivos do bloqueio para entender o que preciso para continuar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A reescrita é o período mais longo do meu processo. Ou talvez o mais intenso… é difícil cortar frases, adicionar parágrafos, mudar trechos de lugar, repensar verbos, reorganizar frases. Gosto de compartilhar partes do texto no processo, mas quando a primeira versão está escrita, talvez reescrita algumas vezes, experimento oferecer para leitores beta. É uma experiência muito interessante, mas tenho que tomar cuidado com a tendência de mudar muito o texto para agradar, sabe? Isso pode atrapalhar um pouco, principalmente se deixo de lado a originalidade. Não consigo dizer quantas vezes reviso. Contos são mais ágeis e costumo revisar duas ou três vezes. O romance que estou reescrevendo já perdi a conta de quantas vezes já revisei. Às vezes a ansiedade atrapalha a maturação dos textos. Tendo a ter mais atenção na reescrita hoje do que já tive no passado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro escrever no computador. O que escrevo a mão são anotações que, na maioria das vezes, não entram no texto.
Tenho experimentado escrever no celular também. Bloco de notas e editor de texto na palma da mão é muito bom para textos que surgem pedindo registro e não dá tempo de ligar o computador. Antes da pandemia escrevia nas viagens de ônibus para o trabalho também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Nossas experiências aparecem no que escrevemos, não dá pra evitar. Mas, gosto de manter um período de pesquisa para me nutrir de referências específicas. Nessa pesquisa entra de tudo: livros de ficção e não ficção, documentários, filmes, seguir pessoas nas redes sociais, relatos, pesquisas científicas, etc. O caderno de anotações é muito útil no processo, lá eu coloco tudo que me chama atenção nas pesquisas. Algumas anotações faço direto nos livros.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo comecei a fazer uma pesquisa mais sistemática e aprendi a controlar a ansiedade para reescrever mais o texto. Para a Mari de quatro anos atrás eu diria: confia no processo e não tenha pressa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma lista de livros que quero escrever. Em meu próximo romance quero trabalhar com a história de uma escritora dos anos 1920. Como era ser escritora nessa época no Brasil? O que há de comum com os dias atuais e o que mudou? São algumas questões que me rondam.