Maré é artista, bixa travesty, e desenvolve produtos-artes nos formatos de performance, dança, literatura e audiovisual.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia arrumando a cama, varrendo a casa, e passando um café. Não é uma rotina, busco manter as ações que são de cuidado, tanto de mim quanto do espaço onde estou, para que a fluência do dia aconteça e que a sensação de inutilidade seja eventualmente evitada, principalmente nesse período de Pandemia. Algumas vezes aproveito a hora do café para ler, ver vídeos, ouvir um álbum, escrever. Outras horas já tem que começar ai a resolução dos B.Os, das demandas e os causos do dia a dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tendo uma vivencia que estabelece localidade fixa, por vários fatores, me habituei a aproveitar e escrever, aproveitar o impulso criativo, aproveitar o momento, aproveitar quando se abre uma brecha, ou aproveitar para fazer nascer uma brecha, então não tenho nenhum ritual de preparação para escrita, creio que o rito seja o ato de fazer os meus cadernos de escrita, dobro as folhas, faço os blocos, costuro o caderno. Deixo-os sem capa e sempre busco o dialogo aberto entre as paginas e as ações do cotidiano, fazendo manchas com o fundo da xícara de café, escorando a colher que mexe o chá no canto da folha, levando os cadernos para onde vou mesmo que eu não escreva nada onde estou, mas a possibilidade está lá.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A meses e meses, tendo sempre me manter escrevendo por uma questão de saúde mental, a escrita como cuidado de si como diria Michel. Mas não escrevo todos os dias para não detonar a escrita com uma carga de obrigatoriedade e demanda de execução que não leva em conta todas as outras áreas de atuação que habito. Logo escrevo bastante, por saber que me faz bem. Não tem meta, não tem um fluxo continuo, percebo que quanto mais tempo demoro a escrever, quando ocorre mais sinto saudades de mim escrevendo, mais sinto que preciso escrever mais, mais sinto que a escrita é ferramenta e tecnologia muito poderosa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É de intuição e cacofonia. Suleio o processo escrevendo de um tudo e de um todo, desde frases que ouço, as que formulo, as que leio. Vejo vídeos escrevendo, ouço musicas escrevendo, escrevo sobre o que estou escrevendo, gero material e matéria de forma bem livre e solta, não descartando nada. Não tendo vergonha de mim mesma, busco ate ser descarada comigo e me irritar. Ao passo de transformar a escrevivencia em um produto-literario procuro então entender o escrito como uma flecha, que é disparada para atingir um alvo vivo e em movimento. Tento que o encontro com o caderno seja bem tranquilo e hora de escrever é hora de escrever, hora de reescrever é hora de reescrever, hora de ler o que escrevi é hora de ler o que escrevi, se a parti daí outra vontade surgir, jogo com a mesma, mas não me afasto do eixo que estabeleci. O fluxo entre a pesquisa e a escrita é solta e quimérica, o escrito tem calda de pesquisa, a pesquisa tem patas de escrita. Há uma fronteira membrana que separa a pesquisa do escrito, mas que não impede a troca.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Namoro a crise, as travas, a procrastinação e o medo. Tenho crias, partos difíceis, partos naturais, alguns cesariana. Buscando com os dedos tocar siririca para a ansiedade. Entendo como etapas e momentos inevitáveis, inerentes ao processo, mesmo que me olhem com caria seria tento não franzir o meio das sobrancelhas, e debocho. Quando a tristeza veem em conjunto é mais difícil, ai é mais buscar formas de conseguir oxigênio, e deixar putrefaz , fermentar. Há algo no tempo que escorre nesses momentos que sempre me faz pensar que é inerente a mudança então logo, logo o que é uma trava, uma procrastinação um medo, ou ansiedade podem se tornar o ponto de partida, o começo, ou digevoluir para inspiração, fôlego, coragem, vontade de enfrentar. As expectativas estabeleço uma outra relação, donde busco conhecer a expectativa e julgar a necessidade dela, ou de onde ela é oriunda, posto que as vezes é a expectativa de tocar no tema e ser por esse toque elogiada, ou encantar com a minha escrita como faz o canto da sereia, pero tenho a desobediência como regra, pondo assim a expectativa para brincar com outros brinquedos, deixando de querer ser elogiada, para querer ser xingada, fudida de 4. Estabelecendo também um contorno o mais definido desse OUTRO que junto comigo gera a expectativa. Esse outro que às vezes é um amante que tenho que me vingar, ou desconhecida distante que quero entrar em contato.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não gosto muito de ficar revisando textos, por mais que 4 vezes, pois Piva já cochichou “precisa-se deixar de ser brocha para ser bruxos.”.. Então geralmente de 4 é onde me deixo. De alguma forma, algo que não é revisão acontece que é deixar o texto quieto, ou esquecer mesmo dele, afastar-se, para um dia vim a encontrar-me, sendo eu outra. Gosto muito de fazer outras pessoas lerem o que escrevi, antes ou depois de publicar, pois na boca do outro o doce derrete de outra forma. Tem tudo muito haver como a palavra percorre a boca neh? Então mostrar para outra pessoa é parte da pesquisa, parte do escrever, ler também, eu mesma para mim, em voz alta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho cadernos, como já comentei, eu mesma faço, e em geral é do escrito neles que surgem os produtos-literarios. E tenho ótima relação com escrever no computador, comecei no computador e depois fui para os cadernos, vejo que ao escrever no computador os “erros” acabam sendo denunciados pelo corretor e manipulando assim o que esta sendo escrito em uma cocriação simbiótica, o que nos cadernos não ocorre e assim os “erros” são esse cocriadores simbióticas, elementos importantes, e manipulam assim o que esta sendo escrito. É um jogo gostoso de realizar, de ver a diferente escritora que nasce dependendo com quem interajo, com o computador ou com o caderno. E creio ter aí um lance de magia, onde cada bruxa, feiticeira, alquimista ou ser mágico estabeleça quais são os materiais que mais gostam de interagir. Acho fitoso quem escreve em maquina de escrever, assim como uma verdadeira desnecessidade aqueles que pontuam que não conseguem escrever no computador, invocando uma relação sentimento romantizado com o papel, pois a interação com a matéria é alquimia, a implicância com a matéria é apenas preferência.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vêm de cacofonia e da própria escrita como um dos pontos de partidas, às vezes é escrevendo que começo a escrever. Como sou bem apaixonada por filosofia e as questões e produtos Arte sinto que são quem me fecundam com mais constância. O cotidiano também é muito um lugar horizonte criativo. Busco mesmo é esta viva, lendo muito sempre, sobre qualquer coisa que desperte essa vontade de ler, seja fios de tweets sobre cofres que tiveram sua senha esquecida, seja um tratado filosófico, ou um livro de poemas. Conversas. Discussões. Animes. O habito que guio com mais precisão é a leitura de poetas, artistas, filósofos por quem eu quero ser influenciada, estabeleço assim 3 pessoas, por exemplo: Jota Mombaça, Aimé Césaire, Audre Lorde. E leio e releio, ouço sobre, vejo criticas, enfim me aproximo ate que me sinta enjoada ou satisfeita, ou os dois, e assim parto para outros, ou revisito quem já passou por ai. Busco muito remixar e samplear também como uma ferramenta para sair daquilo que faço, retirando assim uma frase, e brincando com ela, ou durante as leituras escrevendo frases ou palavras que gostei, e no fim vendo o texto que se forma, leio, e quando surge a vontade começo a talhar nesse bloco e ver o que surge dele.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Nossa difícil essa. Vejo que no começo eu não me importava, e acho que ser essa jovem inconsequente que quer ser escritora tem muita mais coragem, ousadia, do que aquela que veem e hoje falam e ela mesma fala que é escritora. Acredito que tentaria induzir a não perde essa ousadia. E a incentivaria a participar de grupo de escrita, a buscar conversar mais sobre, tive um começo meio tímido em relação a conversar sobre e buscar meios de ter coragem para se intitular escritora então eu diria: “Vai moninha se junta no grupinho das escritoras, vai se enturmar.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero fazer um produto-literario que lide com a ambivalência, e possa ser sobre o amor mas sem o romantismo. Algo cruel e ambivalente. E gostaria de ler “Ascensão e Queda da Subjetividade Ocidental, como os povos originarios e as tribos queer conseguiram destruir as engrenagem que produzem subjetividades chupinhadoras”.